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Quando o obstetra francês Stephane Etienne Tarnier analisou uma incubadora aquecendo ovos de aves no Jardim Zoológico de Paris, encontrou a possibilidade de dar um novo rumo ao nascimento de bebês no século 19. Sua hipótese era a de que a mesma técnica poderia diminuir o risco de hipotermia e aumentar a sobrevida dos recém-nascidos, um problema de saúde pública reconhecido desde o ano 300.
A inovação foi impactante. Registros destacam que a incubadora de Tarnier fez a taxa de mortalidade cair de 66% para 38% entre crianças pesando menos de dois quilos. Desde então, a técnica se mostrou essencial para os primeiros dias de vida e evoluiu tecnologicamente com o passar do tempo, tornando-se sinônimo de sobrevivência após partos prematuros. Por isso, no século seguinte, cunhou-se um novo conceito no mercado: o de incubadora de empresas.
Com propósito semelhante ao da assistência neonatal, o termo foi difundido nos Estados Unidos e na Europa por instituições que buscavam apoiar empresas ainda em estágio inicial de desenvolvimento. O objetivo era auxiliá-las a traçar um caminho promissor, mostrando até onde uma ideia inovadora pode chegar no mercado, conectando pesquisadores a negócios e atraindo investidores.
O modelo de negócio foi um game-changer. Diferentes relatórios sobre os mercados brasileiro e global apontam que cerca de 80% das startups lançadas dentro de incubadoras conseguem sobreviver no longo prazo. Em compensação, entre as que buscam se alavancar sem esse tipo de apoio, a porcentagem cai drasticamente.
A consultoria CB Insights apontou, no relatório The Top 12 Reasons Why Startups Fail, que apenas 10% das startups sobrevivem sozinhas, sendo que 70% encerram as atividades entre dois e cinco anos de existência. A qualidade do produto nem sempre é o fator decisivo nesse cenário. As questões mais abordadas no relatório para o fim de uma startup são: falta de capital (38%); não atendimento a necessidades de mercado (35%); problema solucionado já superado por um concorrente (20%); modelo de negócio falho (19%); e desafios regulatórios (18%).
Terreno fértil para ideias inovadoras
Cinco anos atrás, foi criada a primeira incubadora de startups com foco em saúde humana do Brasil. Naquela época, embora sem haver uma estrutura robusta para o investimento em inovação, o país foi considerado um terreno fértil para ideias inovadoras. O Einstein deu a essa iniciativa o nome Eretz.bio, em referência a Israel e ao avanço tecnológico do país.
A Eretz conseguiu desenvolver, ao longo desse tempo, um ambiente capaz de fornecer mentoria, suporte e investimento a startups em fase inicial, além de participar de articulações e promover conexões para transformar as soluções propostas em produtos para o mercado. Segundo a gerente de Inovação da Eretz.bio, Camila Hernandes, na época do surgimento, ainda era preciso conceder infraestrutura mínima para auxiliar as empresas.
“Visitávamos uma startup que tinha um grande potencial, mas não havia estrutura. Os próprios empreendedores não tinham uma sala de reunião para receber investidores, clientes tampouco um ambiente favorável para validar e prototipar ideias. Sem suporte, as ideias não chegam ao público final e um pouco da inovação brasileira morre em cada tentativa. A Eretz.bio veio para mudar esse cenário”, afirma.
Hoje, empresas incubadas há cinco anos ganham destaque no mercado: a Anestech idealizadora do AxReg, plataforma AIMS de anestesiologia digital, traz mais segurança para cirurgias realizadas no país; a MedRoom tornou-se uma premiada startup brasileira focada em soluções de realidade virtual para a educação em saúde; e a Genomika, um laboratório clínico para testes moleculares e genéticos nas áreas de doenças raras, hereditárias, oncologia, hemato-oncologia e bem-estar, foi adquirida pelo Hospital Albert Einstein.
Os números registrados também indicam um caminho otimista: de 120 startups incubadas desde 2017, apenas cinco foram descontinuadas após uma avaliação franca sobre produto, maturação e mercado.
“É um índice que demonstra como estamos amadurecendo a visão de inovação, fomentando novos produtos, criando fluxos para que pesquisadores entendem mais o perfil do mercado global e mitigando riscos para que investidores olhem a área da ciência da vida brasileira como uma aposta real de retorno”, explica Hernandes.
Caminho de amadurecimento
Os cinco anos de Eretz.bio geraram cases de sucesso e aprendizados sobre o comportamento do mercado. No início do projeto, por exemplo, as soluções em saúde se concentravam no digital, e havia uma crença no país de que a tecnologia poderia ser utilizada para aumentar a segurança dos idosos. No entanto, em 2017, o público-alvo não estava tão preparado para lidar com esse tipo de monitoramento como em 2021, quando houve uma digitalização acelerada do setor em decorrência da pandemia da Covid-19.
Outro movimento foi o avanço das novas tecnologias e das deep techs, que influenciou a área da saúde na busca por soluções cada vez mais sofisticadas. Na avaliação de Camila Hernandes, com o investimento adequado e as parcerias certas, o Brasil tem potencial para se equiparar a países como os Estados Unidos, que já possuem a cultura de inovação enraizada.
“Tornou-se crucial desenvolver programas específicos para o investimento em deep techs e em soluções digitais de saúde, separadamente, pois tanto o tempo de maturação e quanto o investimento seguem linhas cronológicas diferentes. Hoje, a Eretz tem um ecossistema pronto para aprimorar desde soluções digitais até devices e medicamentos inovadores”, explica.
A Eretz.bio segue em parceria com empresas de tecnologia, laboratórios farmacêuticos e universidades. Atualmente, a iniciativa tem 150 projetos com startups de 20 países diferentes, com uma rede de 15 mil especialistas disponíveis para apoiar os projetos, incubou mais de 120 microempresas e investiu em 30 healthtechs.
Do Brasil para o mundo
A Phelcom Technologies, uma das primeiras empresas incubadas na Eretz, permitiu que uma ideia de José Augusto Stuchi, Flavio Paschoal Vieira e Diego Lencione se transformasse em um produto global.
Desde 2016, os três trabalham para realizar o sonho de combater a deficiência visual grave e a cegueira no mundo, considerando que 75% dos casos podem ser prevenidos com exames e tratamentos no momento correto, segundo os dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
A motivação surgiu porque o irmão de Diego nasceu com uma doença ocular, e os amigos se uniram para desenvolver um dispositivo móvel a fim de popularizar o exame de fundo de olho, onde ficam retina, artérias, veias e nervos. O exame faz parte da estratégia de prevenção de doenças oculares e de monitoramento de outras condições, como a diabetes e o glaucoma.
O protótipo testado na cidade de São Carlos, no interior de São Paulo, era um retinógrafo portátil. Com ele, foi possível executar a ideia de realizar um exame complexo em qualquer lugar, sem a necessidade da presença física de um especialista ou de uma grande infraestrutura de diagnóstico.
“Com a evolução tecnológica e o investimento na ideia, o dispositivo se transformou em uma plataforma. Hoje, é possível que uma enfermeira faça o exame com o dispositivo portátil e compartilhe as imagens em tempo real com um médico especialista em outro estado, que tem o auxílio da inteligência artificial para dar o diagnóstico”, explica o fundador da Phelcom Technologies, José Augusto Stuchi.
A caminhada até a aprovação do produto não foi fácil, e os empreendedores precisaram investir dinheiro próprio para tirar a ideia do papel. Ao longo do desenvolvimento, a plataforma recebeu apoio da Eretz.bio e foi financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
O produto começou a ser vendido em 2019, com produção 100% nacional e já está em quatro mercados: Brasil, Estados Unidos, Japão e Colômbia. Desde então, a tecnologia batizada com o nome Eyer já capturou 10 milhões de imagens de fundo de olho.
Além de aprimorar o processo de venda da solução, a empresa também aposta na construção de estratégias de marketing e de negócios, pilares fomentados dentro da Eretz que são diferenciais para a construção de market share no Brasil no mundo.
“Nós sabíamos que havia uma demanda represada no Brasil. No lançamento, ganhamos visibilidade, tínhamos um mercado estabelecido e pronto para receber o produto. Nos Estados Unidos, o cenário é diferente. Somos uma empresa brasileira abrindo um novo caminho na área. Além do produto, alavancar o branding é essencial para impactar os médicos e o setor norte-americano, assim como para alcançar a sustentabilidade do negócio para os próximos anos”, avalia Stuchi.