Um guia para não compartilhar informações falsas sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia
Humanos e tecnologia

Um guia para não compartilhar informações falsas sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia

Mesmo tentativas bem-intencionadas de compartilhar informações podem acabar ajudando algumas campanhas maliciosas.

A cobertura online em ritmo acelerado da invasão russa da Ucrânia em fevereiro seguiu um padrão que se tornou familiar em outras crises recentes que se desenrolaram em todo o mundo. Fotos, vídeos e outras informações são postadas e repostadas nas plataformas muito mais rapidamente do que podem ter sua autenticidade comprovada.

O resultado é que informações falsas são confundidas com a verdade e amplificadas, mesmo por pessoas bem-intencionadas. Isso pode ajudar campanhas maliciosas a aterrorizar civis inocentes ou promover extremismos, causando danos reais.

A desinformação tem sido uma parte proeminente e explícita da campanha do governo russo para justificar a invasão. A Rússia alegou falsamente que as forças ucranianas em Donbas, uma cidade na parte sudeste do país que abriga um grande número de separatistas pró-Rússia, estavam planejando ataques violentos, participando de bombardeios e cometendo genocídio. Vídeos falsos desses ataques inexistentes tornaram-se parte de uma campanha de propaganda interna. (Simultaneamente, o governo dos EUA está dedicando esforços para desacreditar e desmascarar essas falsas alegações.)

Além disso, mesmo pessoas que não fazem parte dessas campanhas governamentais podem compartilhar intencionalmente informações ruins, enganosas ou falsas sobre a invasão para promover suas narrativas ideológicas ou simplesmente para obter mais cliques, sem se importar com os danos que estão causando. Em outros casos, erros honestos cometidos em meio ao nevoeiro da guerra são amplificados e se tornam virais.

A desinformação sobre a invasão russa já encontrou grandes audiências em plataformas criadas principalmente para promover conteúdo que gera mais engajamento.

No TikTok, um vídeo de 2016 de um exercício de treinamento foi reaproveitado para criar a falsa impressão de que soldados russos estavam saltando de paraquedas na Ucrânia. Foi visto milhões de vezes. Uma tradução incorreta de uma declaração que circulou amplamente no Twitter e foi compartilhada por jornalistas afirmou falsamente que os combates perto de Chernobyl (Ucrânia) haviam perturbado um local de resíduos nucleares (a declaração original na verdade advertia que os combates poderiam afetar a integridade desses resíduos).

Propaganda prejudicial e desinformação muitas vezes são amplificadas inadvertidamente quando as pessoas acessam notícias de última hora e interagem com postagens virais sobre um evento terrível. Este guia é para aqueles que querem contribuir com o não compartilhamento de conteúdo malicioso.

Publicamos alguns desses conselhos antes, durante os protestos do Black Lives Matter em 2020 e, novamente, antes das eleições nos EUA no final daquele ano. As informações abaixo foram atualizadas e expandidas para incluir algumas considerações específicas sobre notícias da Ucrânia.

O que você dá atenção importa…

Primeiro, perceba que o que você faz online faz a diferença. “As pessoas muitas vezes pensam que só porque não são influenciadores, políticos ou jornalistas, o que fazem [online] não importa”, disse em 2020, Whitney Phillips, professora assistente de comunicação e estudos retóricos em Syracuse University (EUA). Mas tem um impacto. Compartilhar informações duvidosas mesmo com um pequeno círculo de amigos e familiares pode desencadear uma disseminação mais ampla.

… e também seus tweets de resposta raivosos e duetos no TikTok.

Quando as notícias de última hora surgem, algumas pessoas bem-intencionadas podem citar, twittar, compartilhar ou interagir com uma postagem de rede social para questioná-la e condená-la, mas ela ainda está se desdobrando. O Twitter e o Facebook introduziram novas regras, táticas de moderação e recursos de verificação de fatos para tentar combater a desinformação. Mas envolver-se com desinformação de qualquer maneira cria o risco de amplificar o conteúdo que estamos tentando minimizar, porque isso sinaliza para a plataforma o que achamos interessante. Em vez de se envolver com uma postagem que você sabe que está errada, tente sinalizá-la para revisão pela plataforma em que foi postada.

Pare.

Mike Caulfield, especialista em alfabetização digital, desenvolveu um método para avaliar informações on-line que ele chama de SIFT (Stop, Investigate, Find e Trace): “Pare, investigue a fonte, encontre uma reportagem melhor e rastreie as alegações, citações e mídia para entender o contexto original”. Quando se trata de notícias sobre a Ucrânia, ele diz, a ênfase deve estar em “Pare” – ou seja, faça uma pausa antes de reagir ou compartilhar o que está vendo.

“Existe um impulso humano de querer ser a primeira pessoa em seu grupo a compartilhar uma história e ser conhecida como a pessoa que a relatou”, diz ele. E embora esse impulso seja um risco que os jornalistas enfrentam diariamente, ele se aplica a todos, principalmente em momentos de sobrecarga de informações.

Shireen Mitchell, pesquisadora de desinformação e analista digital, diz que se você está consumindo notícias sobre a Ucrânia e quer fazer algo para ajudar, “o que você deveria fazer é seguir pessoas da Ucrânia que estão contando suas histórias sobre o que está acontecendo com elas”.

No entanto, não apenas saia compartilhando qualquer coisa que você veja que pareça ser da Ucrânia. Compartilhe apenas informações de contas verificadas. Há jornalistas trabalhando para verificar os vídeos do TikTok que parecem mostrar movimentos militares russos e estão compartilhando tweets de pessoas que aparentemente estão na Ucrânia documentando suas próprias experiências.

Mesmo assim, os especialistas recomendam mais cautela. A pesquisadora de desinformação Kate Starbird twittou um tópico detalhado sobre como filtrar postagens de rede social sobre a invasão, observando que essa é uma situação em que até fontes confiáveis dentro de sua rede podem estar “compartilhando informações rápido demais e talvez não estejam fazendo uma boa avaliação”.

Starbird apontou algumas dicas para notar se uma conta é autêntica ou não:

[Twitter]

Escolha um papel com o qual você possa contribuir

Se você está lendo este guia, provavelmente não é um repórter de notícias de última hora ou um especialista nas relações Ucrânia-Rússia. Especialistas alertam que não devemos agir como se fôssemos um agora, avaliando e divulgando informações que encontramos online. Embora seja sempre bom tentar verificar as informações que você está vendo, pense muito bem ao compartilhar novas descobertas ou teorias em suas redes.

“As pessoas sentem que são capazes de fazer suas próprias pesquisas” na internet, diz Mitchell, encorajadas em parte pela crescente disseminação de desinformação e outras formas de informações falsas presentes nas redes sociais. “E por sentirem que ganharam alguns conjuntos de habilidades, elas acham que podem fazer isso neste momento”. Nenhuma das suposições é necessariamente verdadeira. E os atores mal-intencionados têm um histórico bem documentado de exploração desse desejo de “fazer sua própria pesquisa” para atrair o público para suas redes coordenadas de desinformação.

Uma das melhores coisas que você pode fazer é achar uma fonte confiável sobre a realidade

“Honestamente, a questão do idioma é um grande problema”, diz Caulfield, referindo-se a pessoas que não falam o idioma ucraniano ou russo tentando verificar notícias sobre a Ucrânia em tempo real. Tentar determinar o que é verdadeiro não deve significar analisar “vídeos de lugares que você não conhece, coisas que são narradas em idiomas que você não entende”, diz ele.

Antes de compartilhar algo, pergunte a si mesmo: você pode traduzir o idioma que está sendo falado sem ajuda de softwares e programas? Você está bem preparado para pesquisar e analisar vídeos e fotos de fontes que nunca encontrou antes? Embora o jornalismo cidadão seja muitas vezes valioso, requer habilidade e treinamento reais para se sair bem. Seja realista sobre o que você é capaz de fazer e por quê.

Lembre-se que cometer erros nessas publicações têm consequências. Compartilhar informações falsas ou enganosas sobre uma situação que ainda está se desdobrando pode machucar ou matar pessoas.

Em vez disso, espalhe boas informações e aumente o alcance de fontes confiáveis.

Uma das melhores coisas que podemos fazer em uma situação como essa, pela nossa saúde mental e das pessoas que nos seguem na internet, é achar uma fonte confiável sobre a realidade. Quem são as fontes confiáveis que publicam cobertura em português? Quem você pode seguir para divulgar e compartilhar informações corretas?

Jornalistas como Jane Lytvynenko, que é ucraniana e tem experiência em reportar táticas de desinformação, estão identificando e compartilhando recursos para aqueles que desejam apoiar instituições de caridade e meios de comunicação ucranianos, fornecendo um contexto vital sobre a invasão. Outros criaram uma lista colaborativa de agências de notícias e contas de rede social repletas de propagandas estatais para evitar. A Bellingcat tem uma planilha pública ativa de conteúdos verificados e desmascarados. A agência de notícias Kyiv Independent está divulgando atualizações constantes em seu Twitter.

“Talvez seu papel nisso não seja ser aquele jornalista que conta a notícia a seus amigos”, diz Caulfield. Há muitas pessoas fazendo esse trabalho que são muito boas nisso, diz ele. “Talvez seu papel nisso seja encontrar uma conferência séria sobre o assunto que explique o que está acontecendo… talvez seu papel seja informar às pessoas sobre como a Rússia usou a estratégia de desinformação na Crimeia em 2014”.

Se errarmos, temos que corrigir depois

Qualquer pessoa é capaz de compartilhar informações erradas, incluindo especialistas em detectá-las. Se você for compartilhar informações sobre uma situação que ainda está se desdobrando, não importa qual seja seu papel ou o tamanho do seu alcance, esteja preparado para corrigi-la com responsabilidade e lidar com as consequências se algo estiver errado.

Tanto Mitchell quanto Caulfield delinearam práticas recomendadas semelhantes aqui: se você compartilhar informações ruins no Twitter, faça uma captura de tela do seu erro, poste uma correção respondendo ou twittando as informações incorretas e, em seguida, exclua o tweet que contém a desinformação.

Embora o TikTok funcione de maneira diferente, princípios semelhantes se aplicam: exclua o erro, explique o motivo pelo qual o vídeo foi excluído, publique uma correção e incentive seus seguidores a compartilhá-la.

Mitchell acrescentou que todos devem estar preparados para assumir a responsabilidade por estarem errados e fornecer informações corretas para aqueles que acabaram compartilhando seu erro.

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