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A pandemia forçou uma migração em massa para o digital, porém, assim como levou a tecnologia para determinados grupos que antes não tinham acesso, também os fraudadores ampliaram a atuação. É neste contexto que a sofisticação da tecnologia se faz cada vez mais necessária como ferramenta de combate às fraudes. O caminho é de uma mudança de cultura nas empresas para o uso de abordagem analítica nas tomadas de decisões.
O relatório de 2022 da Association of Certified Fraud Examiners (ACFE) analisou mais de 2.100 casos em 133 países e apontou que as perdas foram superiores a US$ 3,6 bilhões. A entidade, que é a maior organização antifraude do mundo, estima que as irregularidades geram uma perda na casa de 5% da receita anual para as companhias.
Ricardo Saponara, especialista em prevenção a fraudes para a América Latina do SAS – companhia líder no segmento de analytics – observa que o mercado está investindo mais em tecnologia para combater golpes, especialmente quando se traduz em cifras o prejuízo evitado. É o caso da Vale: a mineradora contratou o SAS para averiguar abusos no PASA, plano de saúde. Segundo Saponara foram R$ 12 milhões em sinistros evitados. O investimento feito pela Vale se pagou em oito meses e o serviço foi ampliado para outras áreas, além do PASA.
Outro exemplo citado pelo executivo é da Seguradora Líder, antiga administradora do DPVAT (seguro obrigatório para Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre). Por meio de um processo de integração de sistemas analíticos foi possível fazer um monitoramento contínuo e mais assertivo para aprovação ou não de um sinistro. De forma que a ação de quadrilhas que prejudicava o Estado registrou drástica queda. No ano de 2019, por exemplo, foram R$ 70 milhões em golpes evitados.
Hoje as soluções de Inteligência Artificial e machine learning oferecem uma abordagem mais robusta em termos de análise de informações em grande escala, ajudando bancos e seguradoras a sofisticar seus processos. Respostas em tempo real para detectar incoerências envolvem várias técnicas combinadas, o que às vezes inclui até mesmo o cruzamento de informações disponíveis em redes de relacionamentos. Contudo, Saponara alerta também para capacitação e aperfeiçoamento constante: “não existe um USB mágico, os modelos preditivos não resolvem tudo sozinhos, cada empresa desenvolve uma estratégia e o que é regra para uma pode não ser para outra”.
O pagamento do Auxílio Emergencial, criado para garantir uma renda mínima aos brasileiros em situação de vulnerabilidade durante a pandemia da Covid-19, também foi viabilizado por soluções do SAS. O benefício chegou a alcançar mais de 67 milhões de pessoas só no ano de 2020, de acordo com dados do Ministério da Cidadania. Mas e o pente fino pelo qual passa o programa de transferência de renda do governo federal e que pode cortar mais de dois milhões de fraudadores? “Ilegal é diferente de imoral”, observa Ricardo Saponara, se uma família vai cadastrando um novo filho por ano parece estranho, mas não é ilegal. Por isso a necessidade de aprimoramento contínuo e qualificação para leitura dos dados.
Identificando padrões
Conforme a tecnologia para prevenção de fraude evolui, mudam também os padrões adotados pelos golpistas. “O fraudador viu que está mais difícil atacar o produto e começou a atacar o cliente. O fraudador vai aonde está melhor pra ele, onde dá mais retorno” diz o executivo com foco em fraude bancária do SAS, Robson Ohosaku. O especialista lembra que antigamente os produtos eram lançados e depois, conforme as irregularidades iam surgindo, o mercado buscava formas de combate e prevenção.
Hoje a maioria dos bancos lança produtos já com proteção de fraude, o que fez com que o golpista mudasse o foco para as pessoas. Os golpes crescem à medida que o fraudador precisa de uma senha, de um Token para então acessar um produto bancário. Junta-se a isso o fator de que milhares de novos clientes foram embarcados no digital durante a pandemia, muitos sem necessariamente terem o letramento, o conhecimento adequado da tecnologia, sendo um grupo mais vulnerável. Esse é o grande desafio hoje do Pix, e o sistema de pagamentos instantâneos lançado pelo Banco Central pode se beneficiar da inteligência de dados: tendo o máximo de informações disponíveis sobre o cliente fica mais fácil reconhecer movimentações estranhas, e o uso de geolocalização, por exemplo, também é um potente aliado.
O compartilhamento de dados é uma estratégia importante para evitar fraudes e acaba impactando ainda na prevenção à lavagem de dinheiro (PLD). Aliás, a convergência entre essas duas áreas nas instituições financeiras é a tendência do momento no mercado, uma vez que ambas estão intimamente ligadas. O crime de lavagem de dinheiro geralmente sucede uma fraude, de forma que conectar departamentos de combate à fraude e à lavagem de dinheiro, fazendo uso de modelos estatísticos e inteligência analítica, significa grandes ganhos em termos de uma leitura mais assertiva de dados, assim como a identificação de esquemas cada vez mais complexos.
Por enquanto não há no Brasil uma regulamentação para obrigar empresas a unificar as duas áreas, porém tudo aponta por parte das entidades reguladoras que isso será o futuro muito em breve. Robson Ohosaku salienta que países da Europa e os Estados Unidos vêm não só falando em convergência, como já colocaram o discurso em prática. Quem deve sair na frente são as startups e fintechs, os bancos digitais e até mesmo seguradoras, isso por causa da estrutura mais enxuta que a de um banco tradicional e da facilidade de transformação.
Fraude como gestão de risco
A fraude hoje é vista como um elemento de risco operacional. Segundo resolução do Banco Central, as empresas precisam ter capacidade de coletar dados, produzir informações sobre ocorrências e reportar. O executivo da KPMG Brasil, empresa de consultoria e auditoria, Fábio Lacerda trabalhou durante oito anos no BC e analisa que a autoridade monetária tem adotado um posicionamento muito mais favorável ao consumidor, ao cidadão, focando em linhas de defesa e auditagem de procedimentos empresariais. “Coloque uma métrica, um número que possa acompanhar e acompanhe. Se o comportamento fugir do esperado, reporte. Essa é a lógica da gestão de risco. Monitore e se não viu (irregularidades) me mostre porque não viu”, explica.
Segundo Lacerda, na gestão de fraude o básico é fundamental, ou seja, prevenir, detectar, reportar e responder. “Dados não são curiosidades, são insumos para a melhor tomada de decisão”, diz. Ele ainda destaca que o manejo inteligente dos dados é o que traz vantagem competitiva para empresas, uma vez que as fraudes impactam não apenas na receita, mas também são capazes de arruinar reputações.
No quesito prevenção está o maior rigor na aceitação de clientes no onboarding: a verificação de parceiros, clientes e fornecedores com os quais uma empresa financeira se relaciona. Os especialistas concordam que o Open Finance, em fase de implementação no Brasil, deve trazer ainda mais controle para o onboarding. A partir do ponto que determinada instituição financeira compartilha o comportamento de um cliente, há mais informações disponíveis para que outra instituição faça a tomada de decisão de aceite ou não.