Comecemos com um exercício: pense em como um ar-condicionado opera. Em linhas gerais, o aparelho mede regularmente a temperatura do ambiente e um microcomputador interno compara tal leitura com a configuração de temperatura registrada. Dependendo do resultado, o fluxo de ar é ativado ou desativado automaticamente, de modo que o ambiente mantenha a temperatura desejada.
Em linhas mais detalhadas, um microcomputador interno executa um programa para medir uma variável que descreve a temperatura ambiente. Tal programa compara o valor dessa variável com a configuração de temperatura registrada e determina se deve ativar ou parar o fluxo de ar. Olhando para o funcionamento de um ar-condicionado tradicional, essa análise é feita com um único parâmetro: o do ambiente.
À medida que a tecnologia evoluiu, os sistemas de ar-condicionado tornaram-se capazes de detectar as posições das pessoas em uma sala e personalizar a temperatura de acordo. Esses modelos já operam com uma variedade de parâmetros — como tamanho do ambiente, temperaturas distintas e a posição que cada um ocupa nesse ambiente. Quanto mais personalizado, mais granular (ou mais próximo do mundo real) deve ser o sistema de comunicação eletromecânico do ar-condicionado.
O conceito de Sociedade 5.0 segue justamente essa mesma lógica de desenvolvimento: a incorporação de modelos do espaço físico com diversos parâmetros, no modus operandi do espaço cibernético. Trata-se de uma forma de conectar os dados gerados pelos dispositivos e sensores presentes no ambiente real com as aplicações e serviços que funcionam no ambiente virtual. É um ciclo: do mundo real, para o mundo cibernético, de volta para o mundo real. Essa jornada permite que as informações sejam processadas, analisadas e transformadas em soluções mais inteligentes e acionáveis.
Originalmente, o propósito de um ar-condicionado seria manter um ambiente na temperatura desejada. A questão seria simples o suficiente se o controle de temperatura fosse nosso único objetivo, mas as coisas começam a ficar mais complicadas quando nosso objetivo é uma sociedade cujos smart devices deverão se tornar responsáveis por solucionar problemas em camadas cada vez mais personalizadas.
Sociedade 5.0 e a tecnologia a serviço de um conceito people-centric
De acordo com estudo “Society 5.0: A People-centric Super-smart Society”, desenvolvido pelo Hitachi-UTokyo Laboratory, é por meio do mecanismo descrito acima que a Sociedade 5.0 se tornará uma people-centric society, conceito que pode “equilibrar o avanço econômico com a resolução de problemas sociais, para garantir que todos os cidadãos possam levar vidas de alta qualidade, cheias de conforto e vitalidade”.
Os aparelhos de ar-condicionado desempenham um papel inestimável em determinados contextos: muitos escritórios e fábricas teriam dificuldades para funcionar se seus locais não fossem climatizados. No entanto, esses aparelhos também contribuem para o aquecimento global; geralmente funcionam com energia derivada da queima de combustíveis fósseis, que libera gases de efeito estufa.
A Sociedade 5.0 é uma tentativa de superar esse dilema aparentemente intratável. Assim, não podemos considerar apenas a necessidade de climatização; devemos também considerar os efeitos sobre a sociedade como um todo, ou mesmo sobre todo o nosso ecossistema.
A tarefa de resolver problemas sociais sem sacrificar a qualidade de vida é difícil por outro motivo: exige que equilibremos o que é melhor para a sociedade com o que é melhor para o indivíduo. Decidir em consenso a temperatura ideal de um ar-condicionado em um escritório está no extremo mais fácil do espectro. Imagine aplicar isso a cenários sociais mais complexos, nos quais você deve ponderar as necessidades de inúmeros indivíduos, e fazê-lo usando uma variedade vertiginosa de escalas e métricas.
Esse desafio está ligado em um nível fundamental à questão do que entendemos por “vida de alta qualidade e cheia de conforto e vitalidade”. Existem muitas definições e medidas diferentes de bem-estar.
A visão que a Sociedade 5.0 prescreve requer que pensemos em dois tipos de relacionamentos: o relacionamento entre tecnologia e sociedade e o relacionamento mediado pela tecnologia entre indivíduos e sociedade.
A estrutura tecnológica que irá abastecer a Sociedade 5.0
Tecnicamente, para obter soluções significativas para o espaço físico, o ciberespaço deve ter uma estrutura que espelha a do mundo real. Voltando ao exemplo do ar-condicionado, o sistema deve modelar as características físicas do ambiente para entender como ele mudará se o fluxo de ar for diminuído ou aumentado. Se o sistema modelar os recursos do ambiente como eles são na realidade, ele pode executar simulações virtuais e aprender estratégias para manter o ambiente perfeitamente climatizado.
Não é uma tarefa fácil adquirir um modelo que reflita com precisão as condições reais do ambiente. É aí que entram tecnologias como Internet das Coisas e Inteligência Artificial. A IoT permite que dados variados sejam coletados do mundo real para o ciberespaço; e a IA, por outro lado, pode analisar as grandes quantidades de dados obtidos e criar um modelo digital do ambiente que se comporta exatamente como o real.
Uma vez que esse modelo cibernético esteja estabelecido, o sistema pode estimar como melhor climatizar o ambiente e implementar uma solução significativa. O sistema pode medir como o fluxo de ar está afetando a temperatura ambiente e incorporar essas informações de volta ao ciberespaço. Se a temperatura real do ambiente diferir da temperatura alvo, então o modelo cibernético deve ter cometido algum erro. A IA nota tal erro e ajusta o modelo de acordo.
Assim, quando o Ministério das Finanças do Japão, na literatura “Society 5.0”, menciona a “fusão” do ciberespaço e do espaço físico, significa que esses dois espaços passarão a se assemelhar um ao outro, ao ponto de se tornarem indistinguíveis.
Convergência de espaços para a convergência de serviços
Dependemos indiscutivelmente de serviços como energia, transporte, água, saúde, segurança pública, distribuição, varejo, educação e entretenimento. Pode parecer que cada setor opera separadamente, mas eles estão de fato interconectados. Tome o congestionamento urbano como exemplo. Uma forma de resolver esse problema pode ser desenvolver um sistema de metrô, mas isso custa tempo e dinheiro.
Antes de se apressar em tomar alguma ação, em primeiro lugar você deve considerar o motivo de o congestionamento ocorrer. Em algumas cidades, as pessoas preferem viajar de carro por causa da baixa segurança pública. Em outras cidades, a causa do congestionamento pode ser uma infraestrutura hídrica inadequada, que faz com que as ruas fiquem inundadas quando chove.
O setor de transporte está interligado com diversos outros serviços. Assim, embora um sistema de metrô possa ser uma solução eficaz para o congestionamento, se as interconexões com outros serviços forem consideradas, pode-se descobrir uma alternativa mais acionável, como melhorar a segurança pública ou instalar uma melhor infraestrutura hídrica.
Com o conceito de Sociedade 5.0, será possível analisar minuciosamente as raízes do problema. Isso também facilitará o processo de elaboração de soluções, pois simulações poderiam ser executadas no ciberespaço para identificar a melhor forma de alocar orçamento real.
A Inteligência Artificial, a efeito de tangibilização, pode detectar conexões que um humano ignoraria. Aprenderemos como os diferentes serviços em uma determinada área interagem no curto prazo e como um determinado serviço molda outros serviços ao longo de um período mais dilatado.
Os dados se tornam úteis para nós quando os convertemos em informações e depois em conhecimento. Até agora, esse processo de conversão tem sido conduzido por interações humano-computador. Na Sociedade 5.0, o processo poderá ser conduzido sem intervenção humana.
Sociedade 5.0 vai muito além de questões industriais
A Indústria 4.0 diz muito sobre a Transformação Digital em todas as perspectivas industriais, enquanto a Sociedade 5.0 incentiva a humanidade a dar um salto em direção a uma reforma digital que se expanda, principalmente, para os problemas sociais.
Na obra “Future Shock”, publicada em 1984, Alvin Toffler argumentou que a indústria tendia a ver o futuro como uma “projeção linear das tendências atuais”. Bem, o que nos separa dessa visão é o fato de termos entrado no jogo do exponencial, que evolui em um ritmo no qual nenhum dos mais proeminentes futuristas da nossa geração conseguiu acompanhar.
Basta pensar em como nossas vidas foram transformadas nos últimos 10 anos, com a ascensão da gig economy, dos novos modelos de negócios e das novas formas de consumir. Ninguém poderia imaginar tal mudança abissal. A tecnologia nos levou de uma sociedade industrial centrada na manufatura para uma sociedade onde a informação é soberana.
Enquanto os sistemas econômicos tradicionalmente derivam sua competitividade do patrimônio material, na Sociedade 5.0, a fonte de valor econômico residirá nas pessoas e nos dados – principalmente os dados relacionados à sabedoria e ao comportamento, capazes de gerar valor e criar uma sociedade na qual indivíduos podem contribuir ativamente. Essa é a transformação em direção a uma people-centric society.