Imagine que você esteja andando pela rua e, de repente, você lembra de um produto de limpeza que precisa comprar urgente para a sua casa, pois acabou. Em um piscar de olhos, na sua frente, aparece uma máquina de venda automática, repleta deste produto, em todas as opções de marcas, tamanhos e preços. Você para, analisa as opções, e escolhe um item da máquina. Assim que fizer o pagamento com seu wallet virtual, o produto já está a caminho da sua casa, e você então continua o passeio com o seu cachorro na maior tranquilidade. Prestes a voltar para casa, você recebe um alerta de que o seu artista preferido está começando um show na Wembley Arena, em Londres, em cinco minutos. Mesmo estando em São Paulo, você compra o ingresso e corre para a sua casa para curtir o show desde o conforto da sua sala. Como isso seria possível?
Você pode achar que estes cenários sejam trechos do seriado britânico “Black Mirror”, mas a verdade é que eles representam as aplicações possíveis do metaverso – que já existe e está bem mais real do que o mundo da série. Bem-vindo ao metaverso, ou seja, às realidades digitais alternativas onde as pessoas trabalham, socializam e se divertem. Você poderá chamá-lo de metaverso, de omniverso (como a Nvidia preferiu chama-lo), de AR Cloud, de Magicverse, ou como você preferir, mas uma coisa é certa: ele está chegando, e representa um grande negócio.
Mas o que é este tal de metaverso?
O termo nasce da junção do prefixo grego “meta” (que significa além) e “universo”, e fundamentalmente é um espaço compartilhado virtual e coletivo, criado pela convergência de realidade física aprimorada virtualmente (representada pelos “Digital Twins”, dos quais falaremos), e o espaço virtual que já permeia o mundo físico (em particular Realidade Aumentada, também chamada de AR). Confuso?
Pense nele da seguinte forma: hoje nós estamos online quando acessamos a Internet, mas com novos dispositivos, maior conectividade e tecnologias de ponta, estaremos online o tempo todo – inclusive por isso, o momento da Internet que estamos vivendo é definido também de Web 3.0. Uma nova geração de serviços da Internet que serão construídos em cima de tecnologias descentralizadas, como diversas blockchains existentes.
A Web 1.0 veio com o nascimento da Internet e fundamentalmente digitalizou a informação, submetendo o conhecimento ao poder dos algoritmos — essa fase passou a ser dominada pelo Google. A Web 2.0 veio com as mídias sociais, rodando principalmente em smartphones, digitalizou as pessoas e submeteu o comportamento e os relacionamentos humanos ao poder dos algoritmos — esta fase foi dominada pelo Facebook. E a Web 3.0? Essa terceira fase digitalizará o resto do mundo, todos os objetos e lugares serão legíveis pelas máquinas e estarão sujeitos ao poder dos algoritmos. E ela será dominada por quem? Muito provavelmente por ninguém e todos ao mesmo tempo – sendo uma Web descentralizada.
Mesmo popularizado com o recente rebranding do Facebook para o nome Meta, o conceito de metaverso não é tão recente, ele foi usado pela primeira vez há quase 30 anos pelo escritor Neal Stephenson, em seu romance de ficção científica, Snow Crash. Com esse termo, o autor descrevia uma realidade virtual em que as pessoas levavam uma segunda vida virtual.
Mais recentemente, em 2019, Kevin Kelly, fundador da revista Wired, escreveu uma matéria de capa intitulada “Welcome to the Mirrorworld”, na qual ele descreve como a realidade aumentada desencadeará a próxima grande plataforma de tecnologia. “Estamos construindo um mapa do mundo de 1 para 1 de alcance quase inimaginável. Quando estiver completo, nossa realidade física se fundirá com o universo digital.” Em outras palavras, prepare-se para conhecer seu gêmeo digital e o gêmeo digital de sua casa, seu país, seu escritório e até mesmo sua vida.
“Gêmeo digital?”, deve estar se perguntando. Pois é: eis que chegamos ao primeiro conceito fundamental atrás do metaverso, os “gêmeos digitais”, ou “digital twins”. Eles são representações virtuais exatas de coisas físicas. Imagine uma grande empresa de manufatura tendo os Digital Twins de seus equipamentos: através deles, um especialista desde a sua casa poderá resolver problemas em uma fábrica em outro continente por meio do metaverso.
As mesmas tecnologias permitirão reuniões de escritório mais produtivas do que as ferramentas de videoconferência bidimensionais de hoje. Algumas das aplicações mais úteis poderão ser no treinamento de funcionários, onde muitas pessoas podem participar de uma sala de treinamento virtual gigante, ou em várias salas de treinamento interativas com trilhas customizadas, para aprender com mais rapidez e eficiência.
Aplicações voltadas para o cliente podem incluir a criação de Digital Twins no varejo, oferecendo uma experiência de serviço ao cliente que não seria possível no mundo físico. Empresas como Mercedes-Benz, Dell, MTV e Coca-Cola já experimentaram isso.
Oportunidades para as empresas no metaverso
Existe um grupo de empresas que já estão liderando a construção do metaverso, com o setor de entretenimento e jogos liderando o caminho. Games como Fortnite, da Epic Games, popularizaram a socialização entre pessoas em ambientes virtuais. Plataformas de jogos mais recentes, como Roblox, permitem que as pessoas criem e joguem em mundos imersivos criados — e muitas vezes monetizados — pelos seus usuários. Decentraland é um mundo virtual 3D inteiro de propriedade de seus usuários, permitindo que eles criem estruturas virtuais — de parques temáticos a galerias — e depois cobram dos usuários para visitá-los, tudo desenvolvido com base na tecnologia blockchain Ethereum.
No entanto, o ambiente imersivo do metaverso não é apenas uma oportunidade para empresas voltadas ao consumidor final. Desde o treinamento de futuros cirurgiões até o lançamento de demonstrações de produtos para vendedores no varejo, há muitas aplicações de negócios. Por exemplo, a Nvidia acredita que investir em simulações de metaverso de manufatura e logística reduzirá o desperdício e acelerará melhores soluções de negócios. E a Microsoft está posicionando seus serviços de cloud computing para serem o tecido do metaverso, usando sua plataforma Mesh para permitir que avatares e espaços imersivos estejam interligados em ambientes de colaboração, como o Teams. Com ambientes de trabalho remotos ou híbridos pós-Covid, muitas dessas experiências de negócios virtuais mais criativas provavelmente se tornarão ainda mais relevantes para a forma como as empresas se conectam com seus funcionários e clientes. Inclusive, a Microsoft comprou recentemente a Activision Blizzard por US$ 70 bilhões, em um movimento visto como uma empresa de tecnologia da velha guarda apostando no metaverso.
O metaverso está se provando um grande negócio não apenas para as empresas de tecnologia, mas também para empresas tradicionais: a Nike é um grande exemplo de pioneirismo no metaverso, tendo já feito lançamento de tênis no Fortnite, e recentemente adquirido uma empresa chamada RTFKT, que cria tênis virtuais e colecionáveis.
A Disney também está atribuindo muitos dos seus resultados positivos recentes a suas iniciativas no metaverso: a companhia surpreendeu os investidores recentemente com seus resultados do primeiro trimestre de 2022, gerando US$ 7,2 bilhões em receita (US$ 3,5 bilhões acima do mesmo período do ano passado) — mas, mais surpreendentemente, também superior aos níveis pré-pandemia —, pois as experiências digitais ajudam a impulsionar o crescimento na empresa.
O CEO Bob Chapek disse a analistas que a mistura de experiências físicas e virtuais — ou o que está sendo rotulado de metaverso — também é uma prioridade para a Disney no futuro. Segundo ele, “embora a televisão e o streaming multiplataforma continuem a ser a base da cobertura esportiva no futuro imediato, a oportunidade para a The Walt Disney Company vai muito além desses canais. Estende-se às apostas desportivas, jogos e metaverso”. A Disney inclusive anunciou recentemente a nomeação de Mike White para o papel de SVP de Next Generation Storytelling, cujo papel envolverá “conectar os mundos físicos e digitais”.
Há empresas que ainda não se jogaram de cabeça neste mundo, mas estão, porém, entrando timidamente na corrida pelos terrenos no metaverso. Lembra-se de como as pessoas e empresas compravam URLs por dezenas ou centenas ou milhares de dólares no final dos anos 1990 e início dos anos 2000? O mesmo está acontecendo agora com o metaverso, onde o Carrefour comprou terreno equivalente a 30 supermercados no The Sandbox, e a Samsung lançou o Galaxy S22 em Decentraland.
Sete dicas para os líderes
Estou passando uma temporada em Nova Iorque, nos Estados Unidos, para estudar o impacto das tendências da Web 3.0 (metaverso, NFTs, blockchain, crypto) em organizações tradicionais. Neste período discuti o potencial do metaverso com vários líderes de empresas para as quais dou palestras. Tenho que admitir que senti um grande ceticismo em torno do tema. E eu entendo: é algo intangível, complexo, visto ainda como distante, especulativo, e convenhamos, não está claro se será revolucionário ou um fracasso.
Mas essa rejeição inicial faz parte do destino de qualquer tecnologia ou inovação que promete revolucionar o mundo, então meu primeiro pedido para líderes e CEOs é que não deem de ombros para qualquer discussão sobre o metaverso como se fosse a ideia maluca de um grupo de anarquistas digitais, mas que o introduza como elemento importante de discussão nos fóruns estratégicos da empresa. Isso não significa necessariamente endossá-lo — e ir comprar um terreno no metaverso por centenas de milhares de dólares no dia seguinte —, mas pelo menos refletir sobre as implicações que ele traz para o seu negócio.
Sendo este um tema tão complexo, eu e meu time trabalhamos num modelo baseado em sete pilares que ajudam a considerar as implicações do metaverso em seu negócio:
1. Experiência: como você desenha experiências únicas de uso e consumo de seus produtos e serviços para seus clientes? Pense que em vez de escassas, experiências no metaverso se tornarão abundantes e infinitas – por isso considere todas as possibilidades que você teria para tornar a sua relação com o cliente não apenas transacional, mas sim experiencial.
2. Descoberta: como você é encontrado no metaverso, e como os clientes (existentes, e futuros) chegam até você? Assim como na primeira onda da Internet houve a corrida para os domínios, você precisa também segurar o seu melhor “terreno” no metaverso. É como o SEO no Google, você precisa se posicionar diante de seus competidores.
3. “User-generated-metaverse” (UGM): como você faz do metaverso um espaço colaborativo onde seus clientes e colaboradores participam na sua construção? Como você os incentiva, através de descontos, remuneração, e assim por diante? Eu tomei a liberdade de criar este termo user-generated-metaverse, que nasce do conceito de user-generated-content (UGC) segundo o qual pelas redes sociais você tem conteúdo gerado por seus clientes: no metaverso, seu cliente irá construir junto com você e sua empresa.
4. Computação espacial: você tem os profissionais certos (internos ou terceirizados) para replicar em 3D tudo que você tem em 2D agora? (2D se refere a seus conteúdos estáticos, desde vídeos, textos, brochuras de produto, etc). Para isso você precisa de um conhecimento técnico interno totalmente novo.
5. Descentralização: você não depende de um único metaverso, mas deve estar presente em todos os principais (The Sandbox, Decentraland, Roblox, Fortnite, etc)? Pois veja bem: a ideia central do metaverso é que justamente seja um espaço descentralizado, onde existem infinitos metaversos (e não tenha apenas um player como Google para a Web 1.0, e Facebook para a Web 2.0), mas sim onde você está presente em todos os metaversos de forma consistente, abrangendo todos os tipos de públicos e audiências.
6. Metrificação vs. Privacidade: como você torna o metaverso a maior fonte de entendimento do comportamento do seu cliente? Obviamente se mantendo nos limites da privacidade e ética. Se você for um varejista e criar uma experiência de gôndola para seus produtos, você pode metrificar exatamente cada mínimo movimento que o cliente faz, dando vida a um oceano de dados que pede uma habilidade analítica na empresa totalmente inimaginável a respeito do passado.
7. Infraestrutura: como ter a melhor infraestrutura tecnológica para garantir melhores experiências no metaverso? Pois além dos softwares, precisamos pensar em toda a infraestrutura tecnológica que está atrás, desde cloud computing até Inteligência Artificial e Machine Learning.
“Pegue um cavalo!”
É fato que o metaverso é uma onda tecnológica que divide o mundo em dois grupos. Alguns argumentam que o fim da civilização humana virá na forma de óculos de Realidade Virtual, e outros defendem que o metaverso representa uma melhoria nunca vista antes na maneira como interagimos e nos comunicamos no cenário global.
A verdade é que isso não deveria nos surpreender, pois sempre existe uma boa dose de ceticismo diante das tecnologias mais revolucionárias. Olhe para a automóvel: hoje a gente não vive sem, mas assim que foi lançada, muitas pessoas se opuseram veementemente a essas perigosas carruagens motorizadas. “Pegue um cavalo!” elas gritavam para os primeiros motoristas.
Para desenvolvedores, criativos e empreendedores construindo suas próprias versões do metaverso, esse momento pode se parecer muito com os primeiros dias do carro. Mas, em vez de “pegue um cavalo”, devem estar ouvindo “saia para o mundo real!”.
Ainda estamos muito cedo no desenvolvimento de metaversos — sim, como eu disse, haverá muitos —, ao mesmo tempo que as recentes ondas tecnológicas nos demonstraram que os ciclos são cada vez mais rápidos: por isso, não podemos ficar parados observando as mudanças. Devemos dar os primeiros passos no mundo do metaverso, fazendo pequenos experimentos o tempo todo ao longo das sete frentes mencionadas acima.
Boa sorte nesta caminhada!
Este artigo foi produzido por Andrea Iorio, autor Best-Selling, palestrante, escritor sobre Transformação Digital, professor de MBA e colunista da MIT Technology Review Brasil.