Todo executivo da indústria farmacêutica já ouviu falar que, no futuro, as pessoas terão remédios individualizados, criados a partir de Inteligência Artificial. O mesmo serve para exames mais baratos, que, a partir de uma gota de saliva, poderão identificar a propensão a diversas doenças.
Na indústria automotiva, teremos os carros voadores, e na medicina, as cirurgias remotas (potencializadas pelo 5G). Na construção civil, as casas acessíveis serão feitas por impressoras 3D, enquanto na educação, uma revolução sem precedentes será possível com a imersão em ambientes virtuais.
Nesse caminhar, algumas empresas serão protagonistas enquanto outras devem ficar para trás. A pergunta é: se a sua empresa não está na frente, por onde começar? Ou, se você desconfia que não está no caminho certo, como ajustar a rota?
A resposta começa pela ciência
Ouvindo executivos de diversas empresas, às vezes escuto críticas dizendo que o caminho escolhido pelo presidente é errado. Ou, em muitos casos, que as recomendações criadas por consultorias e suas fórmulas mágicas de Transformação Digital não têm nada a ver com aquela empresa.
Outro traço comum em empresas em que as pessoas questionam as transformações é a divulgação dos enormes investimentos para essas mudanças.
Nos dois parágrafos acima, dei exemplos em que a transformação é feita pelo presidente da empresa (de cima para baixo) ou por uma consultoria (de fora para dentro), ambos sempre famintos com altos investimentos.
Se fosse adotado um pensamento científico, seria bem diferente. Primeiro por entender que não existem iniciativas boas ou ruins, mas, sim, hipóteses para serem testadas. As que funcionam seguem. As que falham servem de aprendizado.
Quem você acha que mais investe em Inteligência Artificial? A famosa montadora de carros ou as concessionárias? A verdade é que acompanhei uma ótima história em uma rede de concessionárias que criou um algoritmo que previa quando um vendedor ia pedir demissão.
O melhor dessa história é que ela começou pequena, sem qualquer investimento em Relações Públicas para contar alto para a imprensa. O time de Data Science entendeu o desafio de negócio (turnover dos funcionários atrelado aos custos de treinamento) e testou diferentes modelos até chegar a isso. A partir desse momento, a rede de concessionárias começou a entender e a ver um enorme valor no time. Assim, outros projetos surgiram. Alguns deram errado e outros deram certo.
As melhores ideias são as ideias zumbis
O que existe não são as iniciativas que achamos boas ou ruins, existem, sim, aquelas iniciativas que sobrevivem a todos os experimentos ao longo do caminho. São as ideias zumbis. No caso das concessionárias, isso foi essencial para que continuassem crescendo.
Hoje, usam IA para otimizar as ligações no call center, para sugerir clientes para os vendedores e até para gerenciar melhor o estoque de peças, reduzindo fraudes e perdas.
Essa história é de dentro para fora, pois nasce do time de dados e das suas interações com as diversas áreas de negócio. Ela também é de baixo para cima, pois começa com uma pequena aplicação e depois cresce para diversas aplicações na empresa.
A resposta vai além da ciência
O engajamento dos cientistas, que neste caso são analistas, engenheiros e cientistas de dados, é essencial. E a melhor forma de fazer isso é dando autonomia e protagonismo.
Autonomia para testar e errar, pois, como bons cientistas, aprendem com experimentos.
Porém, o protagonismo, muitas vezes esquecido, é chave. Não estou defendendo que essas pessoas são mais importantes do que as outras da empresa, mas, sim, que elas devem sair do “porão da tecnologia”, uma vez que elas próprias desenham (a partir de testes) as soluções para os problemas de negócio.
Recentemente, na operação de dados de uma agência de propaganda, observei que o departamento de dados trabalhava sob demanda quando outras áreas pediam serviços, desde montar um relatório até implementar o sistema de analytics.
O resultado era um time parecido com aquele que consertava computadores nos anos 90, trabalhando como área de suporte às áreas “mais inteligentes”. Com o tempo, a criatividade e a inteligência sucumbiram a pedidos básicos de áreas que não conheciam o potencial dos dados e da IA.
Quando essa área foi colocada como protagonista, ela passou a não receber chamados, mas a receber convites para resolver desafios de negócio. Parte dessa entrega passa pela própria área de dados, desenhando como seriam os projetos para resolver tais desafios. Pronto, em questão de meses, esses profissionais já eram percebidos como essenciais para a empresa, que, como disse Satya, caminha toda ela para ser uma empresa de software.
Quando seus projetos, de sua autoria, são aprovados e colocados para executar, os cientistas se sentem parte essencial, pois estão entregando aquilo que eles mesmos colaboraram para criar.
Para que toda empresa seja uma empresa de tecnologia no futuro, ela deve ter fundamentos de ciência e de gestão de pessoas voltados para a autonomia e o protagonismo.
Este artigo foi produzido por Fernando Teixeira, SVP de Dados na Media.Monks e colunista da MIT Technology Review Brasil.