Em 2020, em resposta ao movimento Black Lives Matter, muitas organizações dos EUA publicaram declarações de diversidade e fizeram afirmações ousadas sobre promover mudanças sociais. Como estudiosos negros na área de computação, vimos essas declarações e promessas como reacionárias e amplamente ineficazes.
Muitas das maiores empresas americanas do mundo prometeram US$ 50 bilhões para tratar da justiça racial, mas destinaram apenas uma fração de 1% desses fundos para doações diretas, a melhor maneira de provocar mudanças sistêmicas. Enquanto isso, duas semanas após o assassinato de George Floyd, pelo menos 230 instituições de ensino superior fizeram declarações mencionando solidariedade, igualdade e maior inclusão, mas apenas uma em cada 10 incluiu ações concretas para abordar questões raciais.
O histórico dessas instituições não gera confiança de que cumprirão as promessas que fizeram. Há pouca responsabilização e nenhuma maneira de avaliar se esses compromissos realmente melhoraram a vida e os meios de subsistência dos negros.
A diversidade e a inclusão (especialmente dos negros) podem melhorar o desenvolvimento de produtos, estimular a inovação, a criatividade e o empreendedorismo, que impulsionam a economia do país. Pesquisas mostram que equipes mais diversificadas são mais inovadoras e geram mais receita.
Muitas vezes, escutamos que o caminho para uma carreira em tecnologia é como um funil (Pipeline STEM), no qual grande parte dos esforços de diversidade em nosso campo se concentra em atrair um maior número de pessoas de diversas origens. Ainda assim, no entanto, a representação permanece resistentemente baixa. Entre 2014 e 2020, a proporção de profissionais de tecnologia negros e hispânicos no Facebook aumentou menos de dois pontos percentuais.
Por quê? A metáfora do funil ignora as realidades do racismo,o preconceito social e e sexismo enfrentados por aqueles historicamente excluídos das carreiras de tecnologia. Indivíduos que não conseguem ser inseridos nesse fluxo são frequentemente considerados deficientes. Esse tipo de pensamento grita: “‘Conserte’ as pessoas e não o sistema”.
Adote o modelo de “jornada” (Pathway Model), uma alternativa à metáfora do funil. Os defensores desse modelo tentam criar vários pontos de entrada que podem levar alguém a conquistar uma carreira em tecnologia. A ideia é que pessoas de outras áreas, como engenharia, artes, matemática e até humanas consigam transitar entre os campos. Uma maneira de promover esse fluxo é que os cursos com duração de dois e quatro anos facilitem aos interessados começarem em um programa e terminarem em outro.
Mesmo quando as jornadas providenciam mais pontos de entrada, a passagem continua sendo um desafio, principalmente, para as minorias nos Estados Unidos. Ainda é preciso estar familiarizado com as oportunidades de sucesso acadêmico e preparação para a carreira, e ciente das barreiras que podem atrapalhar. Essas variam entre as instituições e até mesmo entre os departamentos internos delas. Os alunos também devem ser capazes de usar esse conhecimento para navegar por processos obsoletos e estruturas de poder complexas.
A questão é: o que seria melhor? Defendemos uma abordagem ecossistêmica na qual muitas organizações trabalhem juntas para resolver a falta de representação na tecnologia. O ecossistema tecnológico deve envolver escolas de ensino fundamental e médio, instituições de ensino superior, empresas, organizações sem fins lucrativos, agências governamentais e investidores de capital de risco. As parcerias público-privadas podem ajudar a projetar ambientes que sejam inclusivos, desde o momento em que as pessoas iniciam seus estudos até o dia em que terminam suas carreiras.
Isso pode exigir que reconstruamos sistemas como matérias introdutórias de matemática (aulas obrigatórias iniciais, como pré-cálculo, que os alunos devem passar para continuar seus estudos) e impedimento de matrícula acadêmica (que não permite que um aluno se inscreva em aulas até que as mensalidades e taxas sejam totalmente pagas). Esses sistemas retardam o progresso do aluno e perpetuam resultados díspares.
Universidades e empresas de tecnologia podem oferecer oportunidades de desenvolvimento profissional para estudantes de grupos sub-representados, mas essas organizações teriam que primeiro mudar suas próprias culturas para serem mais inclusivas. Isso significa reimaginar as práticas de recrutamento, que normalmente dependem de redes profissionais e resultam em um grupo homogêneo de candidatos, e enfrentar códigos algorítmicos preconceituosos, como a triagem automática de currículos, que seleciona candidatos de instituições específicas e evita aqueles com nomes que soam étnicos.
Organizações e áreas de estudo que adotarem esse método promoverão excelência, inovação e criatividade. A Universidade do Estado da Geórgia (EUA) é um bom modelo. Essa Universidade eliminou as lacunas de desempenho ao introduzir metaespecializações em que os alunos selecionam quando se matriculam. Um bacharel em biologia que escolhe uma metaespecialização como STEM (acrônimo formado pelas iniciais das palavras ciência, tecnologia, engenharia e matemática, em inglês) tem aulas junto a alunos que estão buscando carreiras em outros campos STEM, como medicina ou matemática. Hoje, os alunos negros e hispânicos da Universidade do Estado da Geórgia se formam na mesma proporção que os alunos brancos.
Os ecossistemas dependem tanto das universidades quanto das empresas para irem além das simples declarações de diversidade. O que precisamos é de uma mudança sustentável e intencional. Doar dinheiro para uma causa pode ajudar, mas deve ser combinado com políticas que possam tornar a tecnologia mais justa.
Mais importante, devemos responsabilizar os líderes de hoje por meio da implementação de políticas e procedimentos que enfatizem a transparência e a conformidade e o cumprimento da lei. A melhor maneira de corrigir sistemas que beneficiam alguns e excluem outros é tratar as estruturas subjacentes, não apenas as pessoas.
Este artigo foi produzido por Fay Cobb Payton, professora universitária na Universidade Estadual da Carolina do Norte (EUA), Lynette Yarger, professora adjunta e reitora assistente da Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), e Victor Mbarika, acadêmico na Universidade da Carolina do Leste (EUA).