Qual é o traje ideal para o mergulho na inovação?
HealthHealth Innovation por Einstein

Qual é o traje ideal para o mergulho na inovação?

Ignorar a mentalidade empreendedora das startups é como vestir um escafandro no mar de oportunidades, mas usar snorkel e calção de banho também está fora de cogitação.

Supondo que exista um ecossistema de inovação submerso no oceano e que empresas precisam enviar representantes para explorá-lo neste momento, qual traje eles devem vestir nessa expedição? Mesmo sem qualquer especialização náutica, ativando o lado criativo do cérebro, é possível imaginá-los protagonizando uma cena nesse mundo subaquático sem grandes dificuldades. Nela, há algo como pés-de-pato se movimentando alternadamente enquanto um feixe de luz invade o mar, roupas de neoprene, máscaras, cilindros de oxigênio comprimido e dispositivos eletrônicos de monitoramento.

Mas o repertório cultural que remete ao uso do aparelho autônomo para respiração subaquática, o Scuba (sigla em inglês para Self Contained Underwater Breathing Apparatus), nem sempre foi o mesmo. Esse imaginário foi modificado no decorrer da extensa cronologia de inovações criadas para aprimorar a prática de mergulho. No contexto da Antiguidade, por exemplo, seria mais provável pensar em soldados submergindo dentro de uma espécie de sino que armazenava oxigênio, uma parafernália que teria sido usada por Alexandre, o Grande, segundo relatos feitos por Aristóteles na obra “Problemata”, datada do século IV a.C.

Apenas no século XIX o alemão Augustus Siebe criou o escafandro, muito utilizado para a exploração submarina na época. Trata-se de um traje composto por um capacete de material metálico preso a um macacão impermeável, abastecido com oxigênio bombeado da superfície por meio de um duto apelidado de “cordão umbilical”. Entre tantas ferramentas experimentadas ao longo dos anos, essa foi considerada uma das grandes sacadas para o desenvolvimento de equipamentos posteriores, por isso seu inventor é considerado “o pai do mergulho” no Ociente.

Porém, apesar de ter representado um símbolo da inovação, o escafandro também tem limitações marcantes: ele é pesado e limita a movimentação do usuário à posição vertical. Seria, então, improvável o uso dessa roupa na hipotética missão narrada no início deste artigo. Da mesma maneira, seria inverossímil que os exploradores enviados pelas empresas usassem snorkel e calção de banho, por mais flexível, leve e despojada que seja essa composição, pois ela também é frágil e possui recursos insuficientes para um mergulho em profundidade.

Parece óbvio que, para se manterem vivos, os exploradores precisariam de algumas ferramentas essenciais, capazes de garantir pelo menos um bom nível de oxigênio, mobilidade e proteção nesse percurso. Ou seja, nem escafandro, nem calção de banho. A lógica se assemelha à que vivemos no mundo real, cada vez mais influenciado pela inovação e pela digitalização dos setores. Seja qual for a sua praia, tanto o empresário quanto o empreendedor precisam lançar mão de mecanismos para sobreviver às mudanças impostas pelo mercado.

Dando continuidade à analogia, é verdadeiro dizer que as startups possuem a mentalidade inovadora no DNA. Mas também é verídico que elas nascem com pouco oxigênio garantido, por isso precisam trabalhar em sua estruturação a longo prazo, seguindo caminhos já consolidados e, muitas vezes, apoiando-se em empresas tradicionais. Já essas organizações, caracterizadas por uma cultura menos ágil, geralmente demoraram anos para constituir sua robustez e agora precisam adaptar processos para ganharem fôlego.

O estudo intitulado “Causas da Mortalidade de Startups Brasileiras”, elaborado pelo Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral em 2015, concluiu que pelo menos 25% das startups morrem em um período menor ou igual a um ano; 50%, em um período menor ou igual a quatro anos; e 75%, em um período menor ou igual a 13 anos. Nesse mesmo material, a localização foi considerada um fator determinante para o sucesso de startups: empresas instaladas em aceleradoras, incubadoras ou parques tecnológicos tiveram maior proteção para a sobrevivência em comparação àquelas em funcionamento em locais próprios.

A avaliação feita pela sócia e Head de Relações Corporativas da Fisher Venture Builder, Amanda Graciano, durante o evento Einstein’s Breakthrough 2022, é que uma parte das startups brasileiras ainda precisa aprimorar o olhar estratégica sobre o futuro para enfrentar as adversidades encontradas no caminho do empreendedorismo.

“Sinto que o oba-oba resolve as dores do curtíssimo prazo. Quando a gente está olhando para a cadeia de valor, quando está olhando para a cadeia para criar valor, principalmente no dia a dia, o oba-oba não vai resolver. E depois que a poeira baixar? Depois que deixar de ser uma dor muito relevante digitalizar o mercado, meu negócio sobrevive ou eu vou precisar criar uma outra funcionalidade? Eu sinto que o mercado brasileiro tem feito isso, uns ainda olhando para essa bolha e para o oba-oba”, disse.

Por outro lado, a especialista em venture builder acredita no Brasil como um hub da América Latina do ponto de vista da inovação. “Tem um outro movimento muito interessante que começa acontecer. Os negócios digitais do Brasil, startups ou grandes empresas que se digitalizaram mais rápido, estão puxando o resto da América Latina. Puxamos muito as inovações, muito do capital investido no último ano, ainda em pandemia, ainda no caos, ainda com diversos problemas, independentemente do segmento. Sinto que é um movimento que vai continuar acontecendo, com um tanto mais de cuidado agora”.

Graciano, que atua justamente na interseção de empresas consolidadas e startups, acredita que todo líder organizacional precisa aprender com o mercado dominado pelos empreendedores. “Ninguém disse que é preciso trabalhar com as startups, mas entender esse movimento que está sendo puxado e liderado por elas vai ser fundamental para o planejamento de longo prazo. Inclusive, para entender o que vamos continuar fazendo enquanto carreira, as evoluções da nossa carreira, porque elas vão estar diretamente ligadas à evolução que esses negócios estão puxando”, avaliou.

Portanto, empresas consolidadas são beneficiadas pela cultura empreendedora, independentemente de sua posição no mercado, e o inverso também pode ocorrer. “Estamos sempre olhando para esses dois lados. Para mim, é um misto de cultura e de processos. Dá para fazer em qualquer segmento da economia. Nessa receita do bolo, ora vai um pouco mais de uma coisa, ora um pouco menos de outra. Mas é possível, sim”, concluiu Amanda Graciano.

O escafandro foi um marco inovador na história do mergulho em profundidade, mas tornou-se obsoleto com o passar do tempo. Nada impede que ele ainda seja usado com a finalidade para a qual foi criado, porém, está claro que sua eficiência é incompatível com os desafios da atualidade. A pergunta que precisa ser feita é: até onde chegará o duto de oxigênio? Na visão do diretor de Inovação do Hospital Israelita Albert Einstein, Rodrigo Demarch, é impossível que empresas tradicionais sobrevivam, no longo prazo, sem incorporarem a cultura da inovação.

“É necessário para a sobrevivência de qualquer grande organização. Ter um mindset inovador é fundamental se você quiser existir na próxima década ou nos próximos 20 anos. Então, o desafio para as organizações é como disseminar isso internamente, como criar essa cultura. Muitas vezes, essas inovações podem nascer dentro de casa, como é o caso do Einstein com alguns exemplos. Costumamos dizer aqui que não faz sentido você querer desenvolver aquilo que o mercado já resolveu. Ao buscar do lado de fora, ganha-se em velocidade”, disse.

Depois de passar pela experiência de implementação de laboratórios de inovação do SAS em São Paulo, na Cidade no México, em São Francisco e em Toronto, o diretor de Marketing e Comunicação da América Latina, Caribe e Estados Unidos, Kleber Wedemann, garante que pequenas mudanças inspiradas na cultura empreendedora já são suficientes para a otimização de resultados em grandes empresas.

“Basicamente, você tem em companhias grandes processos bem-estabelecidos, que já existem ali há muito tempo — sem fazer juízo de valor se estão corretos ou não. E as startups? Elas têm uma cultura diferente, uma cultura de scale-up, uma cultura de abordagem completamente diferente”, explicou.

Um exemplo simples, segundo Wedemann, foi a incorporação do formato “stand-up meeting”, com reuniões diárias de curta duração, à cultura organizacional. “Para o SAS, uma empresa de 44 anos, uma empresa de capital fechado, foi um aprendizado riquíssimo. São coisas simples que trouxeram um impacto positivo inimaginável para a nossa organização. O stand-up meeting, que era algo que muitos sequer conheciam, hoje é uma cultura enraizada dentro da companhia. Obviamente, a pandemia teve impacto nisso, mas nós mantivemos o formato de reuniões de 15 minutos”, contou.

Hudson Mendonça, pesquisador do Laboratório de Inovação Tecnológica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ) e champion de um dos projetos do programa de aceleração de regiões empreendedoras do MIT, o MIT REAP, afirma que é possível empreender em qualquer área, ajustando as ferramentas para a obtenção de melhores resultados.

“O empreendedorismo hoje vai muito além dos empreendedores e das startups em si. É possível – e necessário – empreender também nas corporações, na academia e até no governo. O que muda são as ferramentas. Então, quando você fala de MVP [Minimum Viable Product] no mundo digital, de desenvolvimento ágil, você não pode esperar que a mesma receita funcione na área médica, que envolve cadeia de suprimentos, patentes complexas e a rigorosa regulação da área de saúde. Entretanto, há ferramentas para quase tudo. Para algumas coisas, ainda estamos pesquisando quais são os melhores instrumentos e métodos que se aplicam nos diferentes contextos”, concluiu.


Este artigo foi produzido por Manoela Albuquerque, repórter e editora de Saúde na MIT Technology Review Brasil.

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