Vivemos em um mundo acelerado, de alta conectividade, de mudanças e necessidades cada vez mais urgentes. E, infelizmente, nesse contexto de globalização e crescimento desenfreado mora um problema: o aumento populacional e a sua demanda por alimentos.
De acordo com a Organização das Nações Unidas, a população mundial atingirá cerca de 9,7 bilhões de pessoas em 2050, e aproximadamente 70% delas viverão em centros urbanos. A ONU prevê que a pressão da demanda fará com que os preços dos alimentos continuem a subir consideravelmente em um futuro próximo. Apenas para efeito de comparação, a produção agrícola deverá produzir nas próximas décadas mais comida do que nos últimos 10.000 anos de existência.
Em uma realidade de crescimento de demanda e esgotamento de recursos naturais, os debates se multiplicam, mas convergem para um mesmo desafio: aumentar a eficiência da agricultura de maneira sustentável, gastando menos recursos, alcançando o maior número de pessoas possível. A solução proposta alia a sabedoria humana, tecnologia e novas técnicas de cultivo: as fazendas verticais urbanas.
O que é uma fazenda vertical?
Criado em 1999 pelo biólogo Dickson Despommier, o conceito de fazenda urbana tinha como proposta instalar a produção de hortaliças e alimentos em prédios e conjuntos habitacionais. Essas estruturas funcionariam como estufas, aproximando um alimento mais saudável e fresco ao consumidor.
Fazendas verticais são estruturas localizadas nos centros urbanos destinadas ao plantio em camadas verticais, sendo uma alternativa para a produção de hortaliças, frutas e verduras. Cultivados em ambientes controlados, estes alimentos possuem um método de produção mais sustentável, onde, por meio da tecnologia utiliza-se de maneira muito mais eficiente os recursos naturais da cadeia produtiva.
Neste novo sistema de produção, os fatores e condições para o crescimento dos alimentos são substituídos por opções mais limpas e controláveis, alcançando até 200x a produção de uma fazenda convencional por metro quadrado.
O solo que de maneira geral é utilizado como base para o cultivo de hortaliças, é substituído por um substrato orgânico, o que facilita a absorção dos nutrientes e evita a degradação do solo.
A irrigação, da maneira como é feita no modelo tradicional, é responsável por grande parte das perdas hídricas. Este recurso essencial para a cadeia produtiva dos alimentos, é tratado através de sistemas alternativos de produção, como a hidroponia, possibilitando uma enorme economia e eficiência operacional
Nas fazendas verticais, a luz solar e seus raios UV são convertidos em luzes de led de alto rendimento, adaptáveis para cada espécie, e controladas de acordo com o tempo necessário de exposição de cada espécie
A umidade, temperatura e outros fatores fundamentais para todo o processo também são controlados de acordo com a necessidade, gerando um enorme ganho operacional, e tornando o ambiente propício à produção desses alimentos.
Quais as vantagens da fazenda vertical?
Os benefícios da produção indoor são inúmeros. Essas estruturas são capazes de controlar as condições climáticas, aproximar a produção do consumidor e otimizar tanto a produção quanto a colheita e a entrega dos alimentos.
As fazendas verticais se tornam mais sustentáveis que as convencionais por diminuírem drasticamente o consumo de água, a utilização de agrotóxicos, por não degradarem o solo e terem uma alta capacidade produtiva por metro quadrado.
Recurso hídricos
Segundo o Fundo das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO), a agricultura e a pecuária são responsáveis por cerca de 70% da água consumida no planeta. Uma grande parcela desse recurso (cerca de metade no Brasil) é desperdiçada. Os motivos de tal perda vão desde quantidades exageradas na irrigação, até o grande percentual de evaporação do líquido nos métodos convencionais.
Em geral, essas fazendas se utilizam de sistemas de produção alternativos (hidroponia, aeroponia, aquaponia), que visam alocar a quantidade ideal de água e nutrientes para as plantas. Tais sistemas são capazes de economizar até 95% da quantidade de água necessária para o plantio e colheita saudáveis dos alimentos.
Gases poluentes
O clima e a temperatura também são diretamente afetados pelos métodos atuais, sendo o setor do agronegócio responsável por cerca de 20% das emissões de gases poluentes da terra.
Sua geração aparece desde o processo de desmatamento, até a colheita e logística, onde toneladas de gases são emitidos e se juntam às camadas atmosféricas, impactando diretamente o clima. Este ciclo climático sugere um perigoso impacto para a agricultura e suas condições de plantio, que sofrem ano após ano por conta dos efeitos do aquecimento global.
Alimentos limpos (no pesticide)
Certamente, as substâncias e elementos que inserimos em nossa comida são tão importantes quanto o modo como a produzimos e transportamos. Dados da OMS apontam que cerca de 600 milhões de pessoas são hospitalizadas todo ano por infecções ou má qualidade dos alimentos consumidos.
Essa é mais uma das grandes vantagens do cultivo indoor. Alimentos limpos evitam muitos tipos de doenças, tais como: reações alérgicas, problemas respiratórios e neurológicos, cânceres, infertilidade, entre outras. E, por se tratar de um ambiente altamente controlado, o uso de pesticidas e agrotóxicos se torna desnecessário.
Erosão de solo
Nossa principal fonte de alimento e uma das principais preocupações, o solo, também é muito beneficiado por esse tipo de produção.
Em um contexto mundial, pesquisas apontam que a cada 5 segundos nosso planeta perde uma quantidade de floresta equivalente a um campo de futebol. Seguindo o ritmo atual, mais de 90% de todos os solos da Terra podem ser degradados até 2050. Isso reduz significativamente a produtividade das culturas e capacidade de armazenar carbono, nutrientes e água.
Desperdício e Logística
O chamado “Índice de Desperdício de Alimentos 2021” apresenta um número assustador: em 2019, 931 milhões de toneladas de alimentos foram desperdiçados. Isso demonstra que 17% da produção total de alimentos do mundo foram para o lixo (número que, lamentavelmente, passa dos 30 % no Brasil).
Todo esse desperdício se deve pela ineficiência da produção, más condições de transporte e o tempo de entrega entre a colheita e efetivamente o consumo deles.
Fazendas verticais conseguem através da sua eficiência na cadeia produtiva, diminuir a perda dos alimentos produzidos a um nível abaixo de 3%. O que, de fato, é uma diferença considerável em um mundo com cerca de 700 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar.
Fragilidades do modelo de fazendas verticais
Sem dúvidas, a produção indoor é um modelo extremamente inovador em comparação à agricultura tradicional. E, nesse cenário futurístico, mas não tão distante, é razoável pensar que a tecnologia dessas fazendas ainda não é perfeita, e deverá evoluir, a ponto de se tornarem empresas eficientes, produtivas e com alcance global.
Custo energético
Um dos maiores custos e, sem dúvida, o que mais preocupa, é o gasto energético que operações como essa necessitam. Em média, esse custo representa cerca de 60% a 70% dos custos de uma fazenda vertical.
Felizmente, soluções já existentes de energia renováveis podem suprir essa demanda energética e nos ajudar a criar um sistema de produção ainda mais sustentável. As fazendas verticais Skyfarm e Nordic Harvest, entre outras, já utilizam energia limpa em suas operações, aumentando o impacto positivo para o meio ambiente.
Variedade de produtos
Apesar das vastas opções de hortaliças e verduras cultivadas em ambiente indoor, a variedade de produtos capazes de serem produzidos nesses moldes ainda é limitada. Isso se deve principalmente ao fato de que esse tipo de produção se encontra em fase embrionária e a disparidade entre a demanda e a capacidade produtiva de certos alimentos neste modelo, interferem diretamente na progressão dessa atividade.
Altos custos iniciais
Por se tratar de um modelo pouco disseminado e altamente inovador, a tecnologia necessária para construção e manutenção desses ambientes ainda é altamente custosa.
Este talvez seja o maior desafio da agricultura urbana em alta escala. Altos custos de imóveis nos centros urbanos e necessidade de um significativo investimento inicial, inibem a entrada de pequenos produtores urbanos, freando o possível impacto social e econômico no curto prazo.
Quais as tendências para esse mercado?
Apesar dos pontos negativos e o ceticismo de alguns especialistas na área, o mercado de fazendas verticais urbanas vem se consolidando por todo o mundo. Nos EUA e, principalmente na Europa, o valor investido em fazendas verticais alcançou números expressivos nos últimos anos, projetado para atingir 19 bilhões de dólares até o ano de 2027.
O crescimento na América do Norte e na China deve seguir impulsionando o setor, que também contou com diversas falências devido a seus variados obstáculos financeiros e tecnológicos.
Diante da tendência de consumo do futuro, é perceptível uma melhora em todas as gerações. Muito mais conscientes de como e onde gastam o dinheiro, as novas gerações apresentam características que felizmente acompanham as necessidades e tendências de impacto social e ambiental em pauta.
Uma pesquisa realizada pela Nielsen, em 2016, aponta que cerca de 80% da geração Y e Z estão dispostas a pagar mais por alimentos que contenham benefícios à saúde, e estes já são responsáveis pela maior parte do consumo de alimentos orgânicos e não transgênicos nos Estados Unidos.
Veredito sobre a fazenda vertical
Por fim, fazendas verticais são sem dúvidas, uma excelente opção para o futuro de recursos escassos e alta demanda que enfrentaremos nas próximas décadas.
A diminuição do desperdício de comida se torna uma grande aliada ao combate à fome, principalmente conforme áreas urbanas não utilizadas forem se adaptando à produção.
O avanço e a democratização das fontes de energia sustentáveis farão com que cada vez mais este tipo de atividade atraia novos players, barateando a tecnologia, gerando empregos e criando um novo setor da economia.
Os efeitos climáticos e a necessidade de soluções cada vez mais complexas e eficientes, nos guiarão em direção a uma produção mais sustentável. Agora, com o auxílio da tecnologia, é possível modificarmos nossos velhos hábitos, garantindo, assim, uma segurança hídrica e alimentar para as próximas gerações.
Este artigo foi produzido por Fabio Bessa, especialista em inovação, tecnologia e sustentabilidade.