A contínua evolução no campo da Inteligência Artificial (IA) tem o potencial de melhorar drasticamente nossas vidas — desde como trabalhamos até o que fazemos para nos mantermos saudáveis. No entanto, garantir que os Estados Unidos e outros países democráticos possam influenciar a trajetória dessa tecnologia vai além do mero desenvolvimento tecnológico realizado pelas empresas privadas.
Pesquisas conduzidas pelas universidades impulsionaram os avanços em IA que prepararam o terreno para o rápido crescimento comercial que estamos vivenciando hoje. É importante ressaltar que o meio acadêmico também desempenhou um papel fundamental na formação de personalidades de destaque que ajudaram a moldar o cenário das empresas pioneiras de IA.
No entanto, hoje, os Large Foundation Models (LFMs), como o ChatGPT, o Claude e o Gemini, demandam uma enorme capacidade de processamento computacional e conjuntos de dados extensos, o que leva as empresas privadas a substituírem as instituições acadêmicas na liderança do desenvolvimento da IA. Assim, capacitar nossas universidades para elas permanecerem ao lado dessas organizações nas linhas de frente da pesquisa em IA será fundamental para que esse campo alcance seu máximo potencial ao longo do tempo. Isso exigirá corrigir a acentuada assimetria entre a academia (universidades, institutos de pesquisa etc.) e a indústria (empresas privadas, organizações comerciais etc.) no que diz respeito ao acesso aos recursos computacionais.
A principal vantagem da academia é a capacidade de se dedicar a projetos de pesquisa de longo prazo e estudos fundamentais que desafiam os limites do conhecimento. Além disso, a liberdade para explorar e realizar experimentos com teorias ousadas e avançadas resultará em descobertas que servirão de base para futuras inovações. Enquanto as ferramentas habilitadas por LFMs são acessíveis e estão disponíveis para a maioria das pessoas, ainda existem muitas questões que precisam ser respondidas sobre elas, já que permanecem em grande parte como uma “caixa preta”, ou seja, elas ainda são incompreendidas em muitos aspectos. Por exemplo, sabemos que os modelos de IA têm uma propensão a produzir resultados que não correspondem à realidade ou que não estão fundamentados em dados concretos (fenômeno conhecido como alucinação), mas ainda não compreendemos completamente o porquê.
Por estarem protegidas das influências do mercado, as universidades têm a oportunidade de planejar um futuro no qual a IA pode trazer vantagens significativas para inúmeras pessoas. Isso quer dizer que, ao ampliar o acesso do meio acadêmico aos recursos computacionais, haveria uma maior promoção da adoção de abordagens mais inclusivas nos campos de pesquisa em IA e suas aplicações.
O programa piloto National Artificial Intelligence Research Resource (NAIRR), criado a partir de uma ordem executiva relacionada à IA assinada pelo presidente Biden em outubro de 2023, representa um passo na direção correta. Por meio de parcerias com o setor privado, o NAIRR criará uma infraestrutura de pesquisa de IA compartilhada entre diferentes entidades. Caso alcance todo o seu potencial, ele irá se tornar uma peça central na comunidade de pesquisa em IA, facilitando o acesso de pesquisadores acadêmicos à potência de processamento das GPUs (também conhecida como VPU ou ainda Unidade de Processamento Gráfico) para realizarem suas investigações de maneira mais eficaz e produtiva. Ainda assim, mesmo que o NAIRR receba todo o financiamento necessário para que seus recursos sejam distribuídos de forma eficiente, ele pode enfrentar limitações para atender às expectativas ou demandas dos usuários.
Esse problema pode ser amenizado se o NAIRR focar em um número pequeno de projetos, como sugerido por alguns especialistas. Mas também devemos ir atrás de mais soluções alternativas para garantir que uma quantidade significativa de GPUs seja disponibilizada aos acadêmicos. Aqui estão algumas ideias:
Primeiro, deveríamos usar os agrupamentos de GPUs em grande escala para aprimorar a infraestrutura de supercomputadores que o governo dos EUA já financia atualmente e aproveitar ao máximo dela. Os pesquisadores acadêmicos devem formar parcerias com os Laboratórios Nacionais americanos para enfrentar grandes desafios na pesquisa em IA.
Em segundo lugar, o governo dos Estados Unidos deve explorar formas de reduzir os custos das GPUs de alto desempenho para as instituições acadêmicas, como, por exemplo, oferecer assistência financeira na forma de subsídios ou créditos fiscais para Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), para que elas investissem em recursos computacionais avançados necessários para conduzir pesquisas em IA. Algumas iniciativas estaduais, como a parceria entre universidade e o estado de Nova York no desenvolvimento de IA, já estão desempenhando um papel importante no nível estadual. Esse modelo de colaboração deve ser replicado em todo o país.
Por último, as restrições de controle de exportação mais recentes podem, ao longo do tempo, resultar em chips sobressalentes de IA de ponta no estoque de alguns fabricantes de chips nos EUA. Nesse caso, o governo poderia intervir comprando esse excedente e distribuí-lo para universidades e instituições acadêmicas em todo o país.
Imagine o crescimento no campo da pesquisa acadêmica de IA e na inovação que essas ações poderiam gerar. Pesquisadores ambiciosos nas universidades têm uma riqueza diversa de ideias que, muitas vezes, precisam ser travadas por falta de recursos. No entanto, ao fornecer às universidades poder computacional adequado, isso permitiria que o trabalho desses cientistas complementasse a pesquisa realizada pela indústria privada. Dessa forma, a Academia pode se posicionar como um centro essencial para o avanço tecnológico, promovendo a colaboração interdisciplinar, realizando pesquisas de longo prazo, cultivando talentos que liderarão a próxima onda de avanços em IA e promovendo a inovação ética.
No passado, investimentos semelhantes provaram ser altamente lucrativos em termos de inovação. Os Estados Unidos do pós-guerra cultivaram uma relação simbiótica entre governo, academia e indústria que nos levou à Lua, deu origem ao Vale do Silício e deu vida à internet.
Precisamos garantir que o meio acadêmico permaneça um pilar relevante no ecossistema da inovação. E o primeiro passo crucial é investir em sua capacidade computacional.
Ylli Bajraktari é CEO do Special Competitive Studies Project (SCSP), uma iniciativa sem fins lucrativos que busca fortalecer a competitividade a longo prazo nos Estados Unidos.
Tom Mitchell detém a posição de professor Universitário Fundador na Universidade de Carnegie Mellon, nos Estados Unidos.
Daniela Rus é professora de engenharia elétrica e ciência da computação no MIT e diretora do Laboratório de Ciência da Computação e Inteligência Artificial (CSAIL, pela sigla em inglês).