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Durante o início do ano, fiz como todo mundo e iniciei um processo de autorreflexão sobre os meus hábitos. Sou um repórter da área de tecnologia, mas também uso plataformas de tecnologia em minha vida pessoal. E, ao longo do ano passado, pensei sobre meu relacionamento pessoal complicado com… Compras online.
Para ser sincero, tenho sentido falta da experiência de compras online da China desde que me mudei para os Estados Unidos, há quatro anos. Eu cresci na China durante um período em que o Taobao, plataforma popular de e-commerce, se tornava imprescindível na rotina do povo chinês. Independentemente do que você buscava, sejam itens de luxo, de nichos específicos ou até artesanais, você sempre conseguia encontrá-los online no Taobao e a um preço mais barato do que nas lojas físicas. A palavra “abundância” realmente define a plataforma.
Por isso, quando notei a Shein se tornando popular nos Estados Unidos nos últimos anos, pensei: ótimo! Finalmente tenho um substituto para o Taobao! Mas em algum momento, comecei a questionar por que gosto desse tipo específico de experiência de compra e o que oferecer infinitas ofertas significa para uma plataforma de e-commerce.
No verão de 2018, antes de me mudar, fiz uma compra no Taobao: cinco capinhas de celular. As comprei exatamente porque ouvi dizer que coisas pequenas, como capas de telefone, eram muito mais caras do outro lado do Oceano Pacífico.
Eu estava certo. Paguei cerca de US$ 15 no total, e isso incluía o frete vindo de quatro vendedores diferentes. Se eu as comprasse nos Estados Unidos, poderia ter facilmente gastado US$ 50, se não mais, pelas mesmas capas.
Depois disso, foi difícil me despedir do Taobao. (Existe uma versão internacional chamada AliExpress, mas é bem mais difícil de usar). Em 2019, até pedi a uma amiga que estava vindo da China que usasse seu espaço precioso na bagagem para me trazer mais cinco capinhas de celular, também do Taobao. Mas tive que aceitar a minha nova realidade de compras online nos EUA: as coisas são mais caras, não há tantas opções e demora mais para enviar tudo.
Taobao é somente uma das diversas gigantes do e-commerce chinês como o Alibaba, JD e Pinduoduo que aprenderam a combinar a vantagem tradicional de baixos custos de fabricação e transporte existente no país com o ritmo acelerado de inovações tecnológicas em pagamento móvel, algoritmos de recomendação, e marketing personalizado. Consequentemente, o e-commerce tornou-se um mercado trilionário liderado pela China e é uma das poucas indústrias de tecnologia no mundo em que a China lidera as inovações. Por muitos anos, as pessoas têm se perguntado se os EUA algum dia os alcançarão.
E então a Shein chamou a atenção do público, mudando o cenário novamente. Fundada na China em 2008, a Shein tornou-se incrivelmente popular e sua influência cresceu para muito além das fronteiras do país, chegando a uma avaliação de cerca de US$ 100 bilhões. Jovens em quase todos os continentes são inspirados pelos influenciadores no TikTok e no YouTube fazendo vídeos de “hauls na Shein”: eles compram de uma só vez dezenas de roupas e outros tipos de itens, jogam os pacotes em suas camas e expõem todas as compras antes de experimentá-las em frente à câmera, uma por uma. O contraste enorme entre a pilha imensa de roupas expostas e o preço baixo da compra cria um grande espetáculo para as redes sociais.
Assista ao vídeo aqui.
Para mim, o que me convenceu a testar a Shein foi quando um amigo meu que mora nos EUA, mas que também veio da China, me disse: “Parece o Taobao”. Foi nesse argumento que ele me conquistou.
Fiz minha primeira jornada no mundo online da Shein em agosto de 2021. E advinha o que comprei?
Sim, capas de telefone.
Comprei seis capas de telefone e uma capa para fone de ouvido sem fio por um preço total de US$ 12,50, isso já incluindo impostos e o frete. Os itens tinham uma aparência colorida e divertida, e a qualidade não era ruim. Quando abri todos eles, disse a mim mesmo que finalmente encontrei uma maneira de replicar minha experiência de compra barata aqui nos EUA, graças a uma empresa chinesa que quer se expandir para o mundo inteiro.
Desconfio que, para muitos imigrantes chineses recentes como eu, fazer compras na Shein seja como uma pequena amostra da experiência do Taobao ou do sistema de e-commerce chinês em geral. Para falar a verdade, ainda há diferenças: a Shein é conhecida por roupas e utensílios domésticos, enquanto os produtos da Taobao são mais variados. Mas sempre que estou na Shein, de repente me sinto cercado por uma sensação familiar, tanto pelos preços quanto pelas dezenas de páginas de produtos das quais nunca consigo chegar até o fim. Comprei capas de telefone que nem gostava tanto porque talvez elas tivessem o maior desconto ou fossem as mais vendidas. Bom, elas custavam só US$ 2. Pensei que talvez eu realmente fosse gostar delas quando as segurasse em minhas mãos.
Mas depois de um tempo, quando os sentimentos não tão contraditórios de novidade e nostalgia se dissiparam, parei de procurar por ofertas na Shein. Na verdade, comecei a perceber que não via necessidade em trocar capas de telefone com tanta frequência. E eu me perguntava: Eu realmente precisava de tantas capas de telefone?! Ou fui apenas atraído pelo preço baixo e pela sensação gostosa de ter infinitas opções?
Fiz outra compra da Shein exatamente um ano depois da primeira. (Acho que alguma coisa em agosto realmente desperta meu desejo de comprar). Desta vez, aventurei-me em novas áreas e comprei um suporte organizador de pratos (US$ 3), um chapéu em formato de peru (que estava na moda na época) para o meu gato (US$ 4,50), um filtro para ralo de pia de cozinha (US$ 2) e outras coisas. No final, paguei U$ 44 por 14 itens, exatamente o que precisava para me qualificar para o frete grátis e 15% de desconto.
Agora, em janeiro de 2023, quando fui relembrar e pesquisar o pedido que fiz em agosto do ano passado, percebi que eu já havia esquecido que havia comprado a maioria daqueles itens. O filtro para o ralo acabou não cabendo na minha pia da cozinha. O chapéu de peru não consegue ficar preso no meu gato. E o suporte de plástico para pratos é muito frágil. Mas, como cada um dos itens custou apenas alguns dólares, também nem pensei em devolvê-los. Eles provavelmente vão ficar no meu depósito até o dia em que eu me mudar e depois vou jogá-los no lixo.
(Sendo sincero, eu realmente gostei de algumas compras que fiz na Shein. Como uma pulseira de relógio de náilon de US$ 2 que é melhor do que minha pulseira original do Apple Watch ou do que as pulseiras muito mais caras que comprei na Target. Também acho que as pessoas deveriam ter a possibilidade de priorizar quantidade e preço mais baixo em uma compra em vez de qualidade, porque a ideia de exigir que as pessoas comprem apenas produtos de alta qualidade me parece algo fora da realidade e presunçoso).
Acontece que finalmente comecei a ver através da ilusão de plataformas como a Shein: para conseguir essas eventuais ofertas incríveis, você também é encorajado a comprar muito mais do que o necessário ou mesmo do que razoável. Essa ilusão enganou muitas pessoas, inclusive eu mesmo, por muito tempo, mas está cada vez mais difícil ignorar as consequências ambientais das minhas compras e as maneiras pelas quais as plataformas enganam as pessoas para comprarem cada vez mais.
E não acho que sou o único passando por esse despertar. De modo geral, acho que a sociedade está em passos lentos, mas firmes, mudando sua visão e reconhecendo o impacto climático de bens baratos produzidos em massa (e, talvez ainda mais lentamente, os custos relacionados à mão de obra humana barata). Embora essas discussões ainda não tenham acontecido de forma tão abrangente e calorosa na China, empresas como Taobao e Shein inevitavelmente terão que responder se seu modelo de negócios é sustentável para todos, ou apenas para eles mesmos. A indústria chinesa de e-commerce, que cresceu a uma velocidade espetacular por uma década, agora precisa lidar com a crescente pressão popular quanto ao meio ambiente e a pressão econômica de uma recessão surgindo no horizonte. Então, qual será o futuro dela? Com certeza essa indústria terá que fazer muitas autoanálises para se conscientizar.
E estou me conscientizando.
Não compro na Shein desde agosto, e não testei o Temu, também uma plataforma chinesa concorrente que surgiu recentemente, que funciona basicamente da mesma forma e está ganhando força. (Escrevi sobre ela em outubro de 2022, caso você esteja curioso). Uma das minhas resoluções de ano novo é não cair na armadilha do consumismo e parar de comprar coisas só porque são baratas e fáceis de adquirir.
Ainda assim, tenho mais de 10 capas de telefone sem uso se acumulando na gaveta da minha mesa, juntando poeira.
Outro dia, no meu grupo local do Facebook Buy Nothing (um projeto destinado a fazer com que as pessoas troquem serviços entre si ou itens que não usam mais), uma vizinha perguntou se alguém tinha uma capa de telefone sobrando. Eu rapidamente comentei que tinha. Quando ela veio buscá-la, peguei as cinco ou seis que eu tinha e que pareciam as mais apresentáveis.
Ela disse: “Ah, eu só preciso de uma.”
Eu disse: “Por favor, leve todas elas. Estou falando sério. Tenho muitas delas em casa.”
De olho na China
- Quando os mineradores chineses de bitcoin fugiram das repressões do país em 2021, muitos migraram suas operações para o Cazaquistão em busca de custos baratos de eletricidade e uma regulamentação menos restrita. Porém, após mais de um ano do ocorrido, o crescimento rápido da moeda teve seu fim e os mineradores tiveram que achar novos caminhos, e alguns voltaram para a China. (MIT Technology Review americana)
- A autoridade responsável pela proteção de dados da França multou o TikTok em € 5 milhões por dificultar a recusa de cookies. A empresa também enfrenta duas outras investigações da União Europeia (UE), ainda em andamento, quanto às suas políticas de privacidade. (Politico)
- O crescimento populacional da China chegou a um momento determinante: pela primeira vez em seis décadas, ele caiu. (CNN)
4. Mais uma opção de tratamento para a Covid-19, o molnupiravir da empresa Merck, está disponível no mercado chinês.
- Espero que isso reduza a escassez de suprimentos para tratamentos de Covid, algo que permitiu que golpistas se aproveitassem de pessoas desesperadas por ajuda médica na China, um movimento sobre o qual escrevi na newsletter de 11 de janeiro. (MIT Technology Review americana)
- Mais de um mês após os protestos chineses contra as políticas de Covid-zero, a polícia está prendendo em segredo os participantes das manifestações. (NPR)
- Imagens de satélite mostram veículos e pessoas enfileiradas em frente a funerárias na China, contrariando a narrativa do estado chinês sobre o baixo número de mortes por Covid. (Washington Post)
- A indústria de tecnologia de Taiwan está apostando nas criptomoedas como o caminho para trazer segurança cibernética e empoderamento para a ilha. (Rest of World)
- Pequim permitiu que o DiDi, o aplicativo de transporte privado urbano que se desentendeu com as autoridades chinesas depois que insistiu em estar listada na Bolsa de Valores de Nova York, retornasse às lojas de aplicativos da China em janeiro de 2023.
- A Câmara dos Representantes dos EUA votou esmagadoramente para criar um comitê com foco na competição econômica e militar com a China. (Politico)
Problemas de tradução
Você já pensou em como as empresas chinesas inventam seus nomes em inglês? Um novo artigo na publicação chinesa Pingwest explora como a tradução é uma arte, e nem todas as empresas fazem isso bem. Algumas delas fazem o mínimo possível usando a romanização pinyin padrão em mandarim, como a Huawei, porém as pessoas que não falam a língua acabam pronunciando o nome de maneira muito diferente (a maneira correta de dizer é ruá-uêi.). Muitas outras seguiram a exigência chinesa de que os nomes das empresas comecem com o nome da cidade ou província onde está incorporada, embora isso não seja comum em nenhum outro lugar. Outras empresas reconheceram que a romanização seria difícil de pronunciar e recorreram a siglas, como DJI, a empresa de drones, que significa Da Jiang Innovation.
Os melhores nomes geralmente não mantêm uma forma literal, mas são adaptações para uma pronúncia mais fácil e levam em conta as diferenças culturais. O exemplo perfeito não precisa de explicação: TikTok.
E mais uma coisa
Se eu tivesse um exército de contas spam no Twitter à minha disposição, definitivamente não as usaria para isso. O jornalista Timothy McLaughlin, de Hong Kong, detectou inúmeras contas de bots que infestaram um tweet da Disneylândia para dizer que o festival que se aproximava, comemorado em muitos países asiáticos, deveria ser chamado de “Ano Novo Chinês” e não “Ano Novo Lunar”. Não sabemos quem desenvolveu esses bots. Mas, pessoalmente, acho que você pode chamar esse festival da forma que te agradar! Eu nunca desperdiçaria meu exército de spam com um argumento tão insignificante.