Por dentro da missão que vai mapear o universo usando rajadas de energia de radiofrequência
Natureza e espaço

Por dentro da missão que vai mapear o universo usando rajadas de energia de radiofrequência

Os astrônomos ainda não sabem o que causa as rápidas rajadas de radiofrequência (conhecidas pela sigla FRB), mas estão começando a usá-las para revelar os segredos do espaço entre as galáxias.

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Quando o nosso universo tinha menos da metade da idade que tem hoje, uma explosão repentina de energia capaz de cozinhar uma quantidade de pipoca equivalente à massa de um sol foi emitida de algum lugar em meio a um grupo compacto de galáxias. Cerca de 8 bilhões de anos depois, ondas de rádio dessa explosão alcançaram a Terra e foram captadas por um sofisticado radiotelescópio de baixa frequência no interior da Austrália.

O sinal, detectado em 10 de junho de 2022 e com uma duração menor que meio milissegundo, faz parte de um grupo crescente de sinais de rádio misteriosos chamados de rajadas rápidas de rádio (ou FRB, pela sigla em inglês). Nos últimos 10 anos, os astrônomos detectaram quase 5 mil deles. Este, em particular, foi especial: tinha quase o dobro da idade de qualquer evento observado anteriormente e uma quantidade de energia três vezes e meia maior.

Mas, assim como os outros que foram estudados antes, ele continuou sendo um mistério. Ninguém sabe o que causa as rajadas rápidas de rádio. Elas surgem em um padrão aparentemente aleatório e imprevisível, vindas de todos os lugares do céu. Algumas surgem de dentro de nossa galáxia, outras de profundezas do universo que ainda não foram completamente exploradas. Algumas se repetem em padrões cíclicos por vários dias consecutivos e depois desaparecem, enquanto outras têm apresentado um padrão de repetição consistente, emitindo sinais em intervalos regulares a cada poucos dias desde que as identificamos pela primeira vez. No entanto, a maioria nunca se repete.

Apesar do mistério, essas ondas de rádio estão começando a se provar incrivelmente úteis para a astronomia e a compreensão do universo. No momento em que nossos telescópios as detectam, elas já passaram por uma variedade de meios interestelares, como nuvens ondulantes de plasma quente e através de gases tão difusos que as partículas mal se tocam, além de atravessarem nossa própria Via Láctea. E cada vez que elas se deparam com os elétrons livres flutuando nesses locais, sua frequência é ligeiramente alterada. Aquelas detectadas pelos nossos telescópios carregam consigo uma espécie de “impressão digital” de toda a matéria comum com a qual interagiram ao longo de sua viagem pelo espaço até onde estamos agora.

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Isso torna as FRBs ferramentas inestimáveis para a descoberta científica, especialmente para os astrônomos interessados no estudo de gases e poeira muito dispersos que flutuam entre as galáxias, sobre os quais sabemos muito pouco.

“Não sabemos o que elas são, ou o que as causa. Mas isso não importa. Esta é a ferramenta que teríamos criado e aprimorado se tivéssemos a chance de assumir o papel de Deus e criar o universo,” diz Stuart Ryder, um astrônomo da Universidade de Macquarie em Sydney, Austrália, e principal autor do artigo publicado na Science que documentou a rajada rápida de rádio que alcançou um marco histórico.

Muitos astrônomos agora estão confiantes de que encontrar mais FRBs distantes possibilitará a criação do mapa cosmológico tridimensional mais detalhado da história, algo que Ryder compara a uma tomografia computadorizada do universo. Apenas cinco anos atrás, fazer um mapa assim teria parecido um desafio técnico quase impossível: detectar uma FRB e então registrar dados suficientes para determinar de onde ela veio é extremamente difícil porque a maior parte desse trabalho deve ocorrer nos poucos milissegundos antes que o sinal de rádio desapareça.

Mas esse desafio está prestes a ser superado. Até o final desta década, uma nova geração de radiotelescópios e tecnologias relacionadas a essa área iniciarão suas operações na Austrália, Canadá, Chile, Califórnia e os demais observatórios devem se voltar para a busca de FRBs. Esses avanços tecnológicos ajudarão os cientistas a desvendarem o mistério por trás das rajadas rápidas de rádio. O que antes era uma série de descobertas aleatórias se tornará algo quase rotineiro. Os astrônomos não só serão capazes de elaborar um novo mapa do universo, mas também terão a chance de melhorar significativamente nossa compreensão de como as galáxias nascem e como mudam ao longo do tempo.

Onde está a matéria?

Em 1998, astrônomos calcularam o peso de toda a matéria identificada no universo e chegaram a um resultado intrigante.

Sabemos que cerca de 5% do peso total do universo é composto por bárions, que são partículas subatômicas como prótons e nêutrons que compõem os átomos, essenciais para a formação de toda a matéria comum no universo. Os outros 95% são compostos por energia escura e matéria escura. Mas os astrônomos conseguiram localizar apenas cerca de 2,5%, e não 5%, da matéria total do universo. “Eles contaram as estrelas, buracos negros, anãs brancas [remanescentes estelares extremamente densos, formados após o colapso de estrelas de massa baixa a intermediária], objetos exóticos, o gás atômico e o molecular em galáxias, o plasma quente etc. Eles somaram tudo e descobriram que a quantidade total de matéria observada era duas vezes menor do que o que deveria ser,” diz Xavier Prochaska, um astrofísico da Universidade da Califórnia em Santa Cruz, EUA, e um especialista em análise da luz emitida desde os estágios iniciais do universo. “É constrangedor. Não estamos observando ativamente metade da matéria no universo”.

Todos esses bárions que os astrônomos não conseguiram detectar representam um problema sério para simulações que tentavam explicar diversos aspectos fundamentais da astrofísica e da cosmologia como, por exemplo, como as galáxias se formam, como nosso universo está estruturado e qual será seu destino futuro.

Os astrônomos começaram a especular que a matéria ausente poderia existir em nuvens extremamente difusas do que é conhecido como o meio intergaláctico morno-quente, ou WHIM (sigla em inglês). Teoricamente, o WHIM englobaria todo esse material não observado. Após o artigo de 1998 ser publicado, Prochaska se dedicou a encontrá-lo.

No entanto, após quase 10 anos de sua vida terem se passado e cerca de US$ 50 milhões provenientes do dinheiro dos contribuintes mais tarde, a busca estava indo muito mal.

O foco dela tinha sido, principalmente, desvendar a luz emitida dos núcleos galácticos distantes e estudar as emissões de raios-x provenientes de filamentos de gás que conectam galáxias. O avanço veio em 2007, quando Prochaska estava revisando novos artigos de pesquisa com seus colegas na Universidade da Califórnia, Santa Cruz, sentado em um sofá em uma sala de reuniões. Lá, no meio das pilhas de pesquisa, estava o artigo relatando a descoberta da primeira FRB.

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Duncan Lorimer e David Narkevic, astrônomos da Universidade da Virgínia Ocidental, EUA, haviam descoberto um registro de uma onda de rádio enérgica diferente de tudo o que havia sido observado anteriormente. A onda durou menos de cinco milissegundos e suas linhas espectrais estavam muito borradas e distorcidas, características incomuns para uma simples onda de rádio, e um indicativo de que ela era mais brilhante e energética do que outros fenômenos transitórios conhecidos. Os pesquisadores concluíram que a onda não poderia ter vindo de dentro de nossa galáxia, o que significa que ela havia viajado por uma distância desconhecida através do universo.

Eles tinham ali um sinal que havia percorrido longas distâncias no espaço, foi moldado e afetado por elétrons ao longo do caminho, e tinha energia suficiente para ser facilmente detectado, apesar de ter encontrado várias interferências em sua trajetória. Atualmente, não há outros sinais conhecidos e detectáveis em todo o universo que ocorram com tamanha regularidade e exibam todas essas características.

“Eu vi isso e disse, ‘Nossa! É assim que poderemos resolver o problema dos bárions que não conseguimos encontrar,'” disse Prochaska. Os astrônomos haviam usado uma técnica similar com a luz emitida pelos pulsares (estrelas de nêutrons giratórias que emitem radiação de seus polos) para contar elétrons na Via Láctea. Mas os pulsares são muito fracos para iluminar áreas do universo além da nossa galáxia de maneira eficaz. Nesse sentido, as FRBs eram milhares de vezes mais brilhantes, possibilitando uma maneira de utilizar essa técnica para avançar o nosso entendimento de todo o universo.

Uma representação ilustrada da estrutura do universo
Uma representação ilustrada da estrutura do universo de uma forma ampla, mostrando galáxias (nós brilhantes) e os filamentos de matéria entre elas. IMAGEM FEITA POR FRANK SUMMERS JUNTO A NASA/NCSA UNIVERSIDADE DE ILLINOIS, SPACE TELESCOPE SCIENCE INSTITUTE, SIMULAÇÃO FEITA POR MARTIN WHITE E LARS HERNQUIST, UNIVERSIDADE DE HARVARD

No entanto, há um problema: para que uma FRB seja uma pista do que existe entre o espaço vazio das galáxias, os pesquisadores têm que saber de sua origem. Se você não sabe a distância percorrida pela FRB, você não pode fazer nenhuma inferência sobre o que existe no espaço entre o ponto de origem dessa onda e a Terra.

Os astrônomos nem mesmo conseguiram apontar de qual direção a primeira FRB de 2007 veio, muito menos calcular a distância que ela percorreu. Ela foi detectada por um enorme radiotelescópio de antena única no Observatório Parkes (agora chamado de Murriyang) em New South Wales, Austrália, excelente para captar ondas de rádio que chegam no nosso planeta, mas ele não conseguia fornecer informações precisas o suficiente para determinar sua localização exata no céu, apontando apenas para uma área tão grande quanto a Lua cheia vista da Terra. Durante os dez anos seguintes, os telescópios continuaram a identificar FRBs sem conseguir fornecer uma origem precisa para esses eventos, tornando-as um mistério fascinante, mas pouco úteis para estudos práticos.

Então, em 2015, uma onda de rádio em particular apareceu. E depois ela foi detectada novamente. Ao longo de dois meses de observação usando o telescópio Arecibo em Porto Rico, essas ondas de rádio foram detectadas repetidamente, reaparecendo um total de 10 ocasiões. Este foi o primeiro episódio de FRBs repetitiva já observado (um mistério por si só), e agora os pesquisadores tinham a chance de estudá-las com mais detalhes e determinar sua origem com maior precisão.

Em 2017, os pesquisadores conseguiram determinar com precisão a posição da rajada rápida de rádio usando o telescópio Very Large Array do National Radio Astronomy Observatory (NRAO), localizado na região central do estado do Novo México, nos EUA. Com essa posição em mãos, os pesquisadores usaram o telescópio óptico Gemini, no Havaí, para tirar uma foto da localização em questão. Isso revelou a galáxia onde a FRB havia se originado e a distância que ela havia percorrido. “Foi quando ficou claro que seria possível determinar a distância de pelo menos algumas dessas rajadas. Foi a partir dali que fiquei realmente envolvido nas pesquisas e comecei a escrever propostas de estudos para utilizar outros telescópios na investigação,” diz Prochaska.

Nesse mesmo ano, astrônomos de todo o mundo se reuniram em Aspen, Colorado, EUA, para discutir o potencial dos estudos sobre as FRBs. Os pesquisadores debateram o que as causava. Estrelas de nêutrons? Magnetars, isto é, estrelas de nêutrons com campos magnéticos tão poderosos que emitem raios-x e raios gama? Fusão de galáxias? Extraterrestres? As FRBs repetitivas e as singulares tinham origens diferentes, ou poderia haver outra explicação para por que algumas rajadas se repetem e a maioria não? Será que isso realmente importava, já que todas elas poderiam ser usadas como sondas espaciais, independentemente do que as causava? Nessa reunião em Aspen, Prochaska se encontrou com uma equipe de astrônomos que estudavam ondas de rádios e que trabalhavam na Austrália, incluindo Keith Bannister, um especialista em telescópios envolvido nos trabalhos iniciais para construir uma instalação precursora para o Square Kilometer Array, uma colaboração internacional que visa erguer os maiores conjuntos de radiotelescópios do mundo.

A construção desse telescópio precursor, chamado ASKAP, ainda estava em andamento durante esse encontro. Mas Bannister, um especialista em telescópios na agência de pesquisa científica do governo australiano, CSIRO, acreditava que o ASKAP tinha potencial para contribuir significativamente para a pesquisa de FRBS, podendo ser adaptado para localizá-los e estudá-los.

Bannister e os outros especialistas em radioastronomia afiliados ao ASKAP entendiam como manipular radiotelescópios para atender às demandas específicas da busca por FRBs, enquanto Prochaska era um especialista nas demais áreas. Eles concordaram em trabalhar juntos para identificar e localizar as FRBs singulares (porque são muito mais comuns do que as que se repetem) e então usar os dados para enfrentar o desafio da discrepância entre a quantidade de matéria bariônica prevista pelos modelos cosmológicos e a quantidade observada.

E ao longo dos próximos cinco anos, foi exatamente isso que fizeram, obtendo um sucesso surpreendente.

Construindo o sistema

Para identificar uma rajada no céu, você precisa de um telescópio com duas coisas que são muito difíceis de conciliar em um equipamento para radioastronomia: um campo de visão muito amplo e alta resolução. O amplo campo de visão maximiza a probabilidade de detectar uma rajada imprevisível e fugaz. Já a alta resolução permite determinar com precisão onde exatamente essa rajada se situa dentro dessa área observada.

O ASKAP era o equipamento perfeito para isso. Localizado na parte mais ocidental do deserto australiano, onde o gado e as ovelhas pastam em terreno público e não há muitas pessoas pela região, o telescópio consiste em 36 antenas parabólicas, cada uma com um amplo campo de visão, o que aumenta as chances de detecção das FRBs. Essas antenas estão separadas por grandes distâncias, permitindo a realização da interferometria, uma técnica que possibilita a combinação de informações levantadas para a criação de uma imagem de uma pequena região do céu, permitindo assim uma investigação detalhada das FRBs.

As antenas ainda não estavam oficialmente em uso, mas Bannister teve uma ideia. Ele as pegou e improvisou um telescópio “olho de mosca”, apontando as antenas para diferentes partes do céu para maximizar sua capacidade de detectar algo que pudesse surgir em qualquer lugar do espaço.

“De repente, parecia que estávamos vivendo no paraíso,” diz Bannister. “Até esse ponto, só haviam sido feitas três ou quatro detecções de FRBs. As pessoas não estavam totalmente certas se eram reais ou não, e nós estávamos encontrando-as a cada duas semanas”.

Quando o interferômetro do ASKAP entrou em operação em setembro de 2018, o trabalho teve seu verdadeiro início. Bannister desenvolveu um software que faz algo similar a uma repetição em tempo real do evento da FRB. “É como se a rajada passasse, batesse no seu telescópio e desaparecesse, e você tivesse um milissegundo para anotar a placa dela”, diz ele. Para fazer isso, o software detecta a presença de uma FRB em um centésimo de segundo e então acessa os dados do telescópio daquele momento para criar um registro antes que eles sejam sobrescritos pelo sistema. Assim, os dados de todas as antenas podem ser processados e combinados para reconstruir uma visão completa do céu e localizar um ponto de origem preciso da FRB.

A equipe pode então enviar as coordenadas para telescópios ópticos, que podem tirar fotos detalhadas do local para confirmar a presença de uma galáxia, a qual seria o provável ponto de origem da FRB.

Antenas do telescópio ASKAP
Essas duas antenas são parte do telescópio ASKAP (Australian Square Kilometre Array Pathfinder) da CSIRO. CSIRO[/caption]

A equipe de Ryder usou dados sobre o espectro da galáxia, reunidos pelo Observatório Europeu do Sul, para medir o quanto a luz do ponto estudado se “esticou” à medida que viajava pelo espaço até alcançar nossos telescópios. Esse “desvio para o vermelho”, portanto, torna-se um indicador de distância, permitindo que os astrônomos estimem exatamente o quanto a FRB se deslocou até chegar à Terra.

Em 2018, a repetição em tempo real funcionou pela primeira vez, tornando Bannister, Ryder, Prochaska e o resto de sua equipe de pesquisa os primeiros a localizar uma FRB que não estava se repetindo. No ano seguinte, a equipe havia localizado cerca de cinco delas. Em 2020, eles publicaram um artigo na revista Nature declarando que o estudo das FRBs havia possibilitado a realização de uma estimativa da quantidade de bárions não detectados do universo.

A questão central do artigo era algo chamado medida de dispersão, um número que reflete o quanto a luz de uma FRB foi espalhada ou difundida por todos os elétrons livres que ela encontrou ao longo do caminho até alcançar os telescópios na Terra. De forma geral, quanto mais longe uma FRB viaja, maior deve ser a medida de dispersão dela. Utilizando tanto a distância de viagem (o desvio para o vermelho) quanto a medida de dispersão de várias FRBs, os pesquisadores descobriram que poderiam fazer estimativas sobre a densidade total de partículas no universo. J-P Macquart, o principal autor do artigo, acreditava que a relação entre medida de dispersão e distância de FRB era previsível e poderia ser aplicada para mapear o universo.

Os pesquisadores de FRB começaram a chamar a relação entre dispersão e distância de “relação de Macquart”, em reconhecimento às suas contribuições e em homenagem à sua memória e ideia pioneira de que as FRBs poderiam ser usadas para aumentar o nosso conhecimento sobre o universo.

Assim, provar que a relação de Macquart permanece válida mesmo quando se observam objetos astronômicos mais distantes, tornou-se não apenas uma busca científica, mas também uma jornada com forte cunho emocional.

“Lembro de pensar que sabia algo sobre o universo que mais ninguém imaginava.”

Os pesquisadores sabiam que o telescópio ASKAP era capaz de detectar rajadas vindas de muito longe. Era apenas uma questão de encontrarem uma. Sempre que o telescópio identificava uma FRB, cabia a Ryder ajudar a determinar sua origem. Isso levou muito mais tempo do que ele gostaria. Mas em uma manhã de julho de 2022, após muitos meses de frustração, Ryder abriu o e-mail com os dados mais recentes do Observatório Europeu do Sul e começou a analisar os dados espectrais. Enquanto rolava pela tela, algo surpreendente chamou sua atenção: emissões ópticas de oxigênio provenientes da fonte astronômica que ele estava observando, representado por duas linhas muito próximas e brilhantes na tela do computador, indicando os sinais da presença da luz que viajou por 8 bilhões de anos até ali, ou melhor, um desvio para o vermelho de uma. “Lembro de pensar que sabia algo sobre o universo que mais ninguém imaginava”, diz ele. “Eu queria entrar no Slack e contar para todo mundo, mas, pensei: não, só senta aí e aprecie o momento. Levou muito tempo para chegar neste resultado”.

O artigo científico de outubro de 2023 na revista Science foi um marco importante para a equipe, pois basicamente dobrou a base de referência de distância para a relação de Macquart, honrando a memória do pesquisador da melhor maneira que sabiam. Essa ampliação na distância observada foi fundamental porque Ryder e os outros membros de sua equipe queriam confirmar que o trabalho dele continuaria válido mesmo para FRBs cuja luz vinha de tão longe que elas representariam um universo muito mais jovem. Além disso, ao confirmar a possibilidade de se encontrar outras FRBs nesse mesmo desvio para o vermelho, eles poderiam coletar evidências de uma grande amostra de rajadas em uma variedade de condições para a criação do mapa cosmológico, algo que estimula em grande parte a pesquisa sobre elas.

“É encorajador que a relação de Macquart ainda pareça fazer sentido, e que ainda possamos ver rajadas rápidas de rádio vindo dessas distâncias maiores”, disse Ryder. “Imaginamos que haja muito mais desses eventos por aí”.

Mapeando a teia cósmica

Frequentemente chamamos de teia cósmica os elementos não visíveis que estão entre as galáxias, algo que deveria conter a maioria da matéria no universo. Os gases difusos presentes nesse espaço não estão flutuando como nuvens aleatórias, mas sim interligados, como se fossem uma teia de aranha, um entrelaçado complexo de filamentos delicados que se estendem à medida que as galáxias crescem e se movem a partir de seus nós. Esses gases provavelmente escaparam das galáxias durante sua formação, sendo empurrados para fora por explosões enormes.

“Não entendemos como o gás é empurrado para dentro e para fora das galáxias. E isso é crucial para compreendermos como elas se formam e evoluem,” diz Kiyoshi Masui, diretor do Synoptic Radio Lab do MIT. “Nós só existimos porque as estrelas existem, e, no entanto, esse processo de desenvolvimento dos alicerces do universo é muito mal compreendido… Nossa incapacidade de criar representações teóricas ou computacionais desse processo é uma falha significativa em nossa compreensão de como o espaço funciona”.

Os astrônomos também estão construindo mapas detalhados das galáxias para medir precisamente a expansão do universo. Além disso, a modelagem cosmológica que está em andamento com os estudos das FRBs deverá criar uma representação visual dos gases invisíveis entre as galáxias, algo que atualmente não existe. Para construir um mapa tridimensional desta teia cósmica, os astrônomos precisarão de dados precisos sobre milhares de FRBs de regiões próximas à Terra e de muito longe, como a FRB com desvio para o vermelho de Ryder. “No final, as rápidas rajadas de rádio permitirão a criação de uma imagem muito detalhada de como o gás se locomove,” diz Masui. “Para chegar aos dados cosmológicos, o número de amostras tem que ser maior, mas não precisa ser imenso”.

Essa é a tarefa atual de Masui, que lidera uma equipe em busca de FRBs que estão muito mais próximas de nossa galáxia do que as encontradas pelo grupo de pesquisa liderada pela Austrália. A equipe de Masui conduz pesquisas de FRBs com o telescópio CHIME, na Colúmbia Britânica, Canadá, um radiotelescópio nada convencional que possui uma grande área de cobertura e focalizadores refletores que se parecem com semicilíndricos em vez de antenas. O CHIME (abreviação de “Experimento Canadense de Mapeamento de Intensidade de Hidrogênio”) não possui partes móveis e é menos dependente de espelhos do que um telescópio tradicional. Em vez disso, ele concentra a luz em apenas uma direção, em oposição às duas direções dos modelos convencionais, e emprega técnicas digitais para o processamento de dados. O CHIME pode usar sua tecnologia digital para se concentrar em muitos lugares simultaneamente, criando um campo de visão de 200 graus quadrados em comparação com o campo de visão de 30° do ASKAP. Masui o comparou a um espelho que pode ser focado em milhares de lugares diferentes ao mesmo tempo.

Devido a essa característica única, o CHIME foi capaz de coletar dados sobre milhares de rajadas que estão mais próximas da Via Láctea. Embora não consiga localizar precisamente a origem delas tão bem como o ASKAP (devido ao seu tamanho compacto e, consequentemente, sua resolução inferior), Masui lidera uma iniciativa para resolver isso. Ele está construindo três versões menores do mesmo telescópio na Colúmbia Britânica, em Green Bank (na Virgínia Ocidental, EUA) e no Norte da Califórnia. Os dados adicionais levantados por esses telescópios, dos quais a primeira leva provavelmente será coletada ainda neste ano, podem ser combinados com dados do CHIME original para gerar informações de localização com uma precisão aproximadamente 1.000 vezes maior. Isso deverá proporcionar detalhes suficientes para o mapeamento cosmológico.

A tecnologia dos telescópios está melhorando tão rapidamente que a missão de coletar dados suficientes de múltiplos eventos de FRB em várias regiões do universo para criar um mapa cosmológico pode ser concluída nos próximos 10 anos. Além do CHIME, o radiotelescópio BURSTT em Taiwan deve entrar em operação neste ano; o telescópio CHORD no Canadá, projetado para superar o CHIME, deve começar a operar em 2025; e o Deep Synoptic Array na Califórnia pode revolucionar o campo da radioastronomia quando estiver totalmente operacional, uma conquista prevista para ocorrer aproximadamente no final desta década.

E no ASKAP, Bannister está construindo uma nova ferramenta que quintuplicará a sensibilidade do telescópio em detectar sinais de FRBs, começando a partir deste ano. Se você for capaz de imaginar um milhão de pessoas assistindo a vídeos não comprimidos do YouTube simultaneamente em um espaço relativamente pequeno, como uma caixa do tamanho de uma geladeira, essa provavelmente seria a maneira mais fácil de entender as capacidades de processamento de dados deste novo aparelho, chamado de arranjo de porta programável em campo (ou FFPGA, pela sigla em inglês), que Bannister está quase terminando de programar. Ele espera que o novo dispositivo permita à equipe detectar uma nova FRB por dia.

Com todos esses telescópios competindo, Bannister diz: “em cinco ou 10 anos, 1.000 novas FRBs serão detectadas antes que você consiga escrever um artigo sobre a que acabou de encontrar… Estamos em uma corrida para torná-las algo entediante”.

Prochaska está tão confiante de que as FRBs finalmente nos proporcionarão o mapa cosmológico que ele tem buscado por toda a sua vida que ele começou a estudar para ter um diploma em oceanografia. Quando os astrônomos tiverem medido as distâncias de 1.000 rajadas diferentes, ele planeja abandonar totalmente a área.

“Em uma década, é capaz de termos um mapa cosmológico bastante decente e muito preciso”, diz ele. “É para isso que mediríamos a distância das 1.000 FRBs. E, se não conseguirmos construir isso, eu deveria ser demitido”.

Ao contrário da maioria dos cientistas, Prochaska é capaz de traçar o objetivo final desse projeto. Ele sabe que todas essas FRBs permitirão aos astrônomos desenharem um mapa dos gases invisíveis no universo, revelando como as galáxias evoluem à medida que eles se movem para fora delas e depois retornam. As FRBs nos fornecerão uma compreensão mais completa da forma e da dinâmica do universo, preenchendo lacunas no conhecimento atual, mesmo que o mistério do que as origina de fato perdure.


Por jornalista da cidade de Washington, D.C. que aborda temas relacionados à ciência e ao clima.

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