Os chips são o novo petróleo 
Computação

Os chips são o novo petróleo 

Os chips semicondutores estão revolucionando a geopolítica global, assim como o petróleo fez no passado. Essa tecnologia crucial está remodelando as relações internacionais e as estratégias de segurança nacional.

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Inspirado pelas análises de Chris Miller em “A Guerra dos Chips”, exploro a evolução da tecnologia dos chips, uma jornada que transcendeu a sua influência nas fronteiras tecnológicas para reformular de maneira fundamental o panorama geopolítico mundial. Vamos mergulhar nos principais desenvolvimentos desta área e nas dinâmicas do mercado global de semicondutores, ilustrando como a crescente dependência de chips avançados está reconfigurando as relações internacionais e as estratégias de segurança nacional em várias nações. Esta exploração destaca como a tecnologia de semicondutores, conforme examinado por Chris Miller, se tornou um componente crítico não apenas em termos de inovação tecnológica, mas também como um elemento estratégico na arena global.

O Vale do Silício

William Shockley, nascido em Londres, cresceu na Califórnia, Palo Alto. Fez doutorado em física no MIT. Em 1945, teorizou pela primeira vez sobre o que chamou de “válvula de estado sólido”, esboçando em seu caderno um pedaço de silício ligado a uma bateria de 90 volts. Ele levantou a hipótese de que o material exposto a um campo elétrico poderia alterar a sua capacidade de conduzir energia elétrica, sendo denominado semicondutor.

Inspirados pela teorização de Shockley, Brattain e Bardeen montaram um dispositivo que aplicava dois filamentos de ouro, cada um ligado por fios à uma fonte de alimentação e a um metal chamado germânio. Na tarde de 16 de dezembro de 1947, na sede da Bell Labs, Bardeen e Brattain ligaram a alimentação e conseguiram controlar a corrente que atravessava o germânio. As teorias de Shockley sobre semicondutores estavam corretas. Shockley ganhou o Prêmio Nobel.

Os semicondutores logo começaram a ser utilizados no lugar de tubos de vácuo, em computadores, mas os milhares de fios tornavam o trabalho um caos. Foi então que Jack Kilby, engenheiro da Texas Instruments, um dos primeiros de fora da Bell Labs a utilizar a tecnologia, pensou em como reduzir a quantidade de fios. Em vez de utilizar uma peça de germânio para cada transistor, ele desenhou vários em uma mesma placa de silício. A ideia foi revolucionária. Kilby chamou seu invento de “circuito integrado”, mas ele ficou famoso como “chip” e criou as fundações do que viria a ser chamado Vale do Silício.

A Lei de Moore

Logo após a invenção do chip, alguns engenheiros insatisfeitos com a cobrança no trabalho na Texas Instruments — pois eles eram cientistas, não gestores — saíram e montaram outras empresas. Uma destas foi a Fairchild, fundada por Gordon Moore, gestor e responsável pelo P&D, ele equilibrou uma meta viável para a empresa que acabou sendo conhecida como “Lei de Moore”, segundo a qual a quantidade de transistores impressa em cada placa de silício deveria dobrar a cada ano. E assim foi feito.

Um importante adendo sobre a Lei de Moore é que, apesar de ela ter sido conhecida por um impacto de evolução enorme no mercado, dados técnicos são ainda mais chocantes. Ao passo que os transistores se reduzem à metade do caminho, seus componentes eletrônicos são reduzidos ao quadrado da área e, portanto, o aumento da velocidade de processamento é incrementado exponencialmente.

Guerra Fria

O maior comprador de semicondutores era o governo americano. O primeiro cliente da Fairchild foi a Nasa, durante a Guerra Fria, para colocar o homem na Lua em uma espaçonave. Os EUA tinham um orçamento militar enorme. Cada arma produzida levava uma quantidade grande de chips. Então as empresas prosperaram. Todos os engenheiros ficaram milionários.

Mas a União Soviética foi dissolvida e a Guerra Fria terminou. A demanda não era mais a mesma e os computadores ainda não tinham chegado às casas dos civis. Ainda era muito caro produzir tudo isso. Sendo assim, chegou a época da falta de demanda do mercado.

Startups

Bob Noyce, sócio de Gordon Moore, sabia que vender apenas para o governo não era duradouro e sempre quis entrar no mercado doméstico. Organismos do governo eram muito burocratas e, por isso, não sabiam lidar com pequenas empresas ágeis de tecnologia que ficaram conhecidas como startups.

A tecnologia evoluía rápido, as startups também. Estava claro para Noyce que o microcomputador ia acontecer, ele só precisava encurtar o tempo. Foi aí que decidiu ir para o Japão. Lá, a mão de obra era barata e o governo não gastava muito com a Defesa, então o orçamento era dedicado ao mercado civil.

Foi assim que o mercado de semicondutores no Japão começou a prosperar. Chips, principalmente de baixa tecnologia, eram fabricados lá e entravam novamente no mercado americano. Vários produtos comerciais novos de som e fotografia começaram a inundar os mercados japoneses. Grandes empresas como Sony, Kodak, Fujitsu e Toshiba dominaram o mercado.

Taylorismo

À medida que a indústria de semicondutores se expandia, tornou-se claro que o Japão havia superado os Estados Unidos na qualidade da produção de chips. Além dos incentivos governamentais e da mão de obra mais barata, técnicas de processos como Taylorismo, Fordismo e Toyotismo ajudaram muito no crescimento industrial do Japão.

A disciplina rigorosa dos trabalhadores japoneses e suas práticas de gestão de qualidade impecáveis estabeleceram um novo padrão de excelência. Essa superioridade tornou-se tão reconhecida que até mesmo nos Estados Unidos consumidores e empresas preferiam chips fabricados no Japão devido à sua qualidade superior. Embora os EUA continuassem a liderar em inovação, detendo patentes para as novas criações tecnológicas, o Japão dominava a eficiência e a qualidade na produção.

Mesmo com cópias dentro de casa, era difícil acompanhar o ritmo de inovação do Vale do Silício. As indústrias acabavam por esperar o lançamento do ano seguinte para produzir novos chips. Na tentativa de dominar todo o processo de produção, a espionagem industrial tornou-se uma estratégia comum, com países ao redor do mundo desesperados para diminuir sua dependência dos EUA. Todos queriam um pedaço do “novo petróleo”, refletindo a intensa competição global e a importância geopolítica dos semicondutores.

Taiwan

Ao passo que o Japão crescia, crescia também o valor da sua mão de obra e seu poder de negociação. Diante disso, os EUA estrategicamente começaram a investir na Coreia do Sul para aumentar a concorrência. A Coreia do Sul também cresceu muito, principalmente com a gigante Samsung. Então os EUA fizeram o mesmo movimento novamente, agora em Taiwan, com a mão de obra ainda mais barata. Eles representam, hoje, 25% da fabricação de chips de todo o mundo, uma posição importante e sensível ao mesmo tempo.

Microcomputador

Na vanguarda da revolução tecnológica do Vale do Silício, surgia a Intel, uma empresa que se tornaria uma das mais valiosas do mundo. Ao focar na produção de microprocessadores complexos e difíceis de fabricar, a Intel optou por uma estratégia de entrega em menor escala, visando principalmente os emergentes microcomputadores pessoais. Esta aposta se provou extraordinariamente bem-sucedida à medida que os computadores pessoais começaram a proliferar em residências e escritórios em todo o mundo.

Conforme o mercado doméstico de PCs expandia, seu orçamento ultrapassou o de compras governamentais, consolidando o papel dos microprocessadores como componentes centrais na era digital. A estratégia de maior verticalização da cadeia produtiva adotada pela Intel nos EUA conferiu à empresa um valor imenso frente a outras companhias de semicondutores, ao diminuir significativamente o risco geopolítico associado à dependência de fornecedores externos.

Internet

A ascensão da Internet desencadeou um aumento significativo na demanda e na produção de chips semicondutores globalmente, impulsionando uma expansão sem precedentes da infraestrutura digital. À medida que a conectividade mundial se intensificava, a necessidade de equipamentos robustos como servidores e roteadores também aumentava exponencialmente, cada um dependendo de múltiplos chips para processar, armazenar e transmitir dados de maneira eficiente.

A emergência de tecnologias associadas à Internet, como a Internet das Coisas (IoT), ampliou ainda mais essa demanda, introduzindo uma nova camada de complexidade com dispositivos cada vez mais conectados que necessitam de comunicação contínua entre si. Este cenário transformou radicalmente o panorama tecnológico, estabelecendo uma era onde a comunicação entre dispositivos, de computador para computador, se tornou uma constante, catalisando assim, a necessidade por semicondutores avançados e especializados para suportar uma rede global crescente e cada vez mais interconectada.

Celular

À medida que a miniaturização dos componentes eletrônicos avançava, surgia o celular atendendo uma demanda inimaginável de computadores portáteis. Os celulares, evoluindo de meros dispositivos de comunicação para complexos smartphones, usavam os chips cada vez mais compactos e eficientes que surgiam no mercado. Esses dispositivos, essenciais para processamento de dados, gerenciamento de energia, conectividade sem fio e interfaces sensoriais, atendiam à crescente necessidade das pessoas de se comunicarem à distância, facilitando interações instantâneas e contínuas independentemente da localização geográfica.

Essa evolução significativa nos chips semicondutores não apenas permitiu que cada pessoa possuísse um ou mais dispositivos pessoais equivalentes a pequenos computadores, mas também acelerou a disseminação global de smartphones. Hoje, esses aparelhos desempenham papeis múltiplos em nossas vidas, agindo como centros de comunicação, entretenimento e gerenciamento de tarefas diárias.

Inteligência Artificial

A ascensão da inteligência artificial e o papel inovador da NVIDIA no desenvolvimento de GPUs especializadas têm transformado os chips semicondutores na nova matéria-prima essencial que impulsiona o mundo moderno, semelhante ao que o petróleo representou no século XX. A tecnologia de GPUs da NVIDIA, originalmente projetada para gráficos de computadores, revelou-se crucial para o processamento de algoritmos de IA, devido à sua capacidade de executar cálculos paralelos intensivos de forma eficiente. Isso permitiu avanços significativos em campos como aprendizado de máquina, visão computacional e processamento de linguagem natural, expandindo o uso de IA em aplicações que vão desde automóveis autônomos até diagnósticos médicos avançados.

Os ativos da NVIDIA vão desde um circuito integrado, diferente da Intel, focado em processamento paralelo, até os sistemas operacionais que gerenciam este processamento. Linguagens como CUDA que ajudam na implementação de software distribuído. Ela começou com o mercado de games, depois teve um pico de demanda em processamento de blockchain e finalmente a chegada da inteligência artificial generativa que colocou a empresa numa posição única no mundo, passando mesmo a gigante Intel.

O cenário atual

Como resultado, os chips não são apenas componentes fundamentais para a infraestrutura tecnológica global, mas também têm se tornado ativos estratégicos vitais, cuja disponibilidade e controle podem determinar o poder econômico e tecnológico das nações assim como o petróleo.

Todas as BigTechs que gerenciam o mundo digital estão numa nova corrida para ocupar este novo espaço e compram chips como se fosse o novo petróleo. Talvez, a fabricação de chips seja o auge da complexidade de colaboração do globalismo. Dezenas de etapas com centenas de fornecedores do mundo inteiro estão envolvidas para entregar cada produto tecnológico que está na sua casa. Ao mesmo tempo, qualquer tensão geopolítica pode abalar estas estruturas de cooperação econômica. Qualquer incidente em Taiwan, no outro lado do mundo, pode fazer as ações de diversas empresas caírem na bolsa de valores.

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