O metaverso dominou o noticiário dos últimos meses, executivos inseriram o termo em sua abordagem de negócios, produtos empolgantes vendidos como inovadores passaram a ser chamados de “metaverso”, e houve também muita dúvida e meme nas redes sociais. Mas, tirando o buzz e o marketing, há boas razões para levar o metaverso a sério, como defendeu a revista The Economist. Até porque, embora não exista ainda um “metaverso completo”, nós já nos beneficiamos de seu desenvolvimento.
O metaverso é, na verdade, a combinação de várias tecnologias que já existem: Realidade Aumentada e Virtual, Blockchain, criptomoedas, Inteligência Artificial, gêmeos digitais e 5G, entre tantas outras. Todas já vêm criando experiências completamente novas, impulsionadas pelo maior poder de processamento, mas principalmente pela adesão de pessoas, empresas e governos ao mundo digital. A curva de adoção de tecnologias diminuiu drasticamente e a combinação de várias delas vem gerando uma nova economia, maneira de trabalhar e uma mudança significativa nos interesses dos consumidores.
Seja interagindo com avatares em restaurantes (como a Nvidia tem experimentado), frequentando escritórios que replicam a experiência presencial por meio de projeções (como a Meta promete), se exercitando com a ajuda de um grande espelho digital (a academia inteligente que o Mirror vem criando) ou até construindo uma réplica em escala de sua cidade natal no Minecraft. Todos esses exemplos são reais ou estão perto de se materializar e, embora nenhum ofereça a experiência completa de um metaverso, indicam para onde estamos caminhando em termos de imersão digital. A Bloomberg Intelligence estima que o metaverso é a próxima grande plataforma de tecnologia, atraindo criadores de jogos online, redes sociais e lideranças de negócios para capturar uma oportunidade de mercado de US$ 800 bilhões até 2024.
Para pensar no que seria essa plataforma, ou um “metaverso completo”, vamos dividir a execução e combinação das novas tecnologias em modelos centralizados e modelos descentralizados. O primeiro é aquele que foi construído a partir da Web 2.0, dominada por plataformas centralizadas que capturam e monetizam dados pessoais em troca de acesso a seus serviços. São serviços em silos, que somos capazes de entender as fronteiras pré-determinadas – ao menos até agora. É o Facebook como a rede social que conhecemos, os serviços do Google, o pacote Office da Microsoft. Mas esse mundo centralizado vem evoluindo com tecnologias que confundem as fronteiras entre mundo físico e real, conectando silos e aderindo a novos modelos de monetização (tokens a NFTs). Vão evoluir para os “metaversos” centralizados, onde há um mundo virtual que atrai, engaja e concentra serviços e pessoas.
Há pouco mais de uma década, a Riot lançou League of Legends e o que era para ser apenas mais um jogo para PC superou a tela do videogame: de histórias em quadrinhos à série da Netflix, passando por shows com bandas virtuais que se apresentam por meio de Realidade Aumentada e hologramas vestidos com Louis Vuitton. O campeonato mundial reúne dezenas de milhões de espectadores, competindo em ligas próprias; algo parecido ao caminho que o Fortnite tomou e agora hospeda festivais de cinema e shows.
A evolução desses jogos mostra a lógica do que poderemos entender como “metaverso”: a ideia é criar um mundo virtual próprio e único e que tenha tudo o que você poderia desejar: entreter-se, ganhar dinheiro jogando, viver novas experiências. Em 2022, 3 bilhões de jogadores estarão ativos na indústria dos jogos, segundo relatório de 2021 da NewZoo Global Games Market. Muitos gastam dinheiro real em bens virtuais – e a economia criada dentro desta evolução do mundo dos jogos já é um mercado de US$ 175 bilhões. É difícil argumentar que uma ideia nunca vai pegar quando, para milhões de pessoas, já pegou. Ao comprar a Activision por US$ 70 bilhões no começo do ano, a Microsoft estava comprando uma série de metaversos construídos pela dona de jogos como Call of Duty.
Na outra ponta, temos os negócios, jogos, plataformas que já nasceram descentralizados, espelhando um modelo daquilo que está construindo a Web 3.0: aplicativos executados em blockchain, economia sem intermediários, movida a criptoativos, e com um novo tipo de infraestrutura operacional. Segundo a empresa de análise App Annie, a adoção de aplicativos para transacionar criptomoedas cresceu para todas as gerações – mas entre a mais jovem (a Z) foi de 155% de 2020 a 2022. A combinação e a adoção de tudo isso já estão buscando criar metaversos descentralizados. Pensemos agora no Star Atlas, um jogo construído com mecanismos de blockchain. Focado na exploração espacial, controle de território e dominação política, os jogadores podem comprar naves, terrenos, edifícios e estruturas, além de recrutar membros da população – tudo com NFTs específicos.
O jogo construiu duas criptomoedas que dão a base todas as transações, ganhos e custos operacionais. Há uma estrutura de governança descentralizada, onde jogadores podem assumir uma participação e decidir os rumos do jogo e do negócio. Ou seja: se você quiser trabalhar lá dentro construindo mundos e naves, ou realizando tarefas operacionais para o jogo rodar, isso é possível. “À medida que tudo se desenvolve, que as pessoas participam mais da construção, irão se apropriando da tomada de decisões sobre o que o metaverso se torna”, disse em entrevista recente para o podcast Metacast Crypto Corner o fundador da StarAtlas, Michael Wagner.
O desafio para todo negócio que não quer perder o drive da inovação é como pretende atuar no metaverso. A centralização pode oferecer alguns benefícios, mas é preciso construir todo um mundo monetizável só para si. E, para os líderes que desejam criar espaços virtuais totalmente adaptáveis, isso pode ser um obstáculo. Antes de sonhar com um metaverso para chamar de seu, perceba como seu negócio pode se conectar a esses novos mundos centralizados ou descentralizados. A Dolce Gabbana achou que um dos caminhos era lançar um leilão com nove peças vendidas através de NFTs e arrecadou, no total, US$ 5,7 milhões. Se você quer mudar a forma de trabalho de sua empresa, olhe para o que a Virbela está construindo em termos de escritório e campus virtual. Até casamento foi realizado recentemente ali dentro.
Se você acha que importante marcar presença no Decentraland, tudo bem. Só entenda se o investimento faz sentido considerando um público de 18 mil jogadores ativos diariamente. Se é um varejista e está olhando para a experiência completa de compra, talvez queira olhar com cuidado para os avatares da Nvidia ou para as máquinas de hologramas da Portl. Entender onde estão as disrupções e as oportunidades, independentemente do setor em que você está envolvido, é fundamental. Não sabemos ainda com o que se parecerá um “metaverso completo” e nem se todas as promessas do Vale do Silício ou de gigantes envolvidas nestes projetos terão sucesso automático. Mas estamos falando agora da construção de um mundo digital puro que já reúne bilhões de pessoas dentro de vários pequenos metaversos. Por que não faria sentido estar dentro dele?
Este artigo foi produzido por Guga Stocco, membro do Conselho de Administração do Banco Original, Totvs, Vinci e Grupo Soma, fundador da Futurum Capital e colunista da MIT Technology Review Brasil.