O passado nos ensinou: tecnologia não substitui, mas sim potencializa profissionais de saúde
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O passado nos ensinou: tecnologia não substitui, mas sim potencializa profissionais de saúde

De expoente do futuro da saúde em 2015 a fracasso em 2022, o Watson Health nos ensinou a importância de criarmos produtos que apoiem profissionais. De lá pra cá, muitos produtos de saúde surgiram nos mostrando como transformar a saúde junto com médicos, enfermeiros e outros profissionais.

Em meados de 2015, me lembro bem de um dos primeiros desafios quando entrei no setor de healthtechs, o receio de profissionais de saúde que a tecnologia pudesse torná-los substituíveis. Em minha opinião o medo era justificável por alguns motivos: primeiramente, o aspecto de termos muitos nomes e produtos novos para a área de saúde atrelado ao desconhecimento do que eram aquelas tais novas tecnologias. Afinal, quem nunca viu empresas colocando palavras-chave como IA, Machine Learning ou Blockchain para tornar um produto mais “inteligente”, não é mesmo?

Outro fato importante é que, naquele ano, grandes empresas estavam começando a investir pesado no setor. Um bom exemplo foi o lançamento da IBM, o Watson Health, trazendo ao mercado diferentes tecnologias que prometiam revolucionar o setor de saúde e o alvo não eram especificamente os médicos, mas principalmente os gestores e os decisores em grandes empresas do setor, como hospitais e operadoras de saúde, afinal, os custos muitas vezes eram proibitivos e só justificáveis para clientes enterprise.

Sete anos depois, o mercado mudou bastante e hoje raramente vemos a tecnologia como rival, pelo contrário, existe consciência e interesse por parte dos profissionais para utilizar novas tecnologias que auxiliem em suas rotinas, e é provável que muitos produtos que surgiram nos últimos anos auxiliaram nesse amadurecimento do setor. Mas, afinal, como mudamos tanto em sete anos?

Automações com dados de saúde requerem digitalização, qualidade de informações e regulação

Aqui vale trazer novamente o exemplo do Watson Health, que após bilhões de dólares investidos, foi vendido pela IBM por uma fração do preço em 2022.

O discurso em 2015 promovia uma percepção de que seria fácil gerar desde diagnósticos até tomadas de decisões clínicas baseadas em dados não estruturados, mas o que se viu foi bem diferente. A realidade é que raramente na saúde existe uma receita de bolo que pode ser aplicada em diferentes áreas e organizações, e desafios como a interoperabilidade para conectar informações de diferentes sistemas, ou as diferentes regulações de cada país tornam bem mais complicado utilizar automações mais complexas na área.

Foto: Watson Health – IBM

Existe uma maturidade grande em questões como análise de dados e automações de fluxos de trabalho em hospitais (para prever, por exemplo, ociosidade de salas ou até desospitalização), porém, na época, a IBM tentou aplicar AI em questões mais complexas como diagnósticos, o que se mostrou promissor no início com alguns estudos interessantes para tipos específicos de cancer, mas que não foi possível escalar.

IA e Machine Learning na saúde voltaram com tudo neste ano, mas vemos um nível de maturidade bem diferente nas empresas e no mercado, bem como melhores bases de dados para serem exploradas. Um bom exemplo é da SeqOne Genomics, uma startup francesa que atua em análises genônicas, a qual segundo seu CSO, Jean-Marc Holder, possui uma filosofia diferente se comparada com o Watson Health de 2015. Em vez de se basear em volumes gigantes de dados não estruturados, foca em dados estruturados e que passaram por uma curadoria para entregar melhores resultados na área de análise genômica.

No Brasil temos bons exemplos de healthtechs que cresceram baseadas em dados, como a 3778, que no início começou ajudando hospitais e operadoras de saúde a tornarem mais eficientes, melhorando seus dados e gerando modelos preditivos para cuidado dos pacientes e consequentemente ajudaram também os profissionais de saúde em suas rotinas diárias, com informação de qualidade que apoiasse decisões médicas.

Do papel criptografado à prescrição digital

Em 2015 era difícil pensar em uso de tecnologia quando a maior parte do setor ainda era analógico. Pra mim, uma das funcionalidades analógicas mais marcantes eram o papel e a caneta do médico para prescrever medicamentos para os pacientes, pois, por mais incrível e atualizado que um profissional pudesse ser, o papel ainda surgia como um dos hábitos do passado que ainda não saia de moda, junto com aquela letra difícil de entender, quase que criptografada, não é?

A pandemia tornou necessária a digitalização da prescrição, fazendo explodir seu uso de ponta a ponta: da prescrição feita pelo médico até a dispensação do medicamento na farmácia. Porém, há anos o crescimento do uso desse recurso vinha ocorrendo, e se dava em parte pelo bom entendimento de startups do setor, como foi o caso da Memed que focou em auxiliar os médicos na atividade de prescrever.

Da integração com os principais softwares que o médico utiliza em seu dia a dia até uma base de medicamentos muito bo — incluindo aí a assinatura digital — o foco de ajudar o profissional ao invés de substituí-lo provou-se uma boa escolha e uma das principais portas de entrada dos médicos a produtos digitais.

A digitalização da saúde passa por produtos digitais para profissionais

Vemos uma infinidade de produtos digitais para profissionais de saúde, de produtos educacionais e de decisão médica, como o Epocrates nos Estados Unidos, até mesmo softwares de prontuário eletrônico para profissionais e clínicas. O que se percebeu nos últimos anos é que a digitalização traz benefícios para toda a cadeia de saúde, mas a melhor forma de começar a digitalização é apoiar profissionais sem deixar de lado o aspecto humano desse setor.

Se hoje permitimos que pacientes agendem online, confirmem ou reagendem consultas sem precisar ligar, ou até mesmo optem por uma consulta por telemedicina, isso ocorreu porque também olhamos para o lado do profissional, construímos produtos em parceria com eles, otimizando o tempo deles para que possam cuidar do que realmente importa, a saúde das pessoas.

E com as gigantes de tecnologia, como Apple e Google, se aproximando desse mercado, bem como cada vez mais produtos que atendam esses profissionais, vamos construindo novos médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos que já nascem no meio digital e, com isso, é natural que eles também busquem formas de digitalizar a experiência de seus pacientes, tornando a saúde mais acessível para todos.


Este artigo foi produzido por Gustavo Comitre, Product Manager na DocPlanner e colunista da MIT Technology Review Brasil.

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