A preocupação financeira é um tema recorrente em todos os estágios do desenvolvimento de uma startup. O Startups Mindscape 2024, levantamento inédito realizado pelo TEC Institute em parceria com o Google Cloud e divulgado pela MIT Technology Review, aponta que no início da implementação do negócio 37,5% dos fundadores temem não ter estabilidade financeira. E esse medo persiste mesmo em estágios mais avançados, quando 34,6% têm como maior preocupação os problemas financeiros que podem levar ao fechamento da empresa.
Sem dinheiro, é difícil se posicionar no mercado, escalar, formar times, desenvolver produtos e serviços. A falta de recursos financeiros também pode significar um risco para o controle das decisões de negócio, o que leva muitos empreendedores a negarem financiamento, se entenderem que precisarão entregar o controle do negócio ou mudar o direcionamento estratégico. Mas essa é muito mais do que uma questão prática, é também uma barreira psicológica. Não à toa, o sentimento predominante quando o tema é recursos é o medo.
O mais interessante é como esse sentimento contrasta com o que a maior parte dos empreendedores relata no início de suas jornadas. Mais da metade dos respondentes da pesquisa disse que iniciou seu negócio movido pelo desejo de mudar o mundo e a comunidade a seu redor. Paralelamente, a maioria também revelou se sentir muito confiante ao decidir empreender.
Ou seja, se no estágio embrionário de uma startup, quando surge a ideia, esses empreendedores são movidos por idealismo e confiança, em algum ponto dessa jornada ainda recente, o medo passa a ser mais presente. E o dinheiro tem tudo a ver com isso.
Para Michael Cusumano, professor de Administração e vice-reitor da MIT Sloan School of Management, obter os recursos, “encontrar quem esteja disposto a pagar” (seja um cliente ou um investidor) é o primeiro e principal desafio desses negócios. E o tamanho desse desafio pode variar, seja de acordo com o segmento, o tipo de produto ou serviço oferecido.
“Algumas empresas estão apenas desenvolvendo um pequeno programa de software, por exemplo, um pacote de antivírus. Talvez elas precisem de alguns meses e alguns engenheiros para desenvolvê-lo. Há outras empresas que levam anos e bilhões de dólares em capital para criar seu produto, e têm que captar centenas de milhões de dólares em várias etapas.”
O que vem primeiro: dinheiro ou crescimento?
O Startups Mindscape 2024 também aponta que a falta de domínio na área financeira é uma das principais lacunas de conhecimento de fundadores em estágio inicial. Mais de 15% deles iniciam seus empreendimentos sem saber como lidar com essa parte do negócio e, em alguns casos, essas empresas passam a ter uma gestão financeira, de fato, somente meses após serem inauguradas no mercado.
Mas resolver o problema não é tão simples. Do mesmo jeito que as startups precisam de dinheiro para colocar suas ideias no mercado, precisam dele também para contratar times, e o financiamento não é algo fácil de conseguir.
Encontrar investidores e acessar redes de contatos são desafios importantes para 27,8% dos fundadores. Além disso, 22,1% lutam para definir estratégias adequadas para tornar suas startups aptas a receber investimentos, e 18,2% ainda encontram dificuldades com a gestão de processos jurídicos e burocráticos.
“É um problema típico de startup, como a Uber. Eles precisam contratar muitos motoristas e integrá-los ao ciclo operacional para depois tentar atrair passageiros. Se conseguirem mais passageiros, conseguirão mais motoristas e vice-versa. No entanto, trata-se de um problema do tipo ‘o que vem primeiro, o ovo ou a galinha?’”, explica Cusumano.
Ao mesmo tempo, esses negócios precisam começar de algum lugar e ter financiamento inicial. No caso da Uber, seu primeiro lucro operacional foi em 2021, depois de mais de dez anos em atividade. De acordo com informações divulgadas pela empresa na época, o lucro ajustado antes de juros, impostos, depreciação e amortização ficou em US$ 8 milhões no trimestre encerrado em setembro daquele ano. O lucro operacional em 2023 foi de US$ 1,1 bilhão, e de US$ 652 milhões no quarto trimestre.
Ao escalar a startup, a maior dificuldade entre empreendedores continua sendo a obtenção de recursos financeiros, indicada por 38,4% deles. Esse é um claro indicativo de que, mesmo após superar os estágios iniciais e intermediários, a captação de recursos segue como um obstáculo crítico.
Financiamento adequado e crescimento sustentável
Mais do que a busca por financiamento, há um desafio ainda mais específico que é encontrar o financiamento adequado, especialmente em um cenário de redução dos investimentos de capital de risco. A seleção de investidores e a negociação de termos impacta também no controle do negócio e na garantia do crescimento sustentável das startups. Por isso, alguns especialistas sugerem que muitas estão trilhando um caminho ainda mais árduo ao procurar financiamento nas fontes erradas.
“O principal desafio é encontrar a linha de financiamento que seja mais adequada para a sua empresa, porque ela existe”, ressalta Moacir Miranda, professor titular do Departamento de Administração da FEA-USP — Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo. “Pode não estar explícito, mas aparece. Tem que fazer um dever de casa, uma pesquisa para identificar onde estão essas fontes de financiamento que vão ajudar nos primeiros passos”.
A questão financeira traz consigo várias implicações, como destaca Miranda. “Você pode fazer uma captação importante para o seu crescimento, mas a contrapartida pode ser entregar a diretoria financeira para o investidor. Quando você começa a crescer e precisa de recursos, porque só vai realmente escalar se tiver recursos, isso tem muita implicação na governança, incluindo a questão do endividamento e a perda de poder.”
Durante o MIT REAP in Rio, um workshop do Programa de Aceleração Regional do MIT realizado no início de 2023, no Rio de Janeiro, Shari Loessberg, professora sênior de Inovação Tecnológica, Empreendedorismo e Gestão Estratégica na MIT Sloan School of Management, comentou sobre a dificuldade de investir em empresas de tecnologia neste período. “Não é que o Brasil esteja caindo em um penhasco, embora pareça que sim neste momento. É que a bolha de 2021 acabou e uma redefinição necessária está acontecendo”, alertou Loessberg.
Dados do Inside Venture Capital Report, da Distrito, mostram uma queda de 53% nos investimentos de capital de risco no primeiro trimestre de 2023 em relação ao mesmo período do ano anterior, globalmente. No Brasil, o volume total de investimentos em startups caiu 86%, refletindo o aumento da inflação e das taxas de juros. Esse, certamente, é um cenário desafiador, mas entra aqui a oportunidade de encontrar caminhos viáveis, como é o caso dos programas de aceleração.
Mas diante disso tudo, um sentimento que parece nunca ser suprimido é o da confiança. Ainda que o medo esteja presente, esses empreendedores não têm a pretensão de parar. Como mostra o Startups Mindscape 2024, mais de 36% deles já falharam com negócios antes e mais de 34% falharam duas vezes ou mais e, ainda assim, tentaram empreender mais uma vez.
“Todos nós sabemos que os melhores empreendedores são aqueles que são tão apaixonados que vão atravessar paredes”, enfatiza a professora Loessberg. “Porque eles não se importam com o que está acontecendo no mercado macro. Eles só querem construir algo.”
Descubra mais insights sobre os desafios dos fundadores de startups na Special Edition Startups Mindscape 2024, da MIT Technology Review Brasil em parceria com o Google Cloud.