O Cenário
A Pandemia da Covid-19 é o maior desafio que a civilização humana enfrenta nesse início de Terceiro Milênio. Intelectuais, jornalistas, homens de negócios e operadores governamentais vêm chamando esse fenômeno de A Grande Parada.
No Brasil, passados dois meses da determinação de medidas de restrição de contato social e da interrupção do funcionamento de atividades de trabalho consideradas não essenciais, os impactos na economia e nas demais esferas da nossa sociedade estão apenas em seu início, devendo se estender por alguns anos. Muitos se perguntam quais serão esses impactos, e por quantos anos eles irão se manifestar em nosso País.
O Brasil, como é sabido, é um país-continente com diferentes realidades expressas em suas diferentes regiões. Além disso, somos um país com uma grande parcela da população vivendo em condições precárias de habitação, trabalho, educação e saúde, especialmente nas comunidades menos favorecidas das grandes metrópoles e suas franjas – diga-se de passagem, as mais impactadas pela difusão da Covid-19.
O Papel da Ciência dos Dados para a Tomada de Decisão
A pandemia tornou-se um marco de ruptura em modelos de negócios do século XX para o século XXI. Neste sentido, as empresas que possuíam um modelo de negócio calcado em hierarquização e decisões centralizadas passarão para uma nova configuração, bem mais ágil com uma estrutura menor em quantidade e maior em qualidade, baseada na geração de informações. As decisões serão largamente amparadas em dados, que se tornarão as peças-chave para subsidiar a tomada de decisão com foco em vantagens competitivas frente aos pares de mercado.
As empresas na fase pós-pandemia não mais terão o digital como uma simples extensão do seu negócio central. Em realidade, o núcleo do processo de criação, entrega e captura de valor estará ancorado no digital, dada a aceleração dos processos de digitalização impulsionados pela premência do distanciamento social. Além de ferramentas de contato com os clientes, as plataformas digitais serão provedoras de uma grande massa de informações sobre estes, os concorrentes e o mercado. Entre as informações, pode-se citar a periodicidade de compras, tickets-médios, cesta de produtos comprados e suas características, perfil socioeconômico do cliente, geolocalização e a comparabilidade com os concorrentes e mercado.
Novas linguagens crescerão em forma exponencial a exemplo de: Buy Online (compra digital), Buy Online Ship to Store (BOSS) – que é uma oferta centrada no comprador com gerenciamento de estoque e remessa já embalada diretamente de um armazém para a loja, permitindo redução de custos, além de direcionar o tráfego da loja bem como o envolvimento do comprador com a marca; Buy-Online & Pick-up-In-Store (BOPIS) – que permite as lojas usarem seu inventário para atender às necessidades de compra online do consumidor por meio de sistemas de estatística geoespacial, ao mesmo tempo eliminando os custos de remessa e o tempo de espera.
Com o uso da Ciência dos Dados para os diversos setores, sobretudo no varejo, as empresas passarão a otimizar o próprio inventário e por meio da geolocalização reduzirão o custo de entregas comunicando-se de forma assertiva com a demanda requerida nesse novo universo para atuar de forma iterativa com um consumidor hiperconectado em múltiplas plataformas digitais. As empresas, dos mais diferentes tamanhos e segmentos de negócios, deverão passar de estruturas just-in-time para configurações taylor-made, orientadas para diferentes tipos e perfis de clientes.
As lojas físicas serão locais de geração de experiências para os clientes (customer experiences), fazendo a ponte para as vendas online. O canal digital capturará as frequências e diversas outras informações, possibilitando uma comunicação mais assertiva com a clientela, retroalimentando os modelos preditivos – como, por exemplo, o aprendizado supervisionado e não supervisionado de máquinas (machine learning) – gerados e aprimorados pela Ciência dos Dados. A tecnologia proporcionada por estes modelos possibilita que as máquinas operem de forma assemelhada aos seres humanos, sendo capazes de analisar dados, encontrar padrões ou tendências, fazer análises mais apuradas, gerando conclusões que fomentem a tomada de decisão. Entre as aplicações dos modelos preditivos, podemos elencar: bancos de dados autonômicos que reduzem riscos de falhas humanas, prevenção de fraudes, recomendações de conteúdos de acordo com as preferências mapeadas dos clientes.
As empresas terão de investir em inteligência de dados e análise de negócios para gerarem maior frequência de clientes, implicando em maior fidelização, diminuição do congestionamento em espaços físicos, oferecer caminhos alternativos para a retirada de produtos, otimização de produtos e de estoques com impacto direto no fluxo de caixa, conhecer o cliente por meio de sua função utilidade, identificar horários para ações promocionais de venda, reduzir custos indiretos, bem como maior retorno sobre os investimentos a serem efetuados.
Antifragilidade e Pensamento Sistêmico
A antifragilidade é uma propriedade importante a ser desenvolvida pelas organizações diante de um mundo onde a turbulência é o novo normal. Sua proposição é de autoria de Nassim Nicholas Taleb, estatístico libanês radicado nos Estados Unidos, um dos pensadores mais instigantes e provocativos no campo da gestão e mitigação de riscos. Seu pensamento, contraintuitivo por definição, defende que a única maneira de lidar com a incerteza e a aleatoriedade é introduzi-la cada vez mais na vida cotidiana. O aprendizado não se dá a partir da evitação do erro, mas sim da sua ocorrência (controlada) que possibilita o entendimento do funcionamento do sistema, seja ele natural ou artificial. Aprende-se com os pequenos erros, impedindo que estes tomem proporções gigantescas a ponto de iniciar a ruína e a falência total do sistema.
Segundo o próprio autor, a antifragilidade é um neologismo dada a ausência de um termo que expresse com maior acurácia a noção de fragilidade reversa. Bem entendido, antifrágil não é o oposto de frágil como o termo parece subentender, uma vez que o termo robusto seria o mais apropriado para expressar o oposto. Apesar de ser um conceito de difícil apreensão num primeiro contato, dado o seu caráter contraintuitivo, a antifragilidade é uma característica de sistemas naturais que sobreviveram à choques e intempéries por milhões de anos. A própria natureza, segundo o autor, é um exemplo emblemático de antifragilidade por reinventar-se constantemente a partir de ondas de choque e turbulências, algumas delas bastante violentas.
As características de um sistema antifrágil para Taleb podem assim ser elencadas:
- São sistemas que se beneficiam da incerteza e da instabilidade;
- São sistemas que prosperam e crescem quando expostos ao caos e a volatilidade;
- São sistemas que apreciam o erro;
- O comportamento desses sistemas diante da turbulência permite uma maior compreensão do processo decisório não preditivo.
A antifragilidade, portanto, é uma propriedade exibida por sistemas que aprendem e crescem a partir do contato com o caos e o erro. Nesse sentido, Taleb diferencia o conceito de antifragilidade do conceito de resiliência. A resiliência seria a propriedade de resistir aos choques impostos pela incerteza, porém não modificando as características do próprio sistema. Sistemas resilientes seriam robustos ao caos, porém não modificariam suas propriedades essenciais. Já sistemas antifrágeis, pelo contrário, aprenderiam com o caos, modificando suas propriedades em prol de um melhor desempenho. A antifragilidade significa prosperar no caos, e não o evitar a qualquer custo. Aprender com a turbulência e melhorar o seu desempenho a partir de pequenos choques, submetendo-o a doses controladas de agentes estressores e aleatoriedades: eis o cerne do pensamento antifrágil.
Cabe aqui uma ressalva. Pensar com uma mentalidade antifrágil não significa não realizar intervenções de qualquer tipo, mas sim evitar as que suprimem a aleatoriedade e os agentes estressores. O princípio básico da antifragilidade é o do aprendizado via erros; logo, suprimi-los ou eliminá-los sem antes submeter os sistemas aos seus impactos é pavimentar a estrada para a ruína total. O ditado popular “o que não mata, fortalece” é uma metáfora que expressa de uma maneira compreensível o princípio da antifragilidade.
Com base nesse raciocínio, a antifragilidade está situada numa linha de continuidade envolvendo o frágil e o robusto. Enquanto o antifrágil deseja o caos e a turbulência, o frágil os evita e o robusto situa-se a meio caminho entre os dois, numa posição de indiferença quanto à turbulência. Apreciar o erro, aprender com eles e incrementar a sua performance: esse é um dos segredos da antifragilidade.
Porém, falar em antifragilidade sem imaginar um pensamento sistêmico é o mesmo que errar de forma sucessiva.
O pensamento sistêmico traz consigo a multidisciplinaridade e a comunicação eficaz de diversas pessoas com as suas várias competências em um vetor de criatividade embutido. Independentemente de profissões (e, em razão de um cenário volátil), a visão é que o mercado demande com afinco esse escasso capital humano que analise dados, sintetize e subsidie a tomada de decisões estratégias nas organizações.
Assim, sairemos de um universo composto de um razoável grau de estruturação de problemas, razoável estabilidade do ambiente, baixo grau de complexidade dinâmica e baixo grau de influência dos diferentes atores a partir de distintos interesses para um outro universo no qual os problemas atuais que enfrentamos são complexos, interconectados e onde tudo afeta tudo.
As características do pensamento sistêmico são da causalidade para a circularidade, das partes envolvidas para o todo, da estrutura para o processo, do comportamento cooperativo com partes distintas e das hierarquias para as redes, do que é verdade para as descrições aproximadas. Assim, o pensamento sistêmico é a conjunção das diversas competências com a criatividade e a inovação do pensar e do falar: um exercício coletivo voltado para responder duas questões-chave: onde queremos estar e o que devemos fazer.
A combinação entre a antifragilidade e o pensamento sistêmico é o caminho para que as organizações e os executivos possam repensar os caminhos dos seus respectivos, seja o seu próprio modelo de negócios, ou os canais de relacionamento com o cliente, profundamente modificados pela digitalização em tempos da Grande Parada.
Chegou a hora de agir
Os efeitos da pandemia nos negócios são paradoxais, isto é, durante algum tempo haverá a coexistência de forças disruptivas com as formas de fazer negócios estabelecidas antes da Grande Parada. Haverá ganhadores e perdedores, e a posição das empresas nesse cenário depende da sua capacidade de detecção desses sinais, e da rápida mobilização de competência diante da transformação imposta nos mais diferentes segmentos de negócios. Ser ágil, definitivamente, não é mais uma palavra da moda; é um imperativo categórico de sobrevivência.
Por fim, ressaltamos: o futuro começa agora. É imperativo agir, caso se queira sobreviver. Reduzir os danos e elaborar uma visão de futuro é de fundamental importância para que as organizações possam passar por este período de crise com os menores danos possíveis.