Pesquisadores usaram o deep learning para modelar com mais precisão do que nunca como os cristais de gelo se formam na atmosfera. O artigo, publicado em agosto na PNAS, mostra o potencial de aumentar significativamente a precisão das previsões meteorológicas e climáticas.
Os pesquisadores usaram o deep learning para prever como os átomos e moléculas se comportam. Primeiro, os modelos foram treinados em simulações em pequena escala de 64 moléculas de água para ajudá-los a prever como os elétrons interagem nos átomos. Depois, os modelos replicaram essas interações em uma escala maior, com mais átomos e moléculas. É essa capacidade de simular com exatidão as interações eletrônicas que permitiu à equipe prever com precisão o comportamento físico e químico.
“As propriedades da matéria manifestam-se por meio do comportamento dos elétrons”, diz Pablo Piaggi, pesquisador da Universidade de Princeton (EUA) e autor principal do estudo. “Simular explicitamente o que acontece nesse nível é uma maneira de capturar de forma mais ampla os fenômenos físicos”.
É a primeira vez que esse método é usado para modelar algo tão complexo quanto a formação de cristais de gelo, também conhecida como nucleação de gelo. Este é um dos primeiros passos na formação das nuvens, de onde vem toda a precipitação.
Xiaohong Liu, professor de ciências atmosféricas da Texas A&M University (EUA) que não esteve envolvido no estudo, diz que metade de todos os eventos de precipitação (seja neve, chuva ou granizo) começa como cristais de gelo, que depois aumentam e resultam nesses fenômenos. Se os pesquisadores pudessem modelar a nucleação do gelo com mais precisão, isso poderia dar um grande impulso à previsão do tempo em geral.
A nucleação do gelo é atualmente prevista com base em experimentos de laboratório. Os pesquisadores coletam dados sobre a formação de gelo em diferentes condições de laboratório, que por sua vez são inseridos em modelos de previsão do tempo em condições semelhantes do mundo real. Esse método funciona bem às vezes, mas acaba sendo impreciso devido ao grande número de variáveis envolvidas nas condições climáticas reais. Mesmo que alguns fatores variem entre o laboratório e o mundo real, os resultados podem ser bem diferentes.
“Seus dados são válidos apenas para uma determinada região, temperatura ou tipo de ambiente de laboratório”, diz Liu.
Prever a nucleação do gelo pela maneira como os elétrons interagem é muito mais preciso, mas também é computacionalmente muito caro. Exige que os pesquisadores modelem pelo menos 4.000 a 100.000 moléculas de água e, mesmo em supercomputadores, essa simulação pode levar anos para ser executada. E isso só poderia modelar as interações por 100 picossegundos, ou 10-10 segundos, mas não é o suficiente para observar o processo de nucleação do gelo.
No entanto, ao usar o deep learning, os pesquisadores conseguiram executar os cálculos em apenas 10 dias. A duração do tempo também foi 1.000 vezes maior, mesmo que ainda tenha sido uma fração de segundo, foi o suficiente para ver a nucleação.
É claro que modelos mais precisos de nucleação de gelo por si só não tornarão a previsão perfeita, diz Liu, já que é apenas um componente pequeno, embora crítico, da modelagem climática. Outros aspectos também são importantes, como: entender como gotículas de água e cristais de gelo crescem, por exemplo, e como eles se movem e interagem entre si sob diferentes condições.
Ainda assim, a capacidade de modelar com mais precisão como os cristais de gelo se formam na atmosfera melhoraria significativamente as previsões meteorológicas, especialmente aquelas que envolvem a probabilidade de chover ou nevar e quando isso aconteceria. Também poderia ajudar na previsão do clima, melhorando a capacidade de modelar nuvens, que afetam a temperatura do planeta de maneiras complexas.
Piaggi diz que pesquisas futuras podem modelar a nucleação do gelo quando há substâncias como fumaça no ar, de uma forma que poderia melhorar ainda mais a precisão dos modelos. Por causa das técnicas de deep learning, agora é possível usar interações eletrônicas para modelar sistemas maiores por períodos de tempo mais longos.
“Isso basicamente abriu um novo campo”, diz Piaggi. “Já está tendo e terá um papel ainda maior em simulações em química e em nossas simulações de materiais”.