De acordo com a plataforma TrueUp, mais de 245 mil pessoas foram demitidas no período entre novembro de 2022 e fevereiro de 2023. O número levanta questionamentos sobre o movimento que se apresenta mais como uma ação de manada do que algo realmente estruturado ou mesmo estratégico de fato.
Jeffrey Pfeffer, professor e pesquisador da Stanford Graduate School of Business, defende o entendimento de que a recente onda de layoffs nas Big Techs mundiais se justifica mais por uma prática de replicação de comportamento das corporações do que qualquer outra coisa.
Em entrevista recente ao Stanford News, Pfeffer foi crítico quanto às avaliações sobre o momento atual, que desenham um indicativo de bolha no setor, apontam a possibilidade de recessão tecnológica e de contratações em excesso pelas Big Techs. Segundo ele, tendo como referência a Meta, o motivo das demissões recentes não é falta de recursos, já que os últimos anos foram de recordes de faturamento no setor. Sendo assim, o único motivo para as demissões estarem sendo feitas é simplesmente porque outras empresas estão tomando o mesmo tipo de atitude.
Essa leitura está amparada pelo argumento de que as demissões geralmente não reduzem os custos, pois existem muitos casos de funcionários demitidos sendo contratados de volta em outros regimes. Isso sem falar que, eventualmente, as empresas demitem pessoas que acabaram de ser recrutadas – muitas vezes com bônus de recrutamento pagos. Ou seja, mais custos. E o que joga ainda mais contra essa corrente de demissões é que quando a economia voltar nos próximos 12, 14 ou 18 meses, essas mesmas empresas que estão demitindo voltarão ao mercado e competirão novamente para contratar esses talentos. Nesse sentido, quem aderiu cegamente à onda de layoffs está basicamente comprando mão de obra por um preço alto e vendendo por um preço baixo. Além disso, as demissões geralmente não aumentam os preços das ações, em parte porque podem sinalizar que uma empresa está passando por dificuldades.
Na mesma direção, Sandra Sucher, professora da Harvard Business School, que estuda demissões há anos, defendeu no artigo “What Companies Still Get Wrong About Layoffs” que as empresas costumam subestimar as desvantagens das demissões em massa. A professora destaca que além da péssima publicidade que geram, que por si só já deveria servir de estímulo para cautela, elas também levam à perda de conhecimento institucional, comprometimento enfraquecido, maior rotatividade e menor inovação, pois os funcionários remanescentes temem correr riscos, podendo incorrer em anos para as empresas se atualizarem.
A título de exemplo de oportunidades a serem exploradas antes de medidas drásticas como os layoffs, o mercado de software corporativo está longe de estar estagnado, o que é especialmente positivo para startups que vendem soluções B2B, como aponta o mais recente relatório da Battery Ventures. Mesmo que isso não signifique uma oportunidade para todos os setores de tecnologia, trata-se de um indicativo de que existem oportunidades a serem observadas e ponderadas nas decisões estratégicas das companhias.
A conclusão é que as demissões não resolvem o que geralmente é o problema subjacente: uma estratégia ineficaz, a perda de participação no mercado ou receita insuficiente. Dessa forma, as demissões não são a melhor opção, mas sim a mais fácil. E é aí que está o problema.
O problema não está nos layoffs, mas sim na incongruência
Faz parte da dinâmica corporativa a contratação, a promoção e a demissão de pessoas. Isso está posto, porém vale a pena se questionar onde fica o S do ESG (Environmental, Social, and Corporate Governance) em situações em que demissões poderiam ser evitadas ou mesmo ter sido feitas de maneira humanizada, como as melhores práticas de conduta preconizam.
Não é um ambiente de trabalho saudável e sustentável um lugar em que, como mostram diversos relatos, pessoas são desligadas apenas por um simples email. A isso inclui-se o fato de que literalmente layoffs matam pessoas. Uma pesquisa publicada pelo National Bureau of Economic Research intitulada “Mortality, Mass-Layoffs, and Career Outcomes: An Analysis using Administrative Data” indica que os layoffs aumentarão a mortalidade de 15% a 20% nos próximos 20 anos. Levando em conta que está relacionado aos suicídios que chegam a dobrar de número nessas situações, bem como o crescimento de casos de depressão e do consumo de álcool, cigarro e outras drogas levando a níveis severos de adicção.
Todas essas consequências dos layoffs contrariam o que é defendido pelas empresas que insistem em um discurso people first.
Confiança em primeiro lugar
A incongruência entre o discurso e a prática que o movimento de layoffs demonstra em relação aos seus colaboradores esbarra em mais um fato: empresas que geram clima de confiança nos seus colaboradores têm maior produtividade. E não dá para confiar em empresas que na primeira oportunidade dispensam as pessoas, como mostra o neuroeconomista Paul J. Zak no artigo “The Neuroscience of Trust”. A publicação destaca que, em comparação com pessoas em empresas de baixa confiança, as pessoas em empresas de alta confiança têm 74% menos estresse, 106% mais energia no trabalho, 50% mais produtividade, 13% menos dias de licença médica, 76% mais engajamento, 29% mais satisfação com suas vidas, 40% menos burnout.
Dessa forma, a produtividade está diretamente relacionada à confiança que as pessoas têm em relação à empresa a que se dedicam. No entanto, isso não tem sido observado de maneira perene no ambiente corporativo. Em especial, no âmbito tech, a disrupção tecnológica e de resultados não têm acompanhado de igual proporção a contrapartida social, pois os colaboradores, que realmente fazem os resultados das corporações acontecerem, não estão sendo devidamente respeitadas, tendo em vista que estão sendo colocadas de lado sem um amparo plausível para tanto.
Por isso, vale a pena ressaltar: vale tudo no jogo corporativo?
Como você cresce importa
É unânime o pensamento de que o crescimento é fundamental para a economia e para a sociedade. Mas a que custo?
Buscando responder essa pergunta, pesquisa do Instituto Akatu, ONG que promove o consumo consciente, e realizada pela GlobeScan, revelou que 71% dos brasileiros preferem uma reestruturação econômica que priorize a redução das desigualdades e o meio ambiente, em detrimento ao crescimento acelerado.
Destaque para o termo “crescimento acelerado”, pois isso revela que o crescimento pode e deve ser preservado e estimulado, mas com uma sustentabilidade literal. Ou seja, um crescimento que se sustente ambientalmente, socialmente, economicamente e, claro, gerencialmente. E é para o gerencial que devemos olhar para impor-se uma proposta de mudança, pois o que determina o direcionamento para o sucesso de uma instituição é a sua Governança, o seu conselho, exercendo o que o Código das Melhores Práticas de Governança Corporativa do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) preconiza ao dizer que seus agentes de governança devem “reduzir as externalidades negativas de seus negócios e suas operações e aumentar as positivas, levando em consideração, no seu modelo de negócios, os diversos capitais (financeiro, manufaturado, intelectual, humano, social, ambiental, reputacional etc.) no curto, médio e longo prazos”.
Contudo, reside aí uma das razões para o desalinhamento que temos vivenciado.
O déficit do Conselho Administrativo
Menos da metade das organizações revelam que seus conselhos fornecem gestão de tecnologia suficiente tanto em escopo quanto em profundidade. Este é o resultado de uma pesquisa realizada pelo Global Boardroom Program da Deloitte, feita com mais de 500 diretores e executivos C-Level para descobrir o que está sendo feito nas salas de conselho ao redor do mundo para enfrentar o que se revelou um “déficit tecnológico no conselho”.
Diante desse retrato, faz-se necessária uma breve análise sobre os desafios detectados e seus efeitos.
Nesse sentido, por mais controverso que possa parecer em um primeiro momento, um dos principais desafios a serem superados é o da confiança demasiada na gestão ou em especialistas internos ou externos para a tomada de decisões. E o motivo é simples.
A pesquisa da Deloitte ainda aponta para o fato de que empresas não especializadas em tecnologia costumam contar com apenas um especialista em tecnologia no conselho e geralmente tendem a confiar demais nesse “tradutor técnico”, eximindo qualquer responsabilidade do restante do conselho.
O mesmo vale para a crença indiscriminada em diretores internos ou consultorias externas. O conselho das organizações que desejam se manter relevantes diante de todas as transformações sociais, econômicas e tecnológicas atuais não podem mais se eximir das responsabilidades críticas na tomada de decisões em que envolvem aspectos decisivos de tecnologia no negócio. Assim, é possível se atentar para o fato de que, independentemente do setor em que a empresa se localiza, a tecnologia nunca estará acima da estratégia organizacional.
Estratégia vem antes da tecnologia
Ilustrando a ligação entre tecnologia e estratégia nas organizações modernas de sucesso, os autores Andrew Adams e Benjamin Finzi chamam a atenção para os cinco mitos que permeiam o pensamento das lideranças.
O primeiro mito diz respeito ao fato de que acredita-se que a tecnologia é responsabilidade exclusiva de CIO e CTOs. É considerado um mito porque incide sobre o erro de entender organizações de maneira departamentalizada, desconectadas de propósitos, estímulos e, principalmente, de estratégias que perpassem transversalmente a organização. Ou seja, não é uma demanda exclusiva de uma área, do CEO, de um membro do conselho ou do conselho como um todo, mas sim de toda a organização, do negócio em si e da sua sobrevivência.
Esse pensamento reverbera no segundo e terceiro mitos: “tecnologia é uma bala de prata” e “tecnologia é maior que estratégia”. Tratam-se de mitos porque tecnologia é meio e não fim de uma estratégia. Um conselho que entende isso é aquele que aponta “o impacto da tecnologia sobre o negócio” e não aquele que se ancora na tecnologia sem pensar no que ela pode render de otimização, possibilidade de adentrar novos mercados, criação de modelos de monetização melhores e com menos riscos para o negócio, e oportunidades de transformação para o modelo de negócio se manter no curso do tempo.
Para finalizar, a premissa de que “hoje toda empresa deve ser uma empresa de tecnologia” continua verdadeira, mas esbarra no mito de que “todas as empresas precisam agir como as gigantes do Vale do Silício”. O racional disso está no fato de que nem mesmo as Big Techs são unânimes em suas estratégias, tendo modelos e formatos muitas vezes diametralmente opostos, isso sem falar no amparo que cada uma delas tem nos seus core business que as possibilitam fazer os investimentos que fazem.
O último mito aponta caminhos para que o corpo executivo e o conselho revejam suas atuais condutas e afastem de vez o perceptível déficit na fluência tecnológica das organizações.
A solução do problema
Por todo exposto, não é possível identificar um único culpado ou uma solução única. No entanto, é imperativo ser parte da solução e não do problema. Dessa forma, a congruência entre o discurso e a prática humanizada, produtiva e sustentável de uma organização é algo que jamais deve ser abandonado.
E isso só é possível com o auxílio de um board capacitado quanto à articulação entre tecnologia e estratégia, conseguindo estabelecer medidas criticamente, sem seguir modelos prontos e irracionais, sem abusos sobre seus colaboradores ou mesmo seguindo um discurso vazio de “fazer mais com menos, doa a quem doer”, porque isso dói, fere e mata, como foi apontado pelos dados de suicídio, depressão e burnout apresentados neste artigo.
Dessa forma, cabe aos conselhos o papel de serem mais um em busca da solução, da clareza e do crescimento das organizações, ajudando a todos, e não sendo um atravancador ou mesmo carrasco de um universo corporativo que muito pode fazer pelo desenvolvimento de uma sociedade mais eficiente e plenamente capaz de exercer toda a sua potencialidade de maneira perene, saudável e sustentável — no mais amplo sentido das palavras.
CMO, Professor e Conselheiro com cases nacionais e internacionais de Growth e Transformação Digital.