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Como já é sabido, o Bitcoin usa o algoritmo de prova de trabalho (proof-of-work), isso significa dizer que, para confirmar um bloco, ele precisa de processamento de máquina. As novas blockchain de smart contracts estão usando um algoritmo diferente, a prova de participação (proof-of-stake). Neste novo modelo, ao invés de processamento, coloca-se dinheiro como garantia. Este dinheiro fica imobilizado durante um tempo, e, em troca, o investidor recebe um pequeno incentivo econômico muitas vezes chamado de juros ou yield. O processo de imobilizar sua cripto e receber dinheiro por isso se chama staking, e o mundo cripto adora.
Com o staking, um enorme mercado de DeFi (finanças descentralizadas) se abriu. No entanto, o grande dono da bola, o Bitcoin, ficou de fora. Mas, a nova tecnologia de Lightning Network veio para mudar isso. Agora é possível fazer staking de Bitcoin. Vou explicar.
O que é Lightning Network?
A tecnologia do Lightning Network (LN) é uma solução layer 2 off-chain. O que é isso? É como se fosse uma conta pós-paga de um bar ou um clube. Você vai fazendo seus pedidos durante o dia, a semana ou o mês, e ao final do período o estabelecimento entrega a nota com o consumo consolidado para a efetivação do pagamento. Outro formato popular é o pagamento fiado, onde o cliente pega o produto e promete pagar depois.
O problema é justamente esse “promete”. Existe um risco de calote envolvido. Em um bar, se você deixa de pagar, você vai preso, mas e na Internet de forma anônima? É aí que entra o depósito de garantia, o staking. Cliente e bar combinam um valor pré-depositado de garantia para as futuras negociações. Se o pagamento for calotado, a garantia é acionada. Por correr este risco o dono do dinheiro em garantia recebe sua recompensa.
É importante saber que também existem soluções layer 2 on-chain, ou seja, é uma blockchain mais rápida que faz depósitos em uma blockchain mais lenta. O Lightning Network não é on-chain e por isso não deve ser confundido com uma blockchain.
Lightning Network não é Blockchain
Popularmente dizemos que a LN acelera o Bitcoin, mas não é bem assim. A LN não é uma blockchain descentralizada e distribuída. Ela é constituída por canais privados de pagamento, onde comprador e vendedor garantem sua confiança através de uma carteira multi-assinada ou multi-sig, onde é necessário o consenso de comprador e vendedor para mexer no dinheiro imobilizado.
Podem-se criar quantos canais quiser, sempre de dois em dois com o stake de Bitcoin limitando o volume garantido de tráfego por alí. De dois em dois a rede vai se formando. Quanto mais canais, mais rápido a rede pode transacionar.
Hoje, já é possível chegar a 25 milhões de transações por segundo, muito maior do que a Visa poderia chegar. Visa e Master só conseguem processar 200.000 transações por segundo num sistema centralizado, menos de 1% da capacidade do LN.
A rede LN se comporta de forma parecida à rede mesh. Para um pagamento chegar do outro lado ele pegará o caminho mais rápido, com menores taxas de comissão. Assim estimula-se a concorrência por taxas mais baixas.
Veja que para o pagamento de Alice chegar ao Bob, a transação trafegou pela confiança de dois canais pagando as respectivas comissões privadas. Cada nó recebe e repassa sua ordem de pagamento para frente até chegar ao destino, bem diferente do funcionamento de uma blockchain. Ao final do dia, as transferências de BTC são efetivadas na blockchain layer 1.
O caso de El Salvador
Em 7 de setembro de 2021, coincidentemente, dia em que se comemora a independência do Brasil, o Bitcoin foi adotado como moeda oficial de El Salvador. Tudo começou na praia de El Zonte, em 2019, com um experimento chamado Bitcoin Beach, criado pelo americano Michael Peterson que organizou projetos sociais locais para criação de uma economia local baseada em Bitcoin.
Lá na Praia do Bitcoin, em El Zonte, as pessoas desbancarizadas estavam fazendo transações em Bitcoin já em 2019, sendo incluídas financeiramente, participando de uma economia crescente com diversas oportunidades e casos de uso, que superam o dinheiro tradicional em diversos aspectos.
O caso brasileiro
Inspirado no que aconteceu em El Salvador, neste ano, 2021, o brasileiro Fernando Motolese decidiu replicar o experimento Bitcoin Beach, aqui no Brasil, na Vila de Jericoacoara, no estado do Ceará. O empreendedor fez uma adaptação para a realidade brasileira e assim, nasceu o experimento de micropagamentos que você pode verificar em Bitcoin Beach Brasil. Lá já existem vários casos de ambulantes e pequenos comércios desbancarizados usando seu celulares e operando em Bitcoin, melhor, em LN.
Adoção
Com tutoriais disponíveis na Internet e sites facilitadores do tipo getumbrel.com ou mynodebtc.com, profissionais liberais vão organicamente subindo seus servidores de pagamento e agregando a rede de pagamento mundial. Com toda a transparência deste mercado, é possível também acompanhar a quantidade de Bitcoin imobilizado, ou em staking.
Perceba no gráfico que o início de sua adesão foi justamente depois da implantação do LN na Bitcoin Beach, em El Salvador, em 2019.
A capacidade da rede (capacity) é a quantidade de Bitcoins já investidos ou travados para o funcionamento do sistema. Isso mostra o tamanho da aposta que as pessoas estão fazendo nessa nova tecnologia. Isso significa dizer também que são menos bitcoins disponíveis no mercado, tornando a criptomoeda ainda mais escassa. Este é um dos motivos pelo qual a comunidade do Bitcoin gosta tanto da solução. E novamente, a curva soa exponencial.
Este artigo foi produzido por Christian Aranha, Empreendedor e pesquisador na área de Inteligência Artificial, Big Data e Blockchain, autor do livro Bitcoin, Blockchain e Muito Dinheiro e colunista da MIT Technology Review Brasil.