Por que os novos incentivos fiscais para o uso de combustível de etanol no setor de aviação não são exatamente uma vitória em termos ambientais
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Por que os novos incentivos fiscais para o uso de combustível de etanol no setor de aviação não são exatamente uma vitória em termos ambientais

Os fabricantes de etanol que utilizam milho produzido de forma sustentável podem se qualificar para receberem grandes créditos fiscais federais, mas críticos estão céticos em relação aos benefícios associados às emissões de carbono.

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Eliminar as emissões de carbono acarretadas pela aviação é uma das partes mais desafiadoras do problema climático, simplesmente porque as grandes companhias aéreas comerciais operam aeronaves muito pesadas que precisam de muita energia durante a decolagem para que as baterias atuais funcionem de forma eficaz.

Mas empresas e governos estão adotando abordagens alternativas para fazer algum progresso nessa questão por meio do uso de vários tipos de combustíveis sustentáveis de aviação (SAFs, pela sigla em inglês), derivados de fontes não petrolíferas e que prometem ser menos poluentes do que o combustível de jato padrão (também conhecido como Querosene de aviação, ou QAV).

No final de abril, os EUA anunciaram uma iniciativa para promover o milho, seu principal produto agrícola comercial, como uma matéria-prima fundamental para os SAFs.

As diretrizes federais anunciadas em 30 de abril abrem um caminho para os produtores de etanol obterem créditos fiscais para os SAFs conforme determinado na emblemática Lei de Redução da Inflação dos EUA, assinada pelo Presidente Biden. Isso é possível desde que o combustível produzido seja derivado de milho ou soja cultivados em fazendas que adotam certas práticas agrícolas sustentáveis.

É uma iniciativa experimental com duração limitada, já que o próprio subsídio associado a ela expira no final deste ano. Mas poderia viabilizar um modelo para programas futuros capazes de ajudar os produtores de etanol na produção de mais e mais SAFs, enquanto o país busca produzir bilhões de galões desses combustíveis anualmente até 2030.

Em consequência, o programa conhecido como Climate Smart Agricultural (Agricultura Inteligente para o Clima, na tradução livre) já levantou algumas preocupações entre alguns especialistas que temem que o governo federal esteja superestimando os benefícios de emissões reduzidas do etanol e atribuindo crédito excessivo a certas práticas agrícolas. São elas: culturas de cobertura; técnicas de plantio direto, que minimizam a erosão do solo; e o uso de “fertilizantes de eficiência aumentada”, desenvolvidos para melhorar a eficiência de absorção de nutrientes pelas plantas e reduzir o potencial de lixiviação e escorrimento desses elementos para o meio ambiente.

A Lei de Redução da Inflação dos EUA oferece um crédito fiscal de US$ 1,25 por galão para SAFs que tenham uma redução de 50% nas emissões em comparação com o combustível de jato padrão, além de liberar um adicional de até 50 centavos por galão para combustíveis sustentáveis que sejam ainda mais limpos. O novo programa pode auxiliar os produtores de etanol à base de milho ou soja a atingir o limiar de redução de emissões necessário para se qualificar para o crédito fiscal quando as culturas de origem são produzidas usando algumas ou todas essas práticas agrícolas anteriormente mencionadas.

Já que a maior parte do etanol dos EUA é produzida a partir do milho, vamos abordar as questões relacionadas a esse cultivo específico. Em termos técnicos, o programa permite que os produtores de etanol subtraiam 10 gramas de dióxido de carbono por megajoule de energia do total de emissões de gases de efeito estufa ao longo do ciclo de vida do combustível. Essa é uma forma de medir a intensidade de carbono do etanol, ou seja, a quantidade de carbono liberada na atmosfera durante todo o processo de produção, desde o cultivo das matérias-primas até o uso do combustível. No entanto, essa subtração só é aplicável quando o etanol é produzido a partir de milho cultivado utilizando as três práticas agrícolas mencionadas anteriormente. Essa intensidade de carbono resultante é de cerca de um oitavo a um décimo da liberada durante a produção e uso da gasolina.

O questionável impacto climático do etanol

Atualmente, a maioria do etanol produzido nos Estados Unidos é misturada com gasolina. No entanto, os produtores estão ansiosos para explorar novos mercados para o produto, uma vez que os veículos elétricos estão representando uma porcentagem maior dos carros e caminhões que estão sendo usados nas estradas. Não é surpresa, portanto, que os grupos comerciais da indústria do etanol tenham ficado felizes com o anúncio do final de abril.

Mas a principal preocupação com o novo programa é a incerteza sobre os potenciais benefícios ambientais associados à redução de emissões de gases de efeito estufa quando se usa o etanol à base de milho, algo que tem sido objeto de debates acalorados por muitas décadas.

O milho, assim como qualquer planta que realiza a fotossíntese, também absorve dióxido de carbono no ar. No entanto, usá-lo como combustível em vez de alimento também cria a necessidade por novas áreas de cultivo, um processo que muitas vezes requer o desmatamento de áreas naturais para a remoção de árvores e vegetação nativa, liberando o carbono que estava armazenado nelas para a atmosfera. Além disso, o plantio, o uso de fertilizantes e a colheita do milho também contribuem para a poluição climática, assim como acontece com o refino, distribuição e queima do etanol.

Para as análises conduzidas dentro do contexto do novo programa, o Departamento do Tesouro dos EUA pretende utilizar uma versão atualizada de uma ferramenta desenvolvida pelo Laboratório Nacional de Argonne do Departamento de Energia dos EUA, conhecido como modelo GREET (sigla para Greenhouse gases, Regulated Emissions, and Energy use in Technologies) para avaliar as liberações de gases de efeito estufa ao longo do ciclo de vida dos SAFs. Em 2021, um estudo realizado pelo laboratório e que usou esse modelo descobriu que o etanol de milho dos EUA resultou em até 52% menos emissões do que a gasolina.

Mas alguns pesquisadores e organizações sem fins lucrativos têm questionado a eficácia da ferramenta por ela subestimar a verdadeira extensão dos impactos ambientais causados pelas emissões resultantes das mudanças no uso da terra, entre outros problemas. Outras avaliações das liberações de gases decorrentes da produção do etanol têm sido muito mais críticas.

Uma análise realizada pela Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos (EPA, pela sigla em inglês) em 2022 examinou os resultados de diferentes modelos que estimam a produção de gases ao longo do ciclo de vida do etanol à base de milho. Dentre os vinte casos analisados, descobriu-se que, em pelo menos sete deles, as emissões associadas ao etanol de milho excederam 80% da poluição climática gerada pela gasolina e pelo diesel.

Alison Cullen, presidente do conselho consultivo científico da EPA, enviou uma carta em 2023 ao administrador da EPA onde mencionava que as três estimativas mais recentes provenientes dos modelos utilizados para calcular as liberações de etanol sugeriram que essas emissões excederam até mesmo as estimativas mais altas para aquelas provenientes da gasolina ou do diesel.

“(…) Dessa forma, o etanol de amido de milho pode não se enquadrar na categoria de combustível renovável” conforme definido pela legislação federal que obriga o uso de biocombustíveis no mercado, escreveu ela. Se for o caso, então ele está consideravelmente abaixo do limite de 50% exigido pela Lei de Redução da Inflação, e algumas pessoas expressaram dúvidas sobre se as práticas agrícolas propostas durante a última semana de abril seriam suficientes para reduzir essa diferença e garantir o alcance do limite mínimo exigido.

Práticas agrícolas

Nikita Pavlenko, líder da equipe de combustíveis no Conselho Internacional de Transporte Limpo, um grupo de pesquisa sem fins lucrativos, afirmou em um e-mail que as iniciativas agrícolas sustentáveis são “extremamente negligentes” e “não são respaldadas”.

Ele disse que o Departamento de Energia e o Departamento de Agricultura “manipularam” significativamente os resultados relacionados às mudanças no uso da terra, baseando suas decisões em estimativas de emissões de soja e milho que eram 33% a 55% mais baixas do que aquelas produzidas por outro programa associado à Organização de Aviação Civil Internacional da ONU.

Ele descobriu que o etanol proveniente de fazendas que utilizam essas práticas agrícolas sustentáveis ainda não atenderá ao limite mínimo de 50% estabelecido pela Lei de Redução da Inflação. Assim, os produtores de etanol podem precisar adotar medidas adicionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, incluindo possivelmente a incorporação de tecnologia de captura e armazenamento de carbono em suas instalações de produção de etanol ou utilizar nelas fontes de energia renovável, como eólica ou solar.

Freya Chay, líder de projeto na CarbonPlan, que avalia a integridade científica dos métodos de remoção de carbono e outras ações climáticas, afirma que esses tipos de práticas agrícolas podem trazer benefícios significativos, como a melhoria da saúde do solo, a redução do processo de erosão e a diminuição dos gastos associados à produção agrícola. No entanto, ela e outros enfatizaram que é “extremamente complexo” determinar com confiança quando certas práticas agrícolas realmente aumentam o nível de carbono armazenado no solo de forma consistente e duradoura. Isso varia consideravelmente dependendo do tipo de solo, condições climáticas locais, práticas agrícolas anteriores e outras variáveis.

Um estudo recente sobre práticas de plantio direto descobriu que, embora ela possa inicialmente aumentar o nível de armazenamento de carbono no solo, isso não é sustentado a longo prazo e os benefícios diminuem rapidamente ao longo do tempo e quase chegam a zero em 14 anos. Se assim forem, então essa técnica teria pouco impacto em ajudar a reduzir as emissões de carbono provenientes da queima de combustíveis fósseis, que podem permanecer na atmosfera por séculos ou até mais.

“A política dos EUA tem uma longa tradição de buscar formas de continuar justificando o investimento em etanol, em vez de adotar uma abordagem clara e objetiva para avaliar se ele realmente nos ajuda a alcançar nossos objetivos climáticos”, escreveu Chay em um e-mail. “Nesse caso, acredito que é necessário examinar cuidadosamente a decisão de depender de práticas agrícolas com benefícios incertos e variáveis, especialmente quando essa dependência pode ter implicações financeiras importantes, como a obtenção de financiamento público para um determinado setor, como o etanol de milho”.

Existem diversas outras formas de produzir SAFs que poderiam ser, ou já são, menos poluentes do que o etanol. Por exemplo, elas podem ser feitas de gorduras animais, resíduos agrícolas e de florestas, ou então de plantas que não são utilizadas para a produção de alimentos e que crescem em terrenos inadequados para o cultivo agrícola comercial. Outras empresas estão desenvolvendo vários tipos de combustíveis sintéticos, incluindo eletrocombustíveis produzidos pela captura de carbono das plantas ou do ar e que, após isso, é combinado com hidrogênio obtido de fontes limpas.

Mas todos esses métodos são muito mais caros do que a extração e refino de combustíveis fósseis e as opções alternativas ainda liberam mais emissões ao serem usadas do que a quantidade de CO₂ removida da atmosfera durante os processos de produção desses combustíveis ou pelas plantas.

A melhor forma de pensar nesses combustíveis é como se eles fossem uma solução temporária, uma forma de avançar na questão climática, enquanto especialistas se dedicam a desenvolver e construir meios de transporte que não emitam gases de efeito estufa, que sejam rápidos, seguros e confiáveis.

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