Cientistas descobriram uma nova forma de introduzir odores na realidade virtual por meio de pequenas interfaces sem fio.
Criar cheiros em realidade virtual é um problema complexo que vem impedindo dispositivos do mercado de oferecer uma experiência sensorial completa na maioria dos ambientes. “As pessoas conseguem tocar em realidade virtual”, diz Xinge Yu, professor do departamento de engenharia biomédica na Universidade da Cidade de Hong Kong e autor principal do novo artigo publicado na Nature Communications em maio deste ano. “E, é claro, podemos ver e escutar em realidade virtual. Mas como ficam o olfato e o paladar?”
Tentativas anteriores de criar odores em realidade virtual envolviam múltiplos fios, líquidos inconvenientes e aparelhos volumosos que não se prestavam ao uso doméstico.
Para resolver esse problema, Yu desenvolveu, em coautoria com Yuhang Li, da Beihang University em Pequim (ambos com experiência em design de eletrônicos flexíveis), duas interfaces vestíveis. Uma delas adere à pele entre o nariz e a boca como um curativo; a outra se coloca no rosto, abaixo do headset, como uma máscara.
As duas interfaces utilizam geradores de odor em miniatura, uma rede de minúsculos recipientes contendo parafina perfumada. Quando uma fonte de calor posicionada sob a cera é ativada, a parafina esquenta como em uma vela aromatizada, sendo capaz de reproduzir múltiplos odores dentro de 1.44 segundos, de acordo com Yu e Li. Quando a experiência termina, uma mola de cobre empurra um ímã sobre a cera para esfriá-la, extinguindo o aroma.
Quanto mais calor, mais forte e mais facilmente identificável fica o cheiro, diz Yu. Isso significa que as interfaces podem aquecer muito, chegando a 60ºC, o que é perigoso para a pele humana. Mas Yu diz que a interface é segura por causa do design “aberto” que deixa o calor escapar, bem como do pedaço de silicone que forma uma barreira entre a pele e o dispositivo.
Em um teste com 11 voluntários, a interface que se coloca entre o nariz e a boca foi considerada segura, desde que mantida a pelo menos 1.5 milímetros do nariz, com uma temperatura na superfície da pele de 32.2ºC, inferior à do corpo humano. Yu percebe, entretanto, que grudar um dispositivo escaldante em seu rosto pode parecer arriscado e diz que ele e Li estão testando maneiras de fazê-lo funcionar aquecendo menos ou esfriando de forma mais eficiente.
Yu e Li não são os únicos tentando criar experiências olfativas agradáveis em realidade virtual. Na CES 2023, a OVR Technology anunciou que lançaria um headset contendo um cartucho com oito aromas “primários” projetados para se combinarem.
“É um desenvolvimento emocionante”, diz Jas Brooks, estudante de doutorado no laboratório de integração humano-computador da Universidade de Chicago que já estudou interfaces químicas e cheiros. “Enfrentamos um problema essencial com cheiros em realidade virtual: como miniaturizamos isso, deixamos menos bagunçado e sem o uso de líquidos?”
Artistas vêm há muito tentando trazer aromas para o mundo do entretenimento. Em 1960, o sistema “Smell-O-Vision” fez sua primeira e única aparição com o filme Scent of Mystery (em tradução livre: Cheiro de mistério), liberando odores durante pontos-chaves da trama por meio do ar-condicionado. Foi um fracasso: durante as sessões, os cheiros estavam sempre atrasados ou eram fracos demais para serem notados.
Essas novas interfaces são um desenvolvimento relevante, que pode mudar nossa experiência em realidade virtual. O olfato é um sentido poderoso e é pré-requisito para que nossa boca detecte sabores. Algumas possibilidades são óbvias – inalar o aroma de flores ou o cheiro de comida em realidade virtual – outras nem tanto. Por exemplo, perfumarias poderiam testar fragrâncias virtualmente.
Do ponto de vista médico, dispositivos de realidade virtual equipados com aromas poderiam ser úteis para pessoas com anosmia, ou incapacidade de sentir cheiros, segundo Yu. Aromas podem ainda ser terapêuticos para pacientes com problemas de memória e até ajudar com o humor. Yu relatou que se sentia mais feliz quando utilizava o aroma de chá verde em seus testes. Ele percebeu que o cheiro era nostálgico: “Quando eu era pequeno, comia um chocolate sabor chá verde”, recorda ele. “Eu ainda me lembro de abrir a embalagem e de como eu amava o cheiro.”
O que se destaca nessas novas interfaces é que são leves, pequenas e sem fio. Embora não tenham sido testadas diretamente com um jogo, plataforma ou dispositivo de realidade virtual específico, o fato de que não exigem fiação complicada pode significar menos emaranhados, menos volume e uma experiência mais imersiva.
Uma desvantagem é que as interfaces ainda têm escopo limitado. Yu utilizou 30 aromas diferentes escolhidos em função seus odores distintos e reconhecíveis, como alecrim e durião. Mas muitos cheiros da vida real são menos memoráveis e podem não ser tão fáceis de reconhecer. Além disso, os geradores de odor em miniatura ainda precisam ser programados para funcionar bem com os headsets de realidade virtual existentes hoje. “É difícil dizer como funcionaria em uma interface comercial”, diz Brooks.
Yu afirma que os próximos passos incluem testar mecanismos que liberem cheiros no momento certo. Ele também gostaria de começar a incorporar o que aprendeu sobre o olfato em tentativas de introduzir gostos na realidade virtual. Talvez um dia ele possa replicar a experiência de dar uma mordida em um chocolate sabor chá verde.