Mídias sociais e saúde mental
Humanos e tecnologia

Mídias sociais e saúde mental

Nas últimas duas décadas, a saúde mental de adolescentes e jovens adultos em muitos países piorou consideravelmente.

Essa coluna se volta para o papel das mídias sociais nessa piora, com foco no Facebook. Utilizando a expansão gradual do website pelas universidades dos EUA como experimento natural, os autores descobriram que estudantes estavam mais propensos a relatar que problemas de saúde mental afetavam negativamente seu desempenho acadêmico após a introdução do Facebook em suas universidades, com evidências indicando que os efeitos se operavam por meio de comparações sociais desfavoráveis.

Nas últimas duas décadas, a saúde mental de adolescentes e jovens adultos de muitos países piorou consideravelmente (TWENGE et al., 2019). Dados dos EUA mostram que a parcela dos indivíduos com idades entre 18 e 23 anos que relataram ter sofrido episódios depressivos importantes no ano anterior quase dobrou entre 2008 e 2018 (NSDUH, 2019). De forma semelhante, nesse mesmo período, suicídios se tornaram mais preponderantes e são hoje a segunda maior causa de morte de pessoas entre 15 e 24 anos (NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS, 2021). 

Considerando que o aumento da incidência de doenças mentais entre adolescentes e jovens adultos coincidiu com a difusão das mídias sociais, pesquisadores, jornalistas e gestores de políticas públicas expressaram preocupação com a possibilidade de os dois fenômenos estarem relacionados (TWENGE e CAMPBELL, 2019). No outono de 2021, uma série de artigos do The Wall Street Journal alegando que a Meta (anteriormente Facebook) estava ciente de que o Instagram tinha efeitos negativos na imagem corporal de meninas adolescentes deu posição de destaque à relação entre mídias sociais e saúde mental em debates públicos (WELLS et al., 2021). Pouco depois, o Congresso norte-americano realizou uma audiência sobre o tema. 

Apesar da necessidade urgente de estudos que verifiquem se mídias sociais são prejudiciais à saúde mental, as evidências de causalidade seguem escassas. Em um artigo recente (BRAGHIERI et al., 2022), fornecemos as evidências mais abrangentes até a data sobre os efeitos das mídias sociais na saúde mental, com base em um experimento natural único: o lançamento escalonado do Facebook nos campi universitários dos EUA.  Nossa estratégia empírica nos permite estimar os efeitos do Facebook a curto e médio prazo em um rico conjunto de desfechos de saúde mental, variando da depressão ao transtorno de ansiedade generalizada e à anorexia. De maneira geral, entendemos que a introdução do Facebook em universidades tinha efeito negativo na saúde mental dos estudantes, especialmente no que diz respeito à depressão e ao transtorno de ansiedade. 

Nossa pesquisa aproveita da expansão gradual do Facebook pelas universidades americanas como experimento natural. O Facebook foi criado pelo aluno de graduação de Harvard, Mark Zuckerberg, em fevereiro de 2004. Inicialmente, o acesso à plataforma era limitado a alunos de Harvard. Ao longo dos dois anos e meio subsequentes, o Facebook gradualmente se expandiu para outras universidades nos EUA e no exterior, até que, finalmente, em setembro de 2006, abriu suas portas a todas as pessoas do mundo com mais de 13 anos de idade. A natureza escalonada do lançamento do Facebook nos permite comparar, em um sistema de diferenças em diferenças, as mudanças na saúde mental dos alunos de universidades que tinham acabado de receber acesso ao Facebook e as mudanças na saúde mental de alunos de universidades ainda sem acesso ao Facebook. 

A Figura 1 apresenta estimativas de causalidade, pelo método das diferenças em diferenças, do impacto do Facebook nos desfechos de saúde mental. Os resultados mostram que a introdução do Facebook em universidades tinha impacto negativo na saúde mental dos estudantes. Os efeitos que encontramos são mais fortes para depressão de transtorno de ansiedade. O acesso ao Facebook dentro de universidades aumentava o número de estudantes que relatavam ter sofrido de depressão grave ou de transtorno de ansiedade naquele ano em 7% e 20%, respectivamente. Diferentemente da depressão e do transtorno de ansiedade, não encontramos efeitos significativos nos autorrelatos de anorexia e bulimia.  

Figura 1 Efeitos da introdução do Facebook na saúde mental dos estudantes. 

Para estudarmos se os efeitos do Facebook se concentravam entre indivíduos particularmente vulneráveis a doenças mentais ou se afetam todos os estudantes de forma similar, criamos uma medida de suscetibilidade prevista para doenças mentais e estudamos como os efeitos da introdução do Facebook variavam ao longo dessa medida. Conforme demonstrado pela Figura 2, o Facebook afeta a saúde mental de todos os estudantes, mas os efeitos são especialmente fortes entre estudantes previsivelmente mais suscetíveis a doenças mentais. Ademais, entre esses estudantes, a introdução do Facebook levou a um aumento estatisticamente significativo da busca por psicoterapia e uso de antidepressivos. 

Figura 2 Efeitos heterogêneos por suscetibilidade a doenças mentais 

Será que o efeito do Facebook na saúde mental tem repercussões negativas secundárias no desempenho acadêmico? De acordo com os relatos dos estudantes, a resposta é afirmativa. Conforme se vê na Figura 3, estudantes estavam mais propensos a relatar que problemas de saúde mental haviam afetado seu desempenho acadêmico após a introdução do Facebook em sua universidade. Em consonância com nossas evidências, que apontam a depressão e transtornos relacionados à ansiedade como as doenças mais severamente afetadas pela introdução do Facebook, encontramos a maior estimativa pontual em uma pergunta que tratava de depressão, ansiedade e transtorno afetivo sazonal. O número de estudantes relatando que essas condições prejudicavam seu desempenho acadêmico aumentou três pontos percentuais em relação a uma linha de base de 13%, como resultado da introdução do Facebook. 

Figura 3 Efeitos secundários no desempenho acadêmico 

Qual é o mecanismo por trás do efeito negativo do Facebook na saúde mental? De forma geral, nossas evidências são mais coerentes com a ideia de que o Facebook pode encorajar comparações sociais, as quais, se desfavoráveis, podem ser prejudiciais à autoestima e à saúde mental dos usuários.  

Nós encontramos duas evidências que indicam que os efeitos do Facebook na saúde mental se operavam por meio de comparações sociais desfavoráveis. Em primeiro lugar, nos concentramos nos estudantes com maior propensão a ser afetados por comparações sociais desfavoráveis e estudamos se eles exibiam efeitos mais fortes. Especificamente, consideramos: (1) estudantes que moram fora do campus e são, portanto, menos propensos a participar da vida social do campus; (2) estudantes com menos relações sociais off-line, assim considerados aqueles que não participam de fraternidades ou sororidades; (3) estudantes com status socioeconômico mais baixo, assim considerados aqueles com dívidas de cartão de crédito ou que trabalham meio período enquanto estudam e (4) estudantes com sobrepeso. Nós compilamos essas questões em um índice de comparação social no qual se considera que os entrevistados com maior risco de comparações sociais desfavoráveis são aqueles que têm um número acima da média das características descritas acima (ex.: moram fora do campus, estão com sobrepeso e têm dívidas de cartão de crédito). A Figura 4 mostra que o acesso ao Facebook teve um efeito mais negativo nos estudantes com maior propensão a sofrer comparações sociais negativas. Todas as estimativas pontuais são positivas, e as estimativas para estudantes que moram fora do campus, têm dívidas de cartão de crédito ou alto índice para comparações sociais são estatisticamente significativas. 

Figura 4 Efeitos heterogêneos como evidência de comparações sociais desfavoráveis 

Em segundo lugar, testamos diretamente se o Facebook tinha afetado percepções em relação a vida social dos demais, estimando o impacto de seu lançamento nas percepções dos estudantes quanto ao consumo de álcool de seus colegas.  A Figura 5 mostra que a introdução do Facebook fez aumentar o consumo percebido de álcool entre estudantes universitários. Com base nas perguntas feitas aos estudantes sobre seu próprio consumo de álcool, a figura mostra também que o aumento do consumo percebido de álcool não foi acompanhado por um aumento do consumo real. 

Figura 5 Efeitos no uso de álcool e percepções. 

Uma explicação para tal discrepância entre as percepções e a realidade é que estudantes podem ter dificuldade de interpretar o conteúdo que observam nas mídias sociais. Particularmente, eles podem esquecer que o que veem nas mídias sociais é uma versão editada e não representativa da vida de seus colegas. De fato, encontramos efeitos ainda mais fortes nas percepções dos estudantes que moravam fora do campus, mais dependentes das mídias sociais para obtenção de informações sobre o comportamento de seus colegas. Se os estudantes não internalizam completamente o fato de que o conteúdo observado nas mídias sociais é altamente editado e não representativo, podem perceber muitas comparações como desfavoráveis. Na verdade, autorretratos exagerados nas mídias sociais somados a uma certa inocência na interpretação das informações podem levar a uma situação em que, quando dois estudantes se comparam entre si, ambos perceberem a comparação como desfavorável. 

Nós enfatizamos que a análise realizada em nosso artigo mais recente não busca estimar os efeitos das mídias sociais no bem-estar geral; em vez disso, busca esclarecer um componente muito importante desse cálculo de bem-estar, qual seja, a saúde mental. Obviamente, as mídias sociais podem ter efeitos positivos em outros desfechos que afetam o bem-estar. Certamente, o fato de que as pessoas continuam usando mídias sociais apesar de seus efeitos negativos no bem-estar subjetivo e na saúde metal indica que plataformas de mídia social podem trazer benefícios que compensem seus efeitos negativos. Idealmente, versões futuras dessas plataformas serão capazes de preservar os benefícios enquanto mitigam os malefícios à saúde mental.  

No geral, os resultados de nosso artigo dão apoio a hipótese de que as mídias sociais podem ser parcialmente responsáveis pela recente deterioração da saúde mental entre jovens adultos. Fica a cargo das plataformas de mídia social, reguladores e futuros pesquisadores determinar se e como esses efeitos podem ser amenizados. 

Referências 

ALLCOTT, Hunter; BRAGHIERI, Luca; EICHMEYER, Sarah; GENTZKOW, Matthew. The welfare effects of social media, American Economic Review, n. 110, v. 3, p. 629-676, mar. 2020. 

ALLCOTT, Hunter; GENTZKOW, Matthew; SONG, Lena. Digital addiction, NBER Working Paper, 2021. 

ARMONA, Luis. Online Social Network Effects in Labor Markets: Evidence From Facebook’s Entry into College Campuses, 2019. Disponível em: SSRN 3381938. 

BRAGHIERI, Luca; LEVY, Ro’ee; MAKARIN, Alexey. Social media and mental health, Working paper. 

BURSZTYN, Leonardo; EGOROV, Georgy; ENIKOLOPOV, Ruben; PETROVA, Maria. Social media and xenophobia: evidence from Russia, Working paper. 

ENIKOLOPOV, Ruben; MAKARIN, Alexey; PETROVA, Maria. Social Media and Protest Participation: Evidence from Russia, Econometrica, n. 88, v. 4, p. 1479–1514, jul. 2020. 

ENIKOLOPOV, Ruben; PETROVA, Maria; SONIN, Konstantin. Social media and corruption, American Economic Journal: Applied Economics, n. 10. v. 1, p. 150–74, jan. 2018. 

FERGUSSON, Leopoldo; MOLINA, Carlos. Facebook causes protests, Working paper, 2020. 

FUJIWARA, Thomas; MÜLLER, Karsten; SCHWARZ, Carlo. The effect of social media on elections: Evidence from the United States, NBER Working Paper 28849, 2021. 

LEVY, Ro’ee. Social media, news consumption, and polarization: Evidence from a field experiment, American Economic Review, n. 111, v. 3, p. 831–70, mar. 2021. 

MOSQUERA, Roberto; ODUNOWO, Mofioluwasademi; MCNAMARA, Trent; GUO, Xiongfei; PETRIE, Ragan. The economic effects of Facebook, Experimental Economics, n. 23, v. 2, p. 575–602, 2020. 

MUELLER, Karsten; SCHWARZ, Carlo. From hashtag to hate crime: Twitter and anti-minority sentiment, 2020. Disponível em: SSRN 3149103. 

NATIONAL CENTER FOR HEALTH STATISTICS, Health, United States, 2019: Table 007, 2021. 

NSDUH, 2002–2019 National Survey on Drug Use and Health Final Analytic File (Codebook), 2019. 

TWENGE, Jean M.; CAMPBELL, W. Keith. Media use is linked to lower psychological wellbeing: evidence from three datasets, Psychiatric Quarterly, n. 90, v. 2, p. 311–331, jun. 2019. 

TWENGE, Jean M.; COOPER, A. Bell; JOINER, Thomas E.; DUFFY, Mary E.; BINAU, Sarah G. Age, period, and cohort trends in mood disorder indicators and suicide-related outcomes in a nationally representative dataset, 2005–2017, Journal of Abnormal Psychology, n. 128, v. 3, p. 185, abr. 2019. 

WE ARE SOCIAL. Digital 2021 April Global Statshot Report, 2021. 

WELLS, Georgia; HORWITZ, Jeff; SEETHARAMAN, Deepa. Facebook knows Instagram is toxic for teen girls, company documents show, Wall Street Journal, 14 set. 2021. 

ZHURAVSKAYA, Ekaterina; PETROVA, Maria; ENIKOLOPOV, Ruben. Political effects of the internet and social media, Annual Review of Economics, n. 12, p. 415–438, 2020. 

Notas finais 

  1. Alguns estudos incentivam participantes selecionados aleatoriamente a reduzir seu uso de redes sociais para, então, estimar os efeitos causais, mas não são focados primariamente em saúde mental (ALLCOTT et al., 2020, 2021 e MOSQUERA et al., 2020). 
  1. Nosso artigo está relacionado a uma literatura emergente que explora a expansão das plataformas de mídias sociais para estudar os efeitos dessas mídias em uma variedade de desfechos. A estratégia empírica adotada nesse artigo esta estreitamente relacionada àquela adotada por Armona (2019), que aproveita a introdução escalonada do Facebook em universidades americanas para estudar repercussões no mercado de trabalho mais de uma década depois. Enikolopov et al. (2020) e Fergusson e Molina (2020) exploram a expansão da plataforma de mídia social VK na Rússia, e do Facebook no mundo todo, respectivamente, para mostrar que o uso de mídias sociais aumenta a participação em protestos. Bursztyn et al. (2019) e Mueller e Schwarz (2020) exploram a expansão do VK e do Twitter, respectivamente, e concluem que o uso de mídias sociais aumenta a incidência de crimes de ódio. Outras pesquisas sobre mídias sociais e repercussões políticas incluem Enikolopov et al. (2018), Fujiwara et al. (2021) e Levy (2021). Para um panorama detalhado, ver Zhuravskaya et al., 2020. 
  2. Na época, conteúdo relacionado a bebidas alcoólicas se destacava no Facebook. 

AUTORES 

Ro’ee Levy Professor adjunto, Escola de Economia, Universidade de Tel Aviv. 

Alexey Makarin Professor assistente de Economia Aplicada, MIT Sloan School of Management. 

Luca Braghieri Professor assistente do Departamento de Ciência das Decisões, Universidade Bocconi. 

 

TEMAS 

ECONOMIA DA SAÚDE 

 

PALAVRAS-CHAVE 

MÍDIAS SOCIAIS 

SAÚDE MENTAL 

COMPARAÇÃO SOCIAL 


Professor Assistente de Economia Aplicada na Escola de Administração Sloan do MIT

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