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O metaverso ainda é mais uma ideia do que propriamente um lugar ou um produto. Tem Realidade Virtual, você poderá encontrar e se reunir com pessoas no mundo digital, ter seu próprio avatar já é possível e assim por diante. Mas o fato é que nada disso é novidade. Essas tecnologias estão disponíveis há muitos anos.
Justamente porque o metaverso é um território pouco explorado e com gigantescas possibilidades, mas sem fronteiras e leis claras, que se tornou um faroeste. Enquanto as gigantes de tecnologia sonham com um paraíso a ser desbravado (e explorado), novas companhias de tecnologia disputam uma frenética corrida para chegar primeiro e conquistar o território para lucrar o máximo e mais rápido possível.
No Velho Oeste a corrida pelo ouro fez a fortuna de muitos, mas levou à falência milhares de pessoas. A expressão “ouro de tolo” não se popularizou por acaso. No metaverso, não será diferente. Mas se o ouro foi a epítome do Velho Oeste, no metaverso este papel parece relegado à especulação imobiliária virtual.
Comprar um terreno no metaverso soa como comprar um pedacinho da Lua, é fato. Mas isso não impede que as empresas permitam que investidores, desenvolvedores de terrenos e entusiastas de criptomoedas entrem nesse mercado. Mas diferentemente de investir na bolsa, no mercado virtual a barreira de entrada é baixa, as regras são poucas ou nem mesmo existem.
Um lugar para chamar de meu no metaverso
Quatro empresas dominam o mercado de imóveis no metaverso neste momento. Decentraland, Cryptovoxels, The Sandbox e Somnium Space misturam tecnologia de blockchain descentralizada, como NFTs e criptomoedas, com elementos de mídia social e jogos online. No entanto, ao contrário da maioria dos jogos, essas plataformas do metaverso permitem que você compre, venda e troque terrenos virtuais e faça o que quiser.
As possibilidades de lucro são enormes. Mais de US$ 500 milhões em imóveis foram vendidos em plataformas do metaverso em 2021 e os preços subiram até 500% nos últimos meses, segundo reportagem da CNBC. Essas empresas, como incorporadoras e construtoras do mundo real, erguem mansões para aqueles que querem viver como milionários também no universo digital. Também há espaços comerciais para ativações de marcas, shopping centers e locais de entretenimento.
Não é difícil perceber como o metaverso pode facilmente se tornar ainda mais elitista que o mundo real. Para piorar, milhares de especuladores, pessoas que sonham em enriquecer facilmente comprando propriedades virtuais ou NFTs (non fungible tokens), podem perder fortunas pelo caminho.
Não precisa pensar muito para ver como as pessoas (e empresas) se deixam levar facilmente pela ganância. Lembra da crise de 2008 do subprime? Novas casas eram a garantia dos empréstimos para construir mais casas em um mercado inflado pela especulação. Quem emprestava (os bancos) ganhava dos dois lados. NFT como garantia de empréstimos para comprar mais NFTs, terrenos virtuais como garantia além do risco de propriedades virtuais sendo usadas como garantia para bens reais e vice versa… O que poderia dar errado?
Ficar rico no metaverso
Quando Neymar compra um NFT ou famosos garantem seu pedacinho de terra virtual, o mercado é validado e mesmo aqueles que não entendem os riscos (ou preferem ignorá-los) são estimulados a entrar na “corrida do ouro virtual”. A lógica é que se Neymar e famosos entram, eles são ricos e sabem de algo que você não sabe. E se o seu vizinho está ganhando dinheiro fácil, você também quer ganhar.
Em janeiro, o Digital Void, um grupo de conscientização de questões digitais, lançou o projeto Super Fungible Token. É um NFT que permite que qualquer pessoa altere a imagem associada a ele. “Nós o lançamos como uma ferramenta educacional divertida para ajudar as pessoas a entender que, ao contrário do que dizem os evangelistas da NFT, quando você gasta US$ 100.000 em Ethereum em um JPG de macaco, você não está realmente comprando esse JPG de macaco, apenas um ‘espaço’ em um banco de dados online que diz que você comprou o macaco JPG”, explica Ryan Broderick, do Garbage Day, e um dos idealizadores do projeto.
“Imagine se você fosse à farmácia, comprasse um monte de coisas e depois voltasse com orgulho para casa apenas com o recibo e a garantia do caixa de que comprou alguma coisa”, diz Broderick. Pode parecer estranho, mas hoje quem gasta milhões comprando propriedades online está comprando um espaço em um banco de dados e não necessariamente se torna o dono da propriedade. Se a Open Sea por alguma razão desaparecer, a propriedade de tudo que está lá poderá ficar comprometida.
A lógica especulativa do setor não se limita ao cidadão comum. Empresas também são seduzidas pela narrativa. “Imagine se você viesse a Nova York quando era uma terra agrícola e tivesse a opção de obter um bloco no SoHo”, disse Michael Gord, cofundador da empresa imobiliária virtual The Metaverse Group, ao The New York Times, explicando por que gastou mais de US$ 2,4 milhões no ano passado em um único lote no distrito da moda do Decentraland.
Para o especulador pouco importa que para cada Nova York que nasce, milhares de cidades não dão em nada.
Tempo e dinheiro no lugar errado
O jornalista de tecnologia Kevin Roose resumiu com ironia a situação em um tuíte:
“É tempo de construir uma “comunidade super planejada de ultraluxo” no metaverso com um iate NFT de US$ 650.000″
— Kevin Roose (@kevinroose) February 10, 2022
O texto é uma ironia com Marc Andreessen, co-autor do Mosaic, o primeiro navegador da Web amplamente utilizado; cofundador da Netscape; e co-fundador e sócio da empresa de capital de risco Andreessen Horowitz.
Meses atrás, Andreessen divulgou uma carta aberta com o título “É Tempo de Construir”. No texto ele cita uma longa lista de produtos e instituições em falta nos Estados Unidos, de vacinas e testes de Covid a escolas e hospitais.
A contradição é óbvia: enquanto clama pela melhora no mundo físico, Andreessen investe seu tempo e milhões de dólares em empresas que constroem propriedades para ricaços e especuladores no mundo digital.
Ninguém questiona o direito de qualquer um investir no metaverso, mas fica evidente que cada vez mais recursos financeiros e capital intelectual estão sendo gastos em soluções para problemas frívolos como iates virtuais, NFTs de luxo e condomínios de alto padrão construídos pixelizados.
Tentação especulativa
Você pode dizer que a arte tem seu valor nos olhos de quem a vê. O mesmo se aplicaria aos NFTs e qualquer propriedade virtual. O argumento é válido, mas se observarmos a Open Sea, maior marketplace do mundo do segmento e em funcionamento a apenas quatro anos, algumas questões interessantes surgem.
Como aponta Justin Scheck no Wall Street Journal, o Open Sea “também se tornou um paraíso para falsificações e golpistas que tentam obter o dinheiro dos usuários ou acesso a seus novos ativos – criando uma luta para a empresa que reflete um paradoxo central para investimentos digitais emergentes. Por um lado, os entusiastas são atraídos por eles porque são “descentralizados”, operando em grande parte fora do controle dos bancos ou das regras do governo. Por outro lado, quando as coisas dão errado, muitos desses entusiastas esperam que a OpenSea faça cumprir as regras e compense as pessoas que são roubadas – exatamente o tipo de papel que as instituições centralizadas têm tradicionalmente desempenhado”.
Ou seja, novamente expectativa e realidade (ou virtual e mundo real) entram em conflito. E não estamos falando de uma quantia inexpressiva. De acordo com a empresa de análise Chainalysis, em 2021 foram gastos mais de US$ 30 bilhões em NFTs.
Segundo a Open Sea, mais de 80 milhões de itens estão disponíveis na plataforma, onde mais de US$ 3 bilhões de dólares são negociados todos os meses. A Open Sea fica com 2,5% do valor das transações na plataforma. O Andreessen Horowitz é um dos fundos de venture capital que investiu na Open Sea.
Blockchain e suas contradições
O princípio da blockchain é sua aversão ao sistema financeiro tradicional e à supervisão de terceiros como governos e órgãos reguladores. Em sua essência a blockchain vai contra as regras usuais do comércio moderno, que se apoia em instituições públicas para garantir seu bom funcionamento. Mas não é preciso bola de cristal para prever que é questão de tempo até que o braço da lei chegue no metaverso e no ecossistema baseado em novas tecnologias.
Em dezembro, pesquisadores da DeviantArt encontraram cerca de 25.000 imagens digitais que foram transformadas em NFTs e vendidas sem a permissão dos artistas originais, boa parte no OpenSea. O número representa um aumento de três vezes em relação ao mês anterior. Ou seja, quem compra não tem a segurança de realmente ser o proprietário da obra. Além disso, artistas estão sendo lesados.
Um dos fatores que atrapalha o controle é que boa parte dos projetos de blockchain e de NFT são anônimos. Isso dificulta identificar a autenticidade e confiabilidade de quem os produz. A Open Sea anunciou que estava criando novas regras para a plataforma após descobrir que 80% das obras criadas por meio de uma de suas ferramentas eram cópias ilegais de outros trabalhos.
However, we’ve recently seen misuse of this feature increase exponentially.
Over 80% of the items created with this tool were plagiarized works, fake collections, and spam.— OpenSea (@opensea) January 27, 2022
A Open Sea tem sido criticada por usuários que veem nas iniciativas para centralizar o mercado e evitar fraudes um retrocesso. O Bitcoin passou por processo semelhante. Por anos cresceu sem incomodar as grandes instituições, mas como recentes medidas em diversos países como a China mostram, nenhum governo está disposto a abrir mão do controle de sua moeda, impostos ou deixar um grande número de usuários serem lesados. Nada indica que o rumo será diferente no metaverso.
O lado bom das situações difíceis
Quem viveu a bolha da Internet talvez não se surpreenda com o rápido crescimento do mercado em torno do metaverso e da blockchain. Grandes projetos atraem sonhadores e a oportunidade de fazer fortuna é irresistível para os especuladores. Podem até ser ideologias contraditórias a dos sonhadores e especuladores, mas eles dependem um do outro e crescem juntos.
Quando a bolha estourou, bilhões de dólares em ações viraram pó e muita gente perdeu as economias. Mas essa bolha criou a infraestrutura para que produtos melhores e mais robustos nascessem. Gigantescos servidores e cabos de fibra ótica só foram possíveis porque se acreditava que todo aquele universo de empresas prosperaria e exigiria ainda mais recursos de infraestrutura.
Mas a Amazon e o Google sobreviveram e seguem colhendo os frutos do sucesso. Como já disse anteriormente, o metaverso será muitas coisas, mas provavelmente muito diferente do que imaginamos. Mas, certamente, pelo caminho teremos peregrinos esperançosos, tolos em busca de ouro, saqueadores, bandidos, além de alguns afortunados ganhando fama e fortuna.
Este artigo foi produzido por Guilherme Ravache, consultor digital e colunista.