Metaverso: caminho para conexão ou desconexão?
Inovação

Metaverso: caminho para conexão ou desconexão?

O metaverso não deve ser somente um mundo virtual. Deve ser um instrumento para que a humanidade possa se tornar quem pretende ser com o auxílio de toda a tecnologia disponível.

Muito se fala atualmente em metaverso, notadamente após o Facebook ter anunciado, em 28 de outubro de 2021, a mudança do nome do “conglomerado” para Meta. Assim, a aposta em torno desse novo universo virtual ganhou tração adicional e aguçou a curiosidade de toda a comunidade geral e não somente daquela que gira em torno de questões tecnológicas.

Impõe-se, de início perquirir-se: seria o metaverso algo efetivamente novo? Quais as consequências dessa realidade virtual para os comportamentos humanos?

Paralelo entre o metaverso e experiências anteriores

Pode-se preconizar que o metaverso tenha sido inicialmente pensado há quase 30 anos quando Neal Stephenson cravou esse termo no romance Snow Crash. Nessa obra, verifica-se a existência de personagens que se utilizavam de avatares para viver em um universo “online” e, no caso, refugiar-se da realidade.

Na sequência muitos outros exemplos podem ser trazidos à baila. Dos personagens dos livros pode-se saltar para o universo das séries. Black Mirror é um contundente exemplo da distopia provocada pela existência de um universo virtual, moldado, em que tudo é previamente pensado: sentimentos, interações, gestos, condutas. Mas há um evidente conflito entre a natureza humana e a existência dos conflitos ocasionados pela tecnologia. E, nesse ponto, merece indagar-se: o metaverso pode conectar ou desconectar pessoas? A virtualização da vida unirá ou separará os seres em sociedade? Segundo o cientista Jeremy Bailenson, diretor-fundador do laboratório que estuda realidade virtual na Universidade de Stanford, em estudos com óculos de Realidade irtual, asseverou que o tempo despendido com esse artefato é “psicologicamente muito mais poderoso do que qualquer mídia já inventada e se prepara para transformar drasticamente as nossas vidas”. Cita-se, ainda as “Soul Machines” desenvolvidas por empresa de tecnologia situada em Auckland.

É difícil, no momento, estabelecer o efetivo modelo de operação desse incógnito universo. Escritórios, academias, festas, tudo existirá no metaverso? Espelhará esse novo “planeta virtual” a vida que as pessoas desejam ter? Mas qual será o ponto de intersecção com a vida real? Como ficam os sentimentos?

Necessária humanização do metaverso: intersecção com a vida real e o ponto de equalização

Em um outro exemplo de universo “paralelo” pode se destacar a série “Stranger Things”. Nela, os protagonistas — que se iniciam, na primeira temporada, com idades entre 11 e 13 anos — conhecem o “mundo invertido” com suas sombras e perigos. Mas, conseguem combatê-lo, ao longo do tempo, demonstrando a verdadeira faceta da vida: a união e a amizade.

E esse é o ponto que precisa ser efetivamente explorado. A tecnologia deve auxiliar as pessoas a se conectarem. E não as afastar. As demonstrações desses universos virtuais devem vir acompanhadas do “serviço” às gerações para facilitar a vida humana, mas não para isolar os seres viventes. Deve traduzir uma forma de apresentar facilidades virtuais, mas não dificuldades emocionais. Como assevera Amy Webb, futurista americana que auxilia os CEOs das grandes empresas a enfrentarem futuros complexos, essa tangenciabilidade viria, exemplificativamente, na existência de um executivo em Nova York e outro em São Paulo que, em uma reunião, poderiam apertar as mãos e ter a sensação de um toque real. Assim, cumpre-se o que se busca identificar nesse estudo: a tecnologia vem auxiliar as relações interpessoais, mas jamais substitui-las. Nesse caso, a reunião de negócios existe, com duas pessoas reais, ainda que de forma virtual. E seu epílogo traduz o “shake hands” de forma virtual, mas com a sensação real.

A possibilidade de se fazer uma reunião de trabalho virtual, em um ambiente avançado, não deve implicar na ausência de conhecimento dos “players” com os quais se trava negociações ou mesmo sequer saber, pessoalmente, quem são os colegas de trabalho. Não podem implicar no total alijamento das relações laborais pessoais.

O mesmo se pode aplicar às relações interpessoais: o universo metafísico não pode substituir os abraços, os apertos de mão e os sentimentos humanos. Senão, como serão os relacionamentos no futuro? Como gerar as próximas gerações, se os futuros “pais” não se conhecerem pessoalmente?

E o grande desafio não é criar uma realidade virtual, um universo no qual todos são exatamente o que querem ser. O desafio é estabelecer um ponto de equilíbrio entre as relações virtuais e as relações humanas.

Tais relações não se podem sobrepor umas às outras sob pena do desequilíbrio do “fiel da balança”. Seria inadmissível que duas pessoas deixem de se conhecer e de viver uma vida efetiva juntas por estarem presas aos universos virtuais. Que pessoas deixem de viver experiências como conhecer lugares históricos, museus, porque os viram dentro de “universos virtuais”. Pois fizeram “tours” quase que imaginários, tendo por base a reprodução dos locais com base em elementos de computação gráficas e se movimentaram reproduzidos por avatares.

É sabido que a geração daqueles que não tem familiaridade com computadores está por terminar. Hoje, praticamente a totalidade da população intelectualmente ativa maneja, sem dificuldade, os elementos da tecnologia. Computadores, tablets e smartphones são utilizados em larga escala para o exercício das tarefas mais simples às mais complexas. E com isso, a sofisticação dos universos virtuais ganha ares de notoriedade.

As novas gerações pautam-se por condutas diferentes daquelas adotadas por seus pais. Esses eram conhecidos pela geração do “ter”: queriam conquistar o imóvel próprio, seu sonhado carro e tantos outros bens materiais. Hoje, vive-se a geração do “ser”: ser aquilo que se deseja: mudar de emprego, de casa, de país a um simples “estalar” dos dedos. Almeja-se a liberdade de um nômade virtual e a tecnologia é parte fundamental para tudo isso se viabilize. Nesse esteio é que a tecnologia não pode ser um instrumento de isolamento, mas de conexão de pessoas, seus valores, suas vidas. Registre-se, ainda, a preocupação com a privacidade humana que o metaverso vai gerar, além de todas as mídias sociais já existentes.

Crenças futuras

Chega-se ao tempo de colocar a tecnologia a serviço da humanidade e não como forma de seu isolamento da realidade. É hora de proclamar as realizações humanas com o auxílio da meta-realidade, mas não permitir que tais realizações só ocorram de forma virtual. É hora de privilegiar que o “deal” foi possível pois a tecnologia uniu pessoas de diversas partes do mundo sem seu deslocamento físico, mas permitiram se olhar nos olhos uns dos outros por intermédio de todas as plataformas de trabalhos virtuais; de investir em empresas com “spread” mundial por força da existência de softwares e realidades virtuais distintas; de viabilizar que viajantes de todas as partes do globo terrestre possam chegar a localidades nunca dantes pensadas e ter a seus pés guias, concierges e tudo para tornar a experiência física inesquecível, apenas com clicks ao alcance de suas mãos.

A importância do mundo virtual é de sumo relevo, mas não pode ser senhora absoluta da situação. Não pode impedir que as facetas humanas sejam esquecidas. Não pode substituir a inteligência real pela artificial. Elas se retroalimentam como em um sistema autopoiético proclamado por Niklas Luhmann, permitindo se projetar e reclamar a própria finalidade. As operações nesses sistemas se interligam de forma que as subsequentes se ligam às anteriores em um perfeito “looping”. E, nesse processo de remeter o sistema a si mesmo, a inteligência real produz a inteligência artificial que, por sua vez permite novamente que a inteligência real produza inteligência artificial mais sofisticada e assim por diante, provocando um cataclisma de inovação.

E, nesse esteio, não há espaço para a vivência humanitária isolada, sob pena de se fazer ruir essa perfeita e concatenada ordem natural das coisas. Elas são intrínsecas, indissociáveis e não podem ser pensadas de forma isoladas. Como bem assevera Ludwig Wittgenstein, o significado do mundo deve residir fora dele e, além disso, fora da linguagem significativa.

O metaverso e a tecnologia representam o mundo, nas palavras de Wittgenstein. Mas seu significado deve residir fora dele e de sua linguagem significativa. E a lucidez do pensamento desse grande filósofo do século VII deve extrapolar os seus limites e alcançar a linguagem significativa dos seres humanos. O metaverso assim, consiste em meio para atingir-se o fim: o aprimoramento das relações humanas.

Muito além do virtual

A abertura do universo virtual, metafórico, conduz a reflexões severas. De um lado, permite a transposição do mundo real, abrindo-se a todos o ilimitado, o impensado, o sonhado. Transforma os simples mortais em heróis, guerreiros ou, simplesmente no “business man” ou o pai de família que almejou. Mas impõe consequências que podem desbordar os mais tênues limites da ficção e da realidade, acarretando a total opacidade de seu próprio universo; não permitindo que haja uma fronteira segura entre o mundo do ser e aquele do dever ser.

Assim, a preocupação não deve se voltar somente à construção de um mundo virtual, com os mais belos requintes de forma; deve-se buscar a profundidade de seu conteúdo e seu inter-relacionamento com os seres humanos. Traduzir a essência desse mundo virtual para o dia a dia das pessoas e seus impactos talvez seja o maior desafio a ser enfrentado. Não permitir que todo o relacionamento humano, construído ao longo de 21 séculos de história seja posto de lado e de forma disruptiva.

Portanto, o metaverso não deve ser somente um mundo virtual. Não deve somente permitir que as pessoas possam se tornar aquilo que não são. Deve ser um instrumento para que a humanidade possa efetivamente se tornar quem pretende ser com o auxílio de toda a tecnologia disponível. Deve representar a voz de todos aqueles que almejam ter vez dentro de um mundo cada vez mais complexo com obstáculos distintos. Deve ser uma ferramenta para unir e jamais para apartar. Em outras palavras, deve o metaverso ser um caminho para conectar pessoas, jamais desconectá-las. E certamente esse será o seu maior desafio.


Este artigo foi produzido por Rui Santoro, Fundador e CEO da Local APP.

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