Martech compreende o universo de ferramentas de tecnologia que ajudam o marketing a atrair, conquistar e fidelizar consumidores. Inclui soluções de organização de arquivos, envio de mensagens, publicação de sites, análise de dados, compra de propaganda, relatórios, links patrocinados, testes A/B, personalização, redes sociais, algoritmos e até e-commerce.
Esses softwares se tornaram essenciais à medida que a forma de comunicação com os consumidores ficou cada vez mais fragmentada, espalhada entre microinterações em centenas de pontos de contato, digitais e físicos. Além de não obedecerem a uma sequência óbvia, essas trocas acontecem de forma cada vez mais rápida e com consumidores cada vez mais interativos e preparados — pois buscam mais e se informam antes de qualquer interação.
É impossível dar conta de tudo isso manualmente. Por isso, o Martech é pop!
O termo existe já faz algum tempo e agora está mais em alta do que nunca. Neste ano, a indústria movimentou 122 bilhões de dólares e vem crescendo a uma taxa de 22% ao ano, segundo a Universidade de Bristol e a BDO.
Vale a pena?
De um lado, existem experiências muito bem-sucedidas, como as pesquisadas pela Forrester (O Impacto Econômico da Experience Cloud), em que, a partir de diversas entrevistas com empresas de sete indústrias, chegaram a um Retorno sobre o Investimento (ROI) de 242% e um período médio de seis meses para compensar o investimento inicial.
Do outro lado, o Gartner prevê que até 2025, 80% dos profissionais de marketing que investiram em personalização vão abandonar seus esforços “devido à falta de retorno sobre o investimento, aos riscos de gestão de dados dos clientes ou ambos”.
O relatório do Gartner pode parecer pessimista, mas não é: ele alerta para uma série de fatores críticos para a implementação de ferramentas no marketing que vão além da tecnologia e incluem, por exemplo, privacidade, governança e gestão de pessoas e processos.
O que separa o fracasso do sucesso:
Diversos autores se debruçam sobre o tema, entre eles o Scott Brinker, que, em “A Lei do Martech”, explora a lacuna entre o crescimento exponencial da tecnologia versus as mudanças na organização das empresas. Scott acredita que essa defasagem representa o maior desafio da gestão das empresas neste século.
Já Thomas Davenport da Babson College, em artigo na Harvard Business Review, foca na execução e sugere quatro tipos de marketing usando IA. Ele categoriza softwares para ajudar os gestores a priorizar sua aquisição. É um ponto de vista técnico-operacional.
Trazendo um pouco dos dois mundos e mais alguns anos da minha experiência no mercado de Martech, sugiro uma forma holística de ver o tema, propondo como resultado quatro reflexões fundamentais para as decisões que são tanto de gestão e cultura como de funcionalidades técnicas das ferramentas.
Premissa: todo projeto deve obrigatoriamente começar pelos objetivos de negócio – devidamente mapeados e transformados em indicadores de performance – conquistados a partir de melhores experiências para os clientes.
Fato: a excelência vive na intersecção entre o uso máximo da Inteligência Artificial (IA) com a melhor entrega de Experiência aos Consumidores (CX). E assim começa o diagrama:
Figura 1 – Diagrama de adoção de Martech
Componentes do eixo vertical: IA
O eixo vertical tem na parte debaixo a automação. Aqui estão, por exemplo, ferramentas de envio de e-mail de acordo com gatilhos de comportamento. Um bom caso de uso pode ser o envio de e-mail “invista em ações” para quem navegou nestas páginas e tem renda acima de um determinado valor. Isso é uma evolução quando comparado ao marketing antigo que mandava e-mails iguais, para todos os clientes no “mês de vender produto investimento em ações”. E podemos ir além.
Quanto mais para cima no gráfico, mais preditivo é o marketing. Esse marketing sai do óbvio ao descobrir, por exemplo, que além da renda e da navegação, pessoas que navegam usando o Chrome e ficam menos de dois minutos no site possuem propensão cinco vezes maior de se tornarem clientes de alto investimento, e que a melhor experiência para que isso aconteça é o envio de e-mail oferecendo uma consultoria grátis para investimentos acima de determinado valor.
Eixo horizontal: CX
CX é ser omnichannel (em todo canal: loja e e-commerce, site, aplicativo etc.) e rápido. Pode ser interessante saber que eu tenho propensão a comprar um produto, mas não faz sentido isso sair de uma extração de banco de dados que demora um mês.
No eixo horizontal, a esquerda é representada por canais, como ferramentas para mandar e-mail de boas-vindas para quem se cadastrou no site. Porém, a visão 360 aparece do lado direito, das plataformas e da omnicanalidade, em que o mesmo consumidor que se cadastrou no site é identificado como visitante recorrente das lojas físicas e, assim, recebe um boas-vindas mais relevante após aquele cadastro. Exemplo: “Bem-vindo ao site, você sabia que pode comprar aqui e retirar na loja?”.
As quatro reflexões
Figura 2 – As quatro reflexões da adoção de Martech
1. Confiança
Para provar rapidamente o valor de investir em Martech, a sugestão é começar por soluções pontuais, como testes A/B, Analytics, e-commerce ou campanhas de e-mail. Elas possuem módulos simplificados de automação, com interfaces intuitivas e de rápida implementação que, em pouco tempo, mostram resultados.
Por serem focadas em canais, costumam ser compradas por um único departamento — sem a necessidade de convencer uma empresa inteira — e cumprem com o objetivo inicial de provar o valor do investimento em Martech. Exemplo: a área de CRM de uma empresa costuma ser a compradora, com total autonomia, de ferramentas de disparo de e-mails, SMS etc.
A contratação pode acontecer após poucas demonstrações de produto, referências de outros clientes (preferencialmente da mesma indústria) e funcionários com experiência prévia de uso da solução favorita.
É por isso que “autonomia” é a palavra-chave mais importante para a rápida adoção e criação de confiança em Martech. Serão testadas não só as ferramentas, mas também a capacidade das equipes e dos processos das empresas de trabalharem com a tecnologia.
2. Tração
O próximo passo vai além da entrega básica das ferramentas, podendo incluir modelos de marketing preditivo recheados de IA. Isso pode ser feito na mesma ferramenta já adquirida ou a partir da substituição por ferramentas melhores — ainda focadas em canais. Mateus Lopes, consultor Sênior da Adobe e cofundador da Academia Martech, apresenta alguns exemplos:
“Existem algumas ferramentas de teste A/B e personalização, porém a diferença entre a básica e a avançada é enorme. Mais do que ser capaz de executar poderosos testes ou entregar experiências personalizadas 1:1 em escala, as melhores ferramentas são capazes de se conectar com o cliente em todos os meios de interação possíveis, do clássico website até os aplicativos e os dispositivos de IoT (Internet das Coisas).
Quando integrado às plataformas de e-mail, por exemplo, estendemos essa linha de personalização em um nível que garante a possibilidade de ofertar produtos ou serviços de acordo com o momento de vida do cliente. Chamamos isso de jornada.
Já uma ferramenta básica e gratuita de Analytics pode funcionar muito bem na fase inicial, mas quando surge o desejo de evoluir na entrega de experiências mais avançadas, como detecção de fraudes, propensão à conversão ou até mesmo integração com outras fontes de dados da empresa, logo surge a necessidade de investir em um Analytics mais completo.”
Não se tornar dependente de relatórios-padrão fornecidos pelas ferramentas e exercitar a criação de relatórios focados nos KPIs do negócio são etapas fundamentais para uma estratégia de sucesso. Isso ilustra muito bem um time que já saiu da etapa de confiança e agora domina a etapa de tração, estando pronta para o próximo passo:
3. Retorno sobre o investimento
O ápice do retorno sobre o investimento (aquele que a Forrester fala em 242%) acontece do encontro do marketing preditivo com as ferramentas que dão a visão única do cliente.
Aqui estão muito bem posicionadas a Customer Data Platform (CDP) e as mais avançadas ferramentas de automação e mensagens, chamadas de “otimização de jornadas”. Nelas, todo atributo conta na montagem de modelos preditivos e na personalização rápida das comunicações. Por exemplo: se um mesmo consumidor ligar no call center, clicar no e-mail e visitar uma loja, terá todos esses dados na plataforma, que vai imediatamente calcular e sugerir “alta propensão a cancelar assinatura”.
Supondo que a melhor experiência para esse tipo de consumidor (após testes A/B) é a de ofertar o serviço de frete grátis por um ano, em seguida, todos os canais de contato são personalizados para entregar a melhor comunicação para reverter esse quadro. A tal otimização pode decidir enviar um e-mail com a oferta e, após quatro dias sem interação, sugerir para um agente ligar para os clientes de maior valor (LTV – lifetime value).
Essa é a famosa “próxima melhor oferta” (em inglês “Next Best Offer”), entregue cliente a cliente, de forma individual. Eu prefiro chamar de “próxima melhor experiência”, já que nem sempre precisa ser uma venda no curto prazo.
“Definitivamente, não é um cenário simples de se atingir. Mesmo em empresas sem nenhum legado, como nas startups, a velocidade de crescimento com a demanda de experiências incríveis para os clientes produz muitas vezes um crescimento desordenado que fatalmente vai se refletir nos chamados silos de experiência. Por isso, a era das plataformas se tornou fundamental.
Cada vez mais, as empresas estão entendendo que por mais que possam construir uma integração com diferentes sistemas, não faz nenhum sentido manter isso como um produto interno, já que o custo de mantê-lo costuma ser proibitivo – além da falta de foco através do tempo. Ter sucesso contratando plataformas na nuvem é muito mais factível e rápido”, acrescenta Mateus Lopes.
4. Desilusão
Por interagirem durante a jornada completa do consumidor e em todos os canais (digitais e físicos), investimentos em plataformas precisam de consenso de diversos departamentos das empresas. Isso pode ser bom e ruim.
Bom: o respeito à privacidade e a consciência de que o consumidor está em primeiro lugar — mais importantes do que as metas e/ou produtos de cada departamento — são ingredientes essenciais para esse sucesso. Casos assim estão no quadrante de “retorno”.
Ruim: a consulta de diversas áreas de uma empresa às vezes atrasa o processo. Para piorar, empresas e consultorias muitas vezes entram num caminho praticamente infinito de Request for Proposal (RFP), pedindo aos fornecedores de tecnologia para preencher planilhas infinitas de requisitos (que ninguém vai ler) ou fazer implementações testes (chamadas de provas de conceito).
O problema não está na RFP, mas sim na ideia dessas empresas que podem começar pelo quadrante de retorno sem antes passar pelos outros quadrantes. Desta forma, elas não criaram uma cultura orientada a dados e ferramentas, não testaram a receptividade interna para as soluções de Martech, não criaram times ágeis com autonomia verdadeira e acabam colocando todas as suas fichas no milagre de que uma ferramenta comprada a partir de planilhas enormes é segura. Não é.
Este é o quadrante errado para começar seu projeto de Martech.
Eu já vi projetos de RFPs de CDPs que, de tão longos e complexos, tiveram times substituídos no caminho e, no fim do processo, após contratar a ferramenta, as novas pessoas não sabiam explicar os objetivos de negócio que levaram àquela compra. Mas estavam confiantes na planilha de requisitos. Enorme engano.
Sem as ferramentas de marketing é impossível acompanhar o novo mundo de interações com os consumidores. Elas chegaram para ficar e estão revolucionando negócios no mundo todo. Porém, antes de adotá-las, é obrigatória a reflexão sobre os objetivos de negócio, os colaboradores, os processos ágeis, o fim da hierarquia e das disputas entre departamentos. Lembrando que os consumidores e os problemas de negócio devem estar no centro, sempre.
Esse artigo foi produzido por Fernando Teixeira, SVP de Dados na Media.Monks e colunista da MIT Technology Review Brasil.