Ideias de negócios disruptivos surgem a todo instante nas mentes dos aspirantes a criadores de novos empreendimentos, mas como costumo dizer: “no fim do dia, o que importa é a capacidade de executar”. De acordo com o IBGE, entre os motivos para empresas terem que fechar as portas estão problemas de gestão, como falta de capacitação e planejamento. O que é pouco debatido, porém vital , sobretudo os disruptivos, é acertar o “timing” no qual o empreendimento deve ser operacionalizado.
Empreendedores precisam ter em mente que uma boa ideia, nascida com a premissa de revolucionar a forma pela qual são feitas as coisas, ou servir de atalho para retirar de cena antigos processos complexos, precisa ser colocada em prática no tempo certo, não bastando somente uma boa gestão e execução da operação, por melhor que a equipe seja.
Portanto, é papel do fundador se aprofundar em análises de mercado previamente ao início da operação, fugindo do feeling otimista de que as coisas darão certo. Entrar antes ou depois da janela de oportunidade de um negócio irá representar o fim da empresa.
Eu, por exemplo, já cometi o erro de não dimensionar o mercado em que queria atuar quando fundei uma de minhas primeiras empresas, a E-Spartan. A ideia surgiu quando obtive vários seguidores da empresa no Twitter, me levando a intuir que o mercado brasileiro estava pronto para uma companhia de gamificação em mídias sociais, com o objetivo de gerenciar promoções online para diversas empresas. A verdade, nesse caso, é que, no embate entre expectativa e realidade, esta última venceu. Eu fali. Não havia mercado grande o bastante, no início dos anos 2000, para o meu produto e a empresa conseguiu apenas dois clientes em seus oito meses de existência.
No entanto, há recursos que podem ser aplicados para se evitar percalços no caminho, como explica Pete Flint, sócio do fundo de Venture Capital NFX, ao mencionar a Teoria da Massa Crítica de Startups. Trata-se de um ponto de inflexão para quando um produto ou mercado passa por uma transformação rápida, aparentemente da noite para o dia. Pela fórmula, é possível distinguir um ponto de massa crítica para dar início a alguma operação nova ou negócio. São elas: ímpeto econômico, tecnologia capacitadora e aceitação cultural. Essas variáveis podem ser classificadas como circunstâncias externas. Ao compreendê-las, assim como o poder de sua confluência, é possível identificar novas oportunidades de inicialização, como sequenciar a alocação de recursos e determinar o destino de sua startup.
Pré-condição 1: tecnologias capacitadoras
Um fator crítico para acertar o tempo é a pré-existência de tecnologias facilitadoras. Assistentes virtuais (Alexa), serviços de streaming (Twitch, Netflix), compartilhamento de passeio (99, Uber) e wearables (AirPods) são insustentáveis sem tecnologia, como reconhecimento de voz de baixa latência, smartphones, Bluetooth e sensores, respectivamente.
Logo, estar à frente do seu tempo pode ser a mesma coisa que estar errado. E se uma startup entrar em um mercado sem a estrutura certa de tecnologias habilitadoras, é improvável que ela consiga ganhar força no nicho almejado. A exemplo dos grandes fundadores, é preciso ter uma compreensão clara da trajetória das tecnologias emergentes e de quando estarão à beira de uma transição que permitirá experiências transformacionais de produtos.
Pré-condição 2: ímpeto econômico
Um dos mandamentos de fundadores de startups é estar constantemente buscando uma maneira melhor de fazer as coisas, ou seja, permanecer na vanguarda da tecnologia. Ao mesmo tempo em que os principais fundadores precisam ter visão, eles necessitam igualmente acompanhar de perto as tendências econômicas, pois o ímpeto econômico pode criar novas oportunidades, como quando o fornecimento de um produto ou serviço muda de não lucrativo para lucrativo ou quando um nicho de mercado anterior passa por alguma transformação deixando de ser pequeno para se tornar significativo. E se você não está observando as tendências econômicas e aplicando-as aos problemas que a sua startup está resolvendo, provavelmente está perdendo grandes oportunidades.
Uma manifestação disso está enraizada nas economias de escala. Quando algo que era caro se torna barato, cria um ímpeto econômico que pode abalar o que é adotado no mainstream.
Pré-condição 3: aceitação cultural
A maneira como interagimos com a tecnologia se transforma rapidamente. E, conforme vão modificando os comportamentos, a viabilidade de uma categoria de mercado também pode passar por alterações profundas. As startups geralmente se beneficiam do trabalho pesado feito por seus predecessores — pioneiros que mudaram os padrões culturais e, posteriormente, os comportamentos. Observe que 20 anos de “reprogramação cultural” foram necessários para o sucesso do Instagram, cujo êxito tem por trás desde o lançamento de plataformas de blogging e vlogging passando pelo Facebook e pela cultura de “selfies”. O que os predecessores do Instagram fizeram foi desenvolver uma consciência coletiva onde o compartilhamento online é aceito e praticamente obrigatório. A aceitação cultural pode parecer intangível, mas é uma parte crucial da equação da massa crítica.
Atravessar a janela de oportunidades
Avaliar os três princípios da fórmula é essencial antes de colocar qualquer operação de pé. Eu garanto que não importa o quão bom você seja, se você iniciar um negócio fora do “timing”, ele não vai se sustentar. Assim, depois dessa experiência com a E-Spartan, eu me tornei praticamente um obcecado por informações de mercado.
Por conta disso, recomendo plataformas como o Statista e a CB Insights, que reúnem milhares de pesquisas e análises sobre diversos mercados. Esses sites reunem desde gráficos sobre as vendas de tênis dos astros do basquete da NBA nos Estados Unidos, até listagens sobre os maiores mercados de e-commerce B2C do mundo. Muitos dos relatórios são gratuitos e ajudam a dimensionar aquilo que você está pensando em viabilizar.
Sempre considere que o cenário econômico pode criar novas oportunidades, como, por exemplo, quando o fornecimento de um produto ou serviço muda de não lucrativo para lucrativo. Os dados econômicos também têm a capacidade de oferecer as direções de um nicho de mercado. Você poderá saber se está mudando de tamanho, se deixou de ser pequeno e passou a ser significativo. E preste atenção: se você não está observando as tendências econômicas e as aplicando aos problemas de sua startup, provavelmente estará perdendo grandes oportunidades.
As premissas levantadas acima estão enraizadas nas economias de escala, como observa Flint, sócio da NFX. Pode observar: quando algo que era caro se torna barato acaba desencadeando um impulso econômico, modificando os hábitos de consumo do “mainstream”. Por exemplo, dispositivos off-grid — sistema não conectado à rede elétrica que armazena a energia solar excedente em baterias — só proliferaram realmente quando o custo dos painéis solares caiu, o que possibilitou a concepção de produtos totalmente novos.
Outra situação emblemática que ilustra bem o fenômeno da metamorfose da economia: os carros elétricos da Tesla tornaram-se muito mais viáveis quando o “boom” dos telefones celulares baixou os preços das baterias. E, por fim, os custos mais baixos nos processamento dos dispositivos (Lei de Moore) criou uma oportunidade para a revolução do smartphone.
Atente para o fato de que o inverso dessa dinâmica — quando algo que antes era barato se torna caro — também é um fator capaz de criar novas oportunidades de mercado. Temos exemplos disso nos custos altos de mão de obra que acabaram dando origem à economia de gig (empresas ou empregadores que optam por contratar funcionários independentes, os freelancers, em vez de optar por funcionários em período integral) e startups como a TaskRabbit, Postmates e DoorDash.
Portanto, mergulhe em questionamentos e análises antes de optar por ser revolucionário e aprofunde-se em reflexões e levantamentos relacionados aos três pilares: tecnologias capacitadoras, ímpeto econômico e aceitação cultural, pois serão fatores mandatórios para que a sua tech company tenha sucesso.
Este artigo foi produzido por Tallis Gomes, co-fundador e mentor do Gestão 4.0, fundador da Singu e da Easy Taxi e colunista da MIT Technology Review Brasil.