Nota de Arthur Obermayer, amigo do autor:
Em 1959, eu trabalhava como cientista na Allied Research Associates em Boston. A empresa era uma filial da MIT que originalmente focava nos efeitos das armas nucleares em estruturas de aeronaves. A empresa recebeu um contrato com o acrônimo GLIPAR (Guide Line Identification Program for Antimissile Research) da Advanced Research Projects Agency para conseguir as abordagens mais criativas possíveis para um sistema de defesa contra mísseis balísticos. O governo reconheceu que, independentemente de quanto fosse gasto na melhoria e expansão da tecnologia atual, ele permaneceria inadequado. Eles queriam que nós e outros contratados pensássemos “fora da caixa”.
Esta história faz parte da nossa edição de janeiro/ 2015.
A primeira vez em que eu fiquei envolvido no projeto, eu sugeri que Isaac Asimov, que era um grande amigo meu, seria uma pessoa apropriada para participar. Ele expressou seu interesse e participou de algumas reuniões. Eventualmente, ele decidiu por não continuar, porque ele não queria ter acesso a nenhuma informação secreta classificada; isso iria limitar sua liberdade de expressão. Antes de partir, no entanto, ele escreveu este ensaio sobre criatividade como sua única contribuição formal. Este ensaio nunca foi publicado ou usado fora do nosso pequeno grupo. Quando o redescobri, recentemente, enquanto limpava alguns arquivos antigos, me dei conta de que seu conteúdo continua tão relevante hoje quanto quando ele escreveu. Ele descreve não apenas o processo criativo e a natureza das pessoas criativas, mas também o tipo de ambiente que promove a criatividade.
Sobre Criatividade
Como as pessoas têm novas ideias?
Presumivelmente, o processo de criatividade, seja ele qual for, é essencialmente o mesmo em todos os seus ramos e variedades, de modo que a evolução de uma nova forma artística, um novo mecanismo, princípio científico, todos envolvem fatores comuns. Estamos mais interessados na “criação” de um novo princípio científico ou na nova aplicação de um antigo, mas podemos ser genéricos aqui.
Uma maneira de investigar o problema é considerar as grandes ideias do passado e ver como elas foram geradas. Infelizmente, o método de geração não é claro nem mesmo para os próprios “geradores”.
Mas e se a mesma ideia revolucionária ocorresse a dois homens, simultânea e independentemente? Talvez, os fatores comuns envolvidos sejam esclarecedores. Considere a teoria da evolução pela seleção natural, criada independentemente tanto por Charles Darwin quanto por Alfred Wallace.
Neste caso, existem muitos pontos em comum. Ambos viajaram para lugares distantes, observando espécies estranhas de animais e plantas e a maneira como variavam de lugar para lugar. Ambos estavam profundamente interessados em encontrar uma explicação para isso e falharam até que cada um deles leu o “Ensaio sobre o Princípio da População” de Malthus.
Ambos então viram como a noção de superpopulação e esgotamento (que Malthus havia aplicado aos seres humanos) se encaixaria na doutrina da evolução pela seleção natural (se aplicada às espécies em geral).
Obviamente, então, o que é necessário não são apenas pessoas com uma boa formação em uma área específica, mas também pessoas capazes de estabelecer uma conexão entre o item 1 e o item 2 que podem não parecer usualmente conectados.
Sem dúvida, na primeira metade do século XIX, muitos naturalistas haviam estudado a maneira pela qual as espécies se diferenciavam entre si. Muitas pessoas leram Malthus. Talvez alguns tenham estudado as espécies e ainda leram Malthus. Mas o que você precisava era de alguém que estudasse espécies, lesse Malthus e tivesse a capacidade de fazer uma conexão cruzada.
Esse é o ponto crucial que é uma característica rara que deve ser encontrada. Uma vez que a conexão cruzada é feita, ela se torna óbvia. Thomas H. Huxley deveria ter exclamado depois de ler A Origem das Espécies: “Que estúpido da minha parte não ter pensado nisso”.
Mas por que ele não pensou nisso? A história do pensamento humano poderia fazer parecer que há dificuldade em pensar em uma ideia, mesmo quando todos os fatos estão sobre a mesa. Fazer a conexão cruzada requer certa ousadia. É indispensável, pois qualquer conexão cruzada que não exija ousadia é realizada de uma só vez por muitos e se desenvolve não como uma “nova ideia”, mas como um mero “corolário de uma velha ideia”.
Uma nova ideia parece razoável só depois. Para começar, normalmente elas parecem sem sentido. Parecia a máxima insensatez supor que a Terra era redonda em vez de plana, ou que ela quem se movia em vez do sol, ou que os objetos exigiam uma força para detê-los quando em movimento, em vez de uma força para mantê-los em movimento, e assim por diante.
Uma pessoa disposta a seguir em frente enfrentando a razão, autoridade e bom senso deve ser uma pessoa de considerável autoconfiança. Como ela aparece apenas raramente, ela deve parecer excêntrica (pelo menos nesse aspecto) para o resto de nós. Uma pessoa excêntrica em um aspecto o é frequentemente em outros.
Consequentemente, a pessoa com maior probabilidade de obter novas ideias é uma pessoa de boa formação na área de interesse e alguém que não é convencional em seus hábitos. (Ser um maluco não é, no entanto, suficiente por si só).
Depois de ter as pessoas que você deseja, a próxima pergunta é: você deseja reuni-las para que possam discutir o problema mutuamente ou você deve informar cada um deles e permitir que eles trabalhem isoladamente?
Minha opinião é que, no que diz respeito à criatividade, é necessário isolamento. A pessoa criativa está, de qualquer forma, trabalhando continuamente. Sua mente embaralha as informações o tempo todo, mesmo quando ele ou ela não está consciente disso. (O famoso exemplo do Kekule que descobriu a estrutura do benzeno durante o sono é bem conhecido).
A presença de outras pessoas pode apenas inibir esse processo, uma vez que a criação é embaraçosa. Para cada nova boa ideia que você tem, existem cem, dez mil idiotas, que você naturalmente não deseja mostrar.
No entanto, uma reunião dessas pessoas pode ser desejável por outras razões que não o próprio ato da criação.
Duas pessoas não conseguem duplicar exatamente o acervo mental uma da outra. Uma pessoa pode conhecer A e não B, outra pode conhecer B e não A, e, mesmo conhecendo A e B, ambas podem ter a ideia – embora não necessariamente de uma vez ou mesmo a curto prazo.
Além disso, as informações podem não ser apenas dos itens individuais A e B, mas também de combinações como A-B, que por si só não são significativas. No entanto, se uma pessoa menciona a combinação incomum de A-B e outra a combinação incomum A-C, pode ser que a combinação A-B-C, que nenhum dos dois tenha pensado separadamente, possa dar uma resposta.
Parece-me então que o objetivo das reuniões mentais (ou cerebração) não são para pensar em novas ideias, mas educar os participantes em fatos e combinações de fatos, em teorias e divagações.
Mas como convencer as pessoas criativas a fazerem isso? Em primeiro lugar, deve haver conforto, descontração e um senso geral de permissividade. O mundo em geral desaprova a criatividade, e ser criativo em público é particularmente ruim. Até mesmo especular em público é bastante inquietante. Os indivíduos devem, portanto, ter a sensação de que os outros não se opõem.
Se um único indivíduo presente não estiver de acordo com a loucura necessária nesses grupos, os outros congelariam. O indivíduo antipático à prática pode ser uma mina de ouro da informação, mas o dano que ele causa não compensa. Parece-me necessário, então, que todas as pessoas em uma sessão estejam dispostas a parecer tolas e ouvir as outras parecerem tolas.
Se um único indivíduo presente tem uma reputação muito melhor do que os outros, ou for mais articulado ou tem uma personalidade claramente mais imponente, ele pode dominar a reunião e reduzir o restante a pouco mais do que uma obediência passiva. O próprio indivíduo pode ser extremamente útil, mas pode ser colocado para trabalhar sozinho, pois está neutralizando o resto.
O número ideal do grupo provavelmente não seria muito alto. Acho que não seriam desejados mais do que cinco. Um grupo maior pode ter um suprimento total de informações maior, mas haveria a tensão de esperar para falar, o que pode ser muito frustrante. Provavelmente seria melhor ter um número de sessões nas quais as pessoas presentes variariam, em vez de uma sessão incluindo todas elas. (Isso envolveria uma certa repetição, mas mesmo isso não é, por si só, indesejável. Não é o que as pessoas dizem nessas sessões, mas o que elas inspiram umas nas outras mais tarde).
Para melhores resultados, deve haver um sentimento de informalidade. Jovialidade, uso do primeiro nome, piadas e brincadeiras descontraídas são, penso eu, a essência – não em si mesmas, mas porque incentivam a disposição de se envolver na loucura da criatividade. Para esse efeito, acho que um encontro na casa de alguém ou à mesa em um restaurante seja talvez mais útil do que em uma sala de reuniões.
Provavelmente mais inibidor do que qualquer outra coisa é um sentimento de responsabilidade. As maiores ideias da história vieram de pessoas que não foram pagas para ter ótimas ideias, e sim para serem professores, funcionários de patentes ou oficiais insignificantes, ou que não foram pagas de forma alguma. As grandes ideias surgiram como questões secundárias.
Sentir-se culpado por não ter ganho um salário porque não teve uma ótima ideia é, na minha opinião, a maneira mais garantida de não obter grandes ideias no futuro também.
No entanto, sua empresa está conduzindo esse programa de cerebração com verbas do governo. Apenas pensar em deputados ou na audiência do público em geral ouvindo que os cientistas se dedicam a brincar, contar piadas sujas, talvez às custas do governo, me faz suar frio. De fato, o cientista médio tem consciência pública suficiente para não querer sentir como se estivesse fazendo isso, mesmo que ninguém descubra.
Eu sugeriria que os membros de uma sessão de cerebração recebessem tarefas sérias – relatórios curtos para escrever, resumos de suas conclusões ou respostas breves para os problemas sugeridos – e fossem pagos por isso, sendo o pagamento a taxa que normalmente seria paga para a sessão. A reunião seria então oficialmente não remunerada e isso também permitiria uma tranquilidade considerável.
Não creio que as pessoas possam ser deixadas sem orientação. Deve haver alguém no comando que desempenhe um papel equivalente ao de um psicanalista. Um psicanalista, como eu o entendo, faz as perguntas certas (e salvo por isso, interfere o mínimo possível), leva o próprio paciente a discutir sua vida passada, de modo a obter uma nova compreensão dela aos seus próprios olhos.
Da mesma forma, um árbitro de sessão terá que ficar sentado, atiçando os animais, fazendo perguntas perspicazes, comentários necessários e trazendo-os gentilmente de volta ao assunto. Como o árbitro não saberá qual pergunta é astuta ou que comentário é necessário e qual é o objetivo, não será uma tarefa fácil.
Quanto aos “instrumentos” projetados para estimular a criatividade, acho que eles deveriam surgir das próprias discussões. Quando completamente relaxados, livres de responsabilidade, discutindo algo de seu interesse e, por natureza, não convencionais, os próprios participantes criarão dispositivos para estimular a discussão.
Publicado com permissão da Asimov Holdings.