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A leishmaniose é uma doença infecciosa, não contagiosa, causada por um protozoário e caracterizada pela erupção de lesões e feridas na pele e nas mucosas. Mas existe outra manifestação clínica, a visceral, que provoca sintomas como anemia, perda de peso, desnutrição e febre. Se não for tratada, pode levar à morte. A transmissão ocorre por meio da picada do mosquito-palha e insetos hematófagos (que se alimentam de sangue). Segundo dados da Organização Pan-Americana da Saúde, a leishmaniose está entre as dez principais doenças tropicais negligenciadas do mundo, sendo que quatro países concentram 68% de todos os casos viscerais: Índia, Sudão, Quênia e Brasil.
Por aqui, a incidência da doença ocorre de maneira desproporcional: enquanto a média nacional é de 8,6 casos para cada 100 mil habitantes, na Região Norte, o índice é de 46,4 casos para cada 100 mil habitantes, de acordo com o Ministério da Saúde. Por essa razão, a rotina do médico Jorge Augusto de Oliveira Guerra é intensa. Não apenas pelos títulos de pesquisador, de mestre em Medicina Tropical pela Fundação Oswaldo Cruz e de doutor em Doenças Tropicais e Infeciosas pela Universidade do Estado do Amazonas, como (e principalmente) porque ele é o único médico da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus especialista em leishmaniose, a quem dezenas de agentes de saúde recorrem na busca de um diagnóstico assertivo.
Como será o dia em que ele se aposentar? E se a tecnologia puder espalhar o conhecimento do dr. Guerra, tornando-o presente nos locais mais remotos da região, onde ele consegue chegar hoje? Esse é um dos desafios para os quais o novo Centro de Inovação do Hospital Israelita Albert Einstein, inaugurado no mês de abril, em Manaus, tem buscado respostas.
“Estamos desenvolvendo um aplicativo para funcionar off-line e o agente de saúde ou um médico não especialista consegue tirar uma foto de uma lesão de pele e o algoritmo vai dar a probabilidade de ser ou não leishmaniose”, explica a gerente de Inovação e responsável pelo centro de Manaus, Gabriela Xavier. O projeto surgiu justamente porque, na capital amazonense, existem poucos especialistas na doença e que recebem muitas fotos do interior do estado pedindo ajuda. “Infelizmente, o diagnóstico hoje demora muito pela falta de profissionais especializados”, lamenta.
O projeto, que tem aporte do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), está em fase de treinamento do algoritmo, que foi desenvolvido a partir de uma base de imagens coletadas com a Fundação de Medicina Tropical e com o Instituto Evandro Chagas, no Pará.
O exemplo ilustra bem a proposta do novo hub na capital amazonense: inovar olhando para as necessidades da região, aproveitando a expertise e o ecossistema local para superar dificuldades já mapeadas. Segundo Gabriela, o centro terá foco no incentivo ao empreendedorismo e desenvolvimento de soluções com base científico-tecnológica para problema locais.
Na avaliação do diretor de Inovação do Einstein, Rodrigo Demarch, essa combinação permitirá não apenas resultados positivos como também um impacto real para a comunidade. O centro em Manaus é a quarta unidade de Inovação do Einstein — e a instituição está aberta a novas parcerias na Região Amazônica, seja com instituições de ensino, seja com a indústria local.
“Acreditamos na inovação centrada no usuário, entendendo suas dores e com a sua participação durante o desenvolvimento. Entendemos que as parcerias podem somar em diversos pontos, como a expertise local, o financiamento de iniciativas e as trocas de conhecimento”, afirma Demarch.
Captando recursos e prospectando parceiros
Além da ferramenta diagnóstica para leishmaniose, o centro já conta com outros dois projetos em andamento. Um deles é o SAMPa, o Sistema Astuto para Monitoramento de Pré-natal, que usa Inteligência Artificial generativa em modelos de grandes linguagens, chamados de LLM (do inglês: Large Language Model) para reduzir o índice de mortalidade materna, como já divulgado na MIT Technology Review Brasil.
Desenvolvido com o apoio da Fundação Bill e Melinda Gates, o SAMPa usa a IA como “assistente” em consultas pré-natal, auxiliando médicos não especialistas. A tecnologia consegue, assim, transcrever o áudio da consulta e, após análise com base em um banco de dados com mais de 2 mil artigos médicos, sugerir ao profissional perguntas a serem feitas e condutas para acompanhamento. Já para a gestante, a ferramenta disponibiliza um material de apoio pós-atendimento.
Já o segundo projeto é feito em parceria com a OEA (Organização dos Estados Americanos) para fomentar a criação de startups de biotecnologia. Para tanto, serão ofertadas bolsas de estudo para 20 alunos da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) em um programa de especialização em Bioinformática, com foco em empreendedorismo para incentivar a criação de startups e, assim, fomentar novas iniciativas entre os alunos.
“Queremos usar técnicas que já dominamos no Einstein, como Omics [campo de estudo em genômica, proteômica e metabolômica] e toda a parte de genética, para treinar alunos para aprender isso. São técnicas avançadas, complexas, mas que acreditamos que têm muito potencial na Amazônia, porque é muito parecido você fazer essas análises para campos como floresta, biodiversidade e mapeamento de drogas. Bioinformática é um programa de ensino muito raro no Brasil, é uma mão de obra muito especializada e estamos levando esse conhecimento para lá, de forma a incentivar novos empreendimentos nessa área”, diz Livia Oliveira-Ciabati, coordenadora de Inovação do Einstein.
Por fim, há um terceiro tema em avaliação para o desenvolvimento de novos projetos, que é a saúde dos colaboradores, tanto do ponto de vista de ergonomia como de saúde mental, considerando o cenário encontrado nas indústrias em operação na Zona Franca de Manaus.
“Temos uma ideia de que usar tecnologias como visão computacional para construir alertas para erros de produção ou para lesões por esforços repetitivos”, detalha Gabriela Xavier.
No geral, a ideia é que a atividade do centro seja expandida por meio da busca de novos parceiros em diversas frentes. Demarch destaca ainda o potencial da unidade para projetos e pesquisas futuras com foco no aquecimento global e nas mudanças climáticas, especialmente pela capacidade que o tema tem de extrapolar demandas locais e tomar proporções maiores, contribuindo para um desafio que é hoje do planeta inteiro. “Queremos compreender melhor como as mudanças climáticas podem impactar questões relacionadas à saúde humana e criar soluções inovadoras que possam mitigar esse impacto”, afirma.
Por Carolina Abelin, redatora de Saúde na MIT Technology Review