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Há 14 anos o número de pessoas com mais de 65 anos no Brasil representava 7,4% da população, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, a porcentagem subiu para 10,9%, representando um crescimento de mais de 55%. Além da mudança na pirâmide etária, outro fenômeno teve forte impacto nas últimas décadas no país: uma transição epidemiológica da maior prevalência de doenças infecciosas, parasitárias, perinatais e nutricionais para doenças crônico-degenerativas.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) do IBGE divulgada em 2020 apontou que 52% dos brasileiros adultos têm pelo menos uma doença crônica, figurando entre as mais comuns a hipertensão arterial e a diabetes. É diante desse cenário que o setor da saúde vem se aprofundando em discussões e práticas em Gestão de Saúde Populacional. Para o diretor técnico da Aliança para a Saúde Populacional (ASAP), Fábio Gonçalves, o conceito é definido pela otimização de recursos e aposta em melhora na assistência com foco em uma determinada população.
“O conceito que nós usamos na ASAP é de uma abordagem coesa, integrada e abrangente para com os cuidados em saúde, em que é preciso considerar três grandes eixos: distribuição dos resultados de saúde dentro de uma população; os determinantes de saúde que influenciam essa distribuição no cuidado; e simultaneamente as políticas e intervenções que impactam e são impactadas por esses determinantes. Em outras palavras, é fazer o que é necessário para aquele paciente, naquela situação específica, naquela condição em que ele se apresenta, no momento certo, no lugar correto. Não é fazer demais e nem deixar de fazer, é dar o tom correto do tratamento e de utilização de recursos. Esse é basicamente um conceito de Avedis Donabedian [pesquisador que se destacou no campo do estudo da qualidade em saúde], que há tempos fala sobre qualidade e eficiência”, explica.
A partir dessa definição, é preciso primeiro analisar as necessidades daquela população segmentada e, então, encontrar estratégias para fazer intervenções que possam colocar o conceito em prática. O executivo destaca que nesse tipo de gestão é imprescindível o casamento de dois fatores: informação e proatividade, ou seja, ter conhecimento do público e agir com base em dados para melhorar entrega e eficiência.
“Dependendo do tipo de intervenção, isso vai fazer uma composição orçamentária do tipo de cuidado que eu vou ofertar. Por exemplo, se temos uma população de 10 mil vidas e eu sou uma empresa, será que eu sozinho consigo fazer essa oferta? Talvez, não. Então, quem no mercado pode me ajudar? Por outro lado, se eu tenho uma carteira de 5 milhões de vidas no meu plano de saúde, talvez eu tenha condição de fazer um trabalho melhor. Depois disso, eu preciso traduzir todas essas ações e iniciativas em métricas que me possibilitem avaliar se estou indo na direção correta ou não”, avalia.
Contudo, Fábio pondera sobre a necessidade de consciência de que os frutos desse tipo de gestão são colhidos no longo prazo, já que é preciso tempo para mensurar os resultados das ações implementadas.
“Caso contrário, há uma assimetria de informações e alocação de recursos, em que se aloca recursos com uma determinada expectativa e, se ela não acontece, retira-se o recurso. Não há tempo suficiente para determinadas iniciativas que têm um potencial imenso demonstrarem retorno positivo dos investimentos nessa área”, observa.
Um modelo calcado na mudança de hábito
Historicamente a medicina esteve orientada para a prática de combate a males e doenças. Assim também se constituíram os sistemas de saúde, sejam eles públicos ou privados, em um formato muito mais reativo do que preventivo. Em Gestão de Saúde Populacional, existe o esforço de inverter essa lógica e de focar na promoção de saúde. O ditado popular é antigo: “prevenir é melhor do que remediar”. No entanto, a mudança cultural em relação ao que é praticado há anos é um processo que exige paciência.
“Sempre achamos que as autogestões tinham melhores condições de promover programas de saúde populacional como a gestão de crônicos, porque a nossa população flutua menos do que a de outras operadoras, mas isso não é tão simples para nenhuma das duas, posto que é preciso haver mudança de hábitos”, afirma o presidente da Caixa de Assistência Oswaldo Cruz (FioSaúde), José Antônio Diniz de Oliveira.
A FioSaúde é uma autogestão que nasceu em 1991 com o objetivo de atender à demanda dos servidores da Fiocruz, oferecendo uma alternativa de atendimento médico e hospitalar. Hoje, a operadora administra 13 mil vidas.
“A premissa é a seguinte: se eu fizer um monitoramento de um grupo de diabéticos, fizer uma conscientização e depois propuser ações, como melhora na alimentação e prática regular de atividade física, teoricamente você está estabilizando esse paciente. Ele deixa de ir ao pronto-socorro e de se internar, mas a mudança de hábito é lenta, não ocorre do dia para a noite”, exemplifica o executivo.
Segundo Diniz, foi com base no conceito de Gestão em Saúde Populacional que a FioSaúde implementou, em 2021, uma importante estratégia de acompanhamento aos pacientes com câncer. O Programa de Atenção ao Paciente Oncológico consiste no fornecimento de orientação e apoio em todas as fases da doença, do o diagnóstico ao tratamento.
“Essa ferramenta enseja que eu saiba sobre a autorização de uma biopsia de mama, por exemplo, para que possamos oferecer apoio. Caso o câncer se confirme, a gente pega na mão desse paciente e ele não se sente sozinho. Nós agilizamos desde os exames da fase diagnóstica até os exames pré-operatórios. No tratamento oncológico, quanto menor for o tempo entre o diagnóstico e a intervenção maior, maior é a chance de sucesso e de remissão desse câncer. Isso é fazer gestão de saúde populacional”, avalia o presidente da FioSaúde.
Diniz relata um feedback positivo por parte dos pacientes assistidos, mas a FioSaúde ainda trabalha para conseguir mensurar os resultados do programa de maneira mais aprofundada. De acordo com ele, já se sabe que o tempo médio de internação e o tempo médio de recuperação dos pacientes é menor. Ainda é necessário construir um indicador de redução de custos.
“Queremos ver se há um padrão de números de quimioterapia, de radioterapia, por exemplo. Se o padrão for 10 e a gente estiver conseguindo fazer a remissão com cinco ou seis, já é possível mensurar a nossa intervenção. Não é simples. Está sendo um grande desafio, porque não é possível ser leviano na metodologia, principalmente para poder mensurar custo per capita reduzido. Eu tenho plena consciência, enquanto gestor, de que o que eu estou colocando de recursos para esse esforço de gestão precisa trazer mais resultado do que o modelo tradicional. O feeling diz que não há dúvidas, mas feeling não basta. É preciso ter indicadores construídos com metodologias validadas, testadas e sem viés”, afirma.
IA e uso de dados para mais eficiência
O programa implementado pela FioSaúde foi consequência de um movimento de modernização da operadora a partir do investimento em estratégias de Inteligência Artificial (IA). De acordo com o presidente, uma empresa foi contratada para analisar a base de dados disponível e criar uma solução que pudesse interligar essas informações para trazer insights.
O uso de ferramentas de IA é uma estratégia relevante para escalar a potencialidade dos dados e trazer eficiência na perspectiva da saúde populacional. O médico Arthur Geise, que ministra o curso de Eficiência e Uso de Dados na Gestão da Saúde Populacional no Hospital Israelita Albert Einstein, alerta que ter uma grande quantidade de dados à disposição não é sinônimo de sucesso. A assertividade depende muito mais de saber quais dados devem ser coletados e para qual objetivo, segundo o especialista. “Antes de ter o maior número de variáveis, é necessário entender muito bem o que você quer. É preciso fazer a pergunta certa ou chegaremos em uma excelente resposta errada”.
O especialista observa ainda que os dados precisam ser transformados em ações, posto que nada adianta investir em coletá-los de maneira estruturada, construir uma boa base e desperdiçar informações. Na avaliação de Geise, esse é um dos principais desafios da saúde suplementar.
“É um desafio fazer a transição de medir doença para medir saúde, mas existem algumas maneiras. Podemos pegar alguns fatores comuns, por exemplo, fazendo perguntas simples: “Quantos minutos de exercício físico você faz por dia?” ou “Você faz alguma atividade física de alta intensidade?”. Você vai abordar as pessoas que derem respostas negativas. É a tentativa de se chegar o mais próximo possível da realidade. É nessa subjetividade que a IA mais pode agregar, explorando comportamentos pequenos que eu não consigo medir de forma objetiva”, analisa.