IA e ChatGPT são criações inevitáveis do nosso tempo, assim como os benefícios da sua democratização
Humanos e tecnologia

IA e ChatGPT são criações inevitáveis do nosso tempo, assim como os benefícios da sua democratização

Notícias sobre IA e chats costumam acender discussões sobre o futuro do emprego, assim como aconteceu diversas vezes na sociedade: da invenção da lâmpada elétrica à revolução industrial. IA é a revolução do nosso tempo, e seus benefícios para a sociedade podem ser muito maiores do que os riscos apontados por alarmistas.

Artigo recente de um jornalista americano ganhou repercussão ao dizer que após horas de conversa com o ChatGPT ele não conseguiu dormir, de tão assustado. Segundo ele, o chat fez declarações de amor, revelou desejos secretos, expressou sentimentos e até fez julgamentos morais sobre o casamento do repórter. 

Estes entendimentos, porém, são impressões do jornalista. São ilusões. Suas afirmações podem ter sido feitas por inocência, alarmismo ou pela vontade de caçar leitores e likes. 

Por este motivo, é importante dar um passo atrás e desmistificar a Inteligência Artificial antes de seguir com os temas de educação e emprego. Em uma frase: o ChatGPT é um enorme autocompletar de e-mails.  

Esta IA Generativa trabalha a partir de milhões de padrões encontrados em informações do passado. Assim, são construídos os algoritmos e, dessa forma, são sugeridas respostas às perguntas futuras. Da mesma forma que um sistema de e-mail sugere o final de uma frase enquanto se escreve, o chat  faz sentenças maiores e melhores. É uma evolução. 

A lógica é a mesma.  

Aos que replicaram o texto do jornalista americano, um recado: o sujeito se apaixonou por um autocompletar de e-mail, assim como aquele que completa a busca da pergunta “como comprar” com “como comprar na internet”. 

A IA existe há mais de 40 anos. É a união de Estatística com Computação. A evolução da tecnologia, da conexão entre os dispositivos, a abundância de dados e do poder de processamento criaram respostas em forma de texto, inevitáveis para o nosso tempo. 

A novidade é que, por este motivo – “entender” e escrever em formato de textos –, ela foi democratizada para o usuário comum. Isso dará à IA uma escala e popularização jamais vistas. E a sociedade vai crescer a partir daí. 

 

A invenção da lâmpada elétrica 

Embora a invenção da lâmpada elétrica seja creditada a Thomas Edison, outros 20 inventores já tinham criado e patenteado “filamentos de resistência que se iluminavam no vácuo” em diversos países antes dele. 

A necessidade de criar uma forma de iluminação artificial, a capacidade de divisão da corrente em pequenos fluxos para produzir luz moderada, assim como a fabricação de bulbos com vácuo ou nitrogênio, além da manipulação do grafite, fizeram com que fosse inevitável, naquele período da história, o aparecimento da lâmpada elétrica como conhecemos hoje. 

Desde o primeiro protótipo de Joseph Swan ao redor de 1850 até a década de 1870, quando as diversas patentes foram registradas, a lâmpada elétrica pouco progrediu. O que a popularizou, de verdade, foi a parceria com Thomas Edison. 

Depois de mais de seis mil materiais testados em mais de 50 mil experimentos, ele fez as lâmpadas finalmente serem mais seguras e baratas, tornando a luz artificial acessível, democratizando a inovação. O mundo mudou a partir daí. 

Matt Ridley, em seu livro “Como Surgem as Inovações” (Faro Editorial, 2023), conta essa história e conclui que “a lâmpada surgiu rigorosamente a partir das tecnologias combinadas existentes na época em questão. Estava fadada a surgir, tendo em vista o progresso de outras tecnologias”. 

O mesmo acontece hoje com a IA Generativa, inevitável na evolução da computação que vivemos hoje.  

O ChatGPT foi democratizado em uma interface que qualquer pessoa consegue utilizar. Embora outros chats e interfaces de texto tenham aparecido logo em seguida, a maioria já estava em desenvolvimento em laboratórios ao redor do mundo, assim como os diversos inventores da lâmpada. É por isso que não dá para frear a IA. 

 

O surgimento do Excel e o fim da profissão de escriturário 

Na década de 80, uma profissão muito comum dentro das empresas era a de escriturário. Junto deles, contadores e contabilistas eram responsáveis por fazer manualmente os balanços das empresas, bem como calcular cenários futuros a partir de mudanças em taxas, vendas, consumo, etc. 

Com o surgimento das planilhas eletrônicas, sendo a mais famosa o Excel em 1987, essa profissão que nos EUA, por exemplo, tinha mais de dois milhões de empregados, caiu pela metade em duas décadas. E continuou caindo. 

Esses profissionais foram substituídos uma vez que o “cálculo exato” passou a ser feito pela máquina, de forma mais rápida e com menores chances de erro. As empresas, que antes demoravam dias ou semanas para coletar informações e tomar decisões,  passaram a fazer esses serviços mais rapidamente. 

Tudo isso melhorou a vida das empresas e das pessoas que trabalham nelas.  

Isso é prosperidade. 

Enquanto diminuíam as ofertas de emprego para escriturários, aumentavam as vagas para, por exemplo,  analistas e gestores financeiros. Nelas, novas habilidades passaram a ser necessárias: cognitivas, críticas e menos exatas. 

Esse progresso, impulsionado pela tecnologia, desenvolveu empresas, melhorou o mercado e criou novas oportunidades. Como consequência, hoje há muito mais gestores financeiros (nova profissão) do que escriturários (velha profissão) no mundo. A adoção da tecnologia, bem como sua democratização, deixou um enorme saldo positivo para a geração de emprego. 

“Na década de 1860, o economista britânico William Stanley Jevons notou que, quando motores a vapor mais eficientes reduziam o carvão necessário para gerar energia, a energia a vapor se tornava mais difundida e o consumo de carvão aumentava.” 

Esta análise, que inclui o gráfico imperdível do emprego em linhas coloridas, foi feita por Greg Ip, economista do WSJ, em seu artigo “Nós sobrevivemos às planilhas e sobreviveremos à IA”. 

 

IA criando valor, no Brasil e no mundo 

A história se repete, agora com a Inteligência Artificial e sua democratização em diversas aplicações, gerando prosperidade e novas profissões. 

Algumas histórias foram contadas em artigos aqui na MIT Technology Review: o da seguradora que segue crescendo e contratando graças à sua superioridade em separar clientes propensos à compra digital; o das imobiliárias utilizando o ranqueamento de leads para ganhar eficiência; e o da empresa de bens de consumo encontrando seus consumidores de fralda na hora certa, melhorando a eficiência do investimento em publicidade. 

Em uma busca rápida, é possível encontrar ao menos uma dezena de startups brasileiras criando algoritmos para conceder crédito para mais pessoas, aquelas que ficavam de fora dos empréstimos dos grandes bancos pelas suas características sociodemográficas. Isso é democratização ao crédito e inclusão social. 

Diversos usos na saúde devem melhorar a expectativa e qualidade de vida da população. Há aplicativos que conseguem prever o diagnóstico de depressão a partir do uso do celular. Em outros casos, a descoberta de novas drogas é acelerada pelo uso de IA. Há até mesmo a necessidade dos testes de cosméticos em animais usando cenários com IA. 

Em artigo imperdível da MIT Technology Review americana, é contada a história de terapeutas usando IA para melhor a conversa com pacientes. “Cerca de uma em cada cinco pessoas tem uma doença mental em um determinado momento da vida, mas 75% das pessoas com doenças mentais não estão recebendo nenhum tipo de cuidado.” A tecnologia ajudará a democratizar o diagnóstico e o acesso. Isso é inclusão. 

Diversas startups de RH hoje desenvolvem algoritmos para ajudar processos seletivos a reduzirem o viés inconsciente dos empregadores.  

 

Educação 

Dois estudos recentes trazem luz ao uso do ChatGPT como ferramenta que auxilia professores e ajuda a nivelar (para cima) a qualidade do ensino e da aprendizagem. O primeiro, publicado pela Walton Family Foundation, analisa o uso por professores nos EUA para criarem ideias para suas aulas. Neste estudo, “professores negros (69%) e latinos (69%) relataram uma taxa maior de uso”. 

Outro estudo, citado na MIT Technology Review em artigo recente, traz a seguinte afirmação: “o ChatGPT aumentou a produtividade geral (até aí não foi surpresa), mas o resultado realmente interessante foi: a ferramenta de IA ajudou mais os trabalhadores menos qualificados e capacitados academicamente, diminuindo a diferença de desempenho entre os funcionários”. 

Chris Dede, pesquisador em tecnologias de educação de Harvard, disse: “se você educar as pessoas para coisas que a IA faz bem, você está preparando-as para perderem para IA”. 

O mesmo pensamento se aplica ao passado. É como dizer que treinar pessoas para serem escriturários, treiná-las para algo que será obsoleto no futuro. 

 

Emprego 

Por todos estes motivos, antes de pensar em “um pra um”, como se um emprego fosse eliminado para cada passo de evolução da tecnologia, é preciso entender que há uma criação maior de valor, positivamente desproporcional, benéfica para a evolução de todos, que precisará ser preenchida por novas profissões no futuro. 

Foi assim que o Excel não criou uma legião de desempregados. 

Quando centenas de prefeituras decidiram colocar flúor na água das cidades nos anos 80, uma queda gigantesca no tratamento de cáries diminuiu o fluxo nos consultórios odontológicos. Os dentistas não ficaram desempregados, mas seguiram criando valor com implantes dentários e, mais recentemente, com harmonizações faciais, etc. 

Outro tema dos anos 80 foi a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança nos carros. Uma drástica redução nos acidentes fez com que diminuíssem as cirurgias de face feitas por oftalmologistas, que hoje utilizam máquinas para outro tipo de cirurgia: a de eliminação do uso de óculos. 

As óticas e os fabricantes de óculos deveriam se unir para proibir as cirurgias de redução de grau ocular? É claro que não. Com o tempo, vão encontrar outros serviços de maior valor para o consumidor ou deveriam pensar na quantidade de pessoas que deveriam ter acesso a óculos e não têm como uma ótima meta para procurar resolver. 

 

Influenciadores 

Uma série de análises, artigos e estudos feitos entre 2010 e 2016 traziam títulos, como “Estaria o mercado fotográfico entrando em colapso?”. Autores analisavam a enorme queda na produção de máquinas convencionais, trazendo os números crescentes das lentes embutidas em telefones celulares. 

Antes de discutir a tragédia da Kodak, é preciso lembrar que a democratização das fotos, do acesso às câmeras nos telefones e a propagação das redes sociais criou uma nova profissão, a dos influenciadores. Ou seja, não se trata de um valor “um pra um”, mas de um desbloqueio para a sociedade que nos trouxe outras fontes de renda e valor. 

Diversos estudos, como o “Future of Creativity”, da Adobe, ou Influencity Marketing Hub, apontam para um número de 300 milhões de “criadores” no mundo e 10 milhões no Brasil. 

O impacto na economia é tão grande, que uma matéria do Jornal Extra de abril de 2023 trouxe o seguinte título: “Brasil já tem mais influenciadores digitais do que advogados e médicos”. Quem poderia imaginar essa profissão dez anos atrás? 

 

Karl Marx 

Sabendo que a IA e suas formas generativas são a inevitável revolução do nosso tempo, precisamos focar em como extrair valor, incluir pessoas, criar profissões e, assim, beneficiar a sociedade. O mundo está cheio de problemas para resolver e não faltarão algoritmos para ajudar. 

Por isso, a frase de Karl Marx segue tão atual: “O homem faz da sua atividade vital – o trabalho – um objeto da sua vontade e da sua consciência”. Ou seja, ele se diferencia dos animais por ser o único a pensar antes de agir, capaz de, por exemplo, imaginar uma cadeira antes de produzi-la. 

Imaginação e criatividade nunca foram tão importantes e nunca tiveram tanta ajuda como a oferecida pelas ferramentas de IA para democratizar e evoluir nossa sociedade. 

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