Novas tecnologias, analytics e transição energética foram alguns dos principais temas que marcaram o Web Summit Lisboa 2023. Mais de 70 mil participantes e 2,6 mil startups se encontraram para discutir o cenário global de tecnologia e inovação. Mas um fato que não passou despercebido foi a Inteligência Artificial como um tema central.
“Um debate que ficou bastante latente foi o da responsabilidade relacionada à tecnologia propriamente dita”, conta André Miceli, CEO e editor-chefe da MIT Technology Review Brasil, que mediou um dos painéis. “Por mais de uma vez, ouvimos que essas questões são, acima de tudo, sociais, questões humanas que acabam norteando o desenvolvimento. A tecnologia, por si só, não vai piorar, nem atenuar vieses e todas as questões discutidas em relação ao potencial de dano da IA. Essas preocupações têm muito mais a ver com a forma como vamos usá-la – nos algoritmos, nas redes sociais, nos produtos que criarmos.”
As discussões sobre regulação e inovação foram norteadas pelas preocupações éticas. Uma dessas preocupações é se as empresas que estão construindo soluções de IA hoje, estão fazendo isso, desde o início, pensando em uma tecnologia responsável. O posicionamento do mercado em relação a isso parece dividido: enquanto alguns são mais conservadores e temerosos em relação aos potenciais riscos da IA, outros estão dispostos a aproveitar o movimento para criar oportunidades de negócios.
“Acredito que não precisamos escolher um lado ou outro, não precisamos chegar nesse radicalismo”, reflete Rafael Coimbra, editor-executivo da MIT Technology Review Brasil que também foi um dos mediadores do evento. “O que eu percebo aqui é que há nuances e, ao mesmo tempo, não há fórmula mágica. Tem muita gente aqui [no evento], talvez, na expectativa de encontrar uma solução sobre o que fazer. Mas cada um terá que encontrar seu caminho, testar e, independentemente se for no setor público ou privado, colocar o cidadão e o consumidor em primeiro lugar. As diretrizes éticas da IA atenderem melhor às pessoas, acredito que seja o melhor caminho a seguir.”
Vídeo: Inteligência Artificial é destaque no Web Summit Lisboa 2023
As perspectivas sobre a integração da IA em soluções empresariais foram um destaque no evento. Palestras sobre literacia midiática na era da IA, o papel da IA no varejo online e discussões sobre regulamentação tiveram a participação de especialistas como Andrew McAffee, cientista do MIT, Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, Meredith Whittaker, CEO do aplicativo de mensagens Signal, e Kuo Zhang, CEO do Alibaba.com.
“O CEO do Alibaba, uma das maiores varejistas vendedoras do mundo, trouxe um conceito de comércio global e refletiu sobre como a tecnologia começa a eliminar determinadas fronteiras. (…) Por exemplo, hoje você tira uma foto e a Inteligência Artificial é capaz de, praticamente, criar um anúncio para qualquer pessoa vender em questão de segundos”, comenta Rafael Coimbra, lembrando do painel com a participação do empresário.
Na ocasião, Meredith Whittaker, do Signal, trouxe alguns contrapontos sobre o modelo das empresas que fazem negócios por meio dos dados das pessoas. “O que vimos de redes sociais e de marketplaces ao longo dos últimos dez, 15 anos foi o uso massivo de dados pessoais para gerar propaganda ou para entender quem somos nós e vender produtos”, com isso Whittaker provocou uma reflexão sobre a necessidade de novas abordagens para uso de dados, a fim de rever essas questões de privacidade, como soluções de assinatura para permissão de acesso a dados e até soluções de blockchain. “É uma visão interessante, mas do ponto de vista pragmático não sei se é tão eficiente. De qualquer maneira, é uma reflexão de olhar para o futuro e o presente, uma vez que a gente está construindo a IA nesse momento”, refletiu o editor-executivo da MIT Technology Review Brasil.
A reflexão sobre o futuro da IA incluiu ainda uma conversa com Jimmy Wales, fundador da Wikipedia, sobre a colaboração entre humanos e IA na construção de conteúdo, enfatizando a inevitabilidade da presença da tecnologia em nossas vidas e a necessidade de aprender a lidar com seus desafios.
Tecnologia na energia e no desenvolvimento de startups
No segundo dia, painéis sobre energia, com ênfase na discussão sobre energia limpa, políticas governamentais e a integração de novos modelos de produção de energia também foram destaques. Nesse sentido, as startups que lidam com transição energética trouxeram luz para o conceito de Deep Tech, pois requerem mais tempo e investimentos consideráveis devido à complexidade dos processos envolvidos.
“Uma das editoras da MIT Technology Review americana participou de um debate sobre o que torna uma startup um unicórnio. Ao longo da discussão, alguém mencionou que, na Índia, é muito difícil imaginar uma empresa rodar e gerar resultados financeiros positivos, dar retorno positivo sobre investimento dos seus investidores iniciais, com menos de oito anos. A gente ainda parece muito longe de ter essa paciência e essa grana no Brasil”, reflete Miceli. “Isso depende de um apetite financeiro e uma relação com dinheiro com a qual não estamos muito acostumados.”
A interseção entre Inteligência Artificial e transição climática foi pauta no terceiro dia, principalmente. Desde o uso de soluções de computação de áudio para detectar vazamentos de água até a sensorização de produções agrícolas para evitar desperdício de alimentos, os debates se voltaram para uma abordagem pragmática sobre o problema climático. Marketing e as novas ferramentas de compra e venda também foram explorados, com ênfase nas micro comunidades e no live commerce, que promovem transparência e confiança nas interações entre compradores e vendedores. O alerta final foi para a necessidade de mais transparência por parte das empresas que utilizam dados para desenvolver soluções relacionadas à Inteligência Artificial.
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Web Summit Lisboa aumenta participação feminina
O Web Summit Lisboa reuniu mais de 70 mil participantes, incluindo mais de 2,6 mil startups expositoras de mais de 85 países, 800 investidores e 300 parceiros. Mas o principal destaque é que quase um terço das startups participantes foram fundadas por mulheres.
Segundo o relatório anual sobre equidade de gênero na tecnologia do evento, ainda há desafios persistentes, como a falta de medidas adequadas contra a desigualdade em quase metade dos locais de trabalho. Os resultados da pesquisa apontam que 53,6% dos respondentes relataram ter experienciado sexismo no local de trabalho nos últimos 12 meses e 77,2% sentem que precisam trabalhar mais para provar suas capacidades devido ao seu gênero. Apesar disso, mais empreendedoras (76,1%) estão se sentindo capacitadas para buscar posições de liderança.
O Web Summit também fortaleceu parcerias com organizações que apoiam pessoas sub-representadas na indústria, como Girl Move, IT Education Development, Nô Bai, Earthed, ColorinTech, World Data League e Hero Circle. A iniciativa Impact, lançada em 2020, reuniu mais de 250 startups focadas em avançar nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, demonstrando o compromisso do evento com o impacto socioambiental positivo.