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Com um dispositivo semelhante a um fone de ouvido sem fio, um paciente com procedimento agendado caminha dentro do hospital e logo receberá coordenadas. Ele já sabe exatamente onde está e saberá para onde ir em poucos segundos, sem precisar ler placas orientadoras ou interagir com atendentes. Concomitantemente, além de captar e transmitir sua localização, essa tecnologia é capaz de medir a pressão arterial, a frequência cardíaca e a temperatura corporal. Agora, os dados são compartilhados com a instituição. Os próximos passos são calculados. Por ter chegado cedo demais, ele pode até ser direcionado para respirar ar fresco e tomar um café enquanto aguarda o horário marcado. Mas, se também houver um médico de prontidão, por que não o antecipar?
Considerando os avanços tecnológicos dos últimos anos, à primeira vista, a ideia de localização em tempo real (real-time locating system, em inglês) parece simples e facilmente aplicável, mas não é bem assim. Essa dinâmica no ambiente hospitalar, associada à execução de um ajuste fino (real-time fine-tuned adjustment), é um exemplo que se encaixa no conceito de arquitetura do sistema em tempo real (real-time architecture system), que é muito mais complexo. Ele é alcançado quando, apoiada na tecnologia, a instituição tem a capacidade de se reorganizar com agilidade para atender a demandas específicas de maneira personalizada: ela detém a informação, faz seu processamento e executa a ação. Seria como um “hospital inteligente”.
Na avaliação do médico Edson Amaro, à frente da área de Ciência de Dados e Analytics do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), para de fato sair do campo da teoria, esse mindset institucional ainda terá de avançar alguns degraus na escalada da digitalização da saúde.
“Precisa haver base de dados organizadas e, de certa maneira, uma visão mais data-driven para se chegar nesse nível. É como se eles fossem habilitadores desse real-time. Eu vejo, realmente, o hospital funcionando de maneira muito orgânica, muito harmônica. Fundamentalmente, é mais integração por meio de tecnologia”, afirma.
A evolução logística observada na cadeia de suprimentos, com o uso de Inteligência Artificial (IA) para o controle de estoque e distribuição ágil sob demanda, é um case oportuno para a área assistencial da saúde, mesmo que em um menor grau de complexidade por enquanto.
“Toda essa mudança que veio da indústria também pode ser adaptada para dentro do hospital. De que maneira? Nesse sistema de real-time, a dinâmica do hospital tem ajustes naquele dia. Não estou falando de comprar seringas porque eu internei dois pacientes hoje à tarde e preciso de mais duas seringas amanhã. Ainda não. Mas posso falar de ajustes de doses, ajustes de salas. São fatores que contribuem para a segurança do paciente, melhoram a sua experiência e também otimizam o staff”, exemplifica Amaro.
Outro componente, que se soma à otimização do ponto de vista da gestão, é a vantagem que um dispositivo que auxilie na navegação em ambientes internos pode proporcionar em termos de bem-estar.
“Usar bem o tempo pode ser, por exemplo, caminhar um pouco mais, no caso dos médicos. Para os pacientes, pode ser passar por uma área um pouco mais friendly do hospital. É possível criar rotas de escape que visam ao bem-estar ao lado da eficiência. Essa é uma novidade. Até então, o que vinha de fábrica era essa ideia de produção de eficiência. Agora, estamos olhando para as pessoas. Então, cuidar do paciente, de quem cuida do paciente, otimizar as agendas, passa a ser uma guia de boas práticas para adoção do real-time”, conta.
Predição versus real-time
Mas o que a arquitetura do sistema amparada por recursos tecnológicos pode proporcionar vai muito além. Dentro de um hospital, o ajuste em tempo real será tão valioso no futuro quanto a própria capacidade de prevê-lo. A implementação de IA com a finalidade de predição vem sendo aprimorada em instituições de saúde de referência, mas essa experiência já trouxe uma certeza: os algoritmos são imperfeitos. Como nesse caso um erro pode afetar diretamente a vida do paciente, a adoção de procedimentos para suprir esse gap passa a ser fundamental.
“Quando temos uma pessoa internada, podemos estimar quantas luvas será preciso gastar para cuidar dela, considerando médico, enfermeiro, auxiliar de enfermagem. Nos preparamos para isso, mas não temos a noção exata. Podemos usar dados para fazer a estimativa, mas se você chegar lá e naquele dia houver uma intercorrência? Há coisas que não são tão fáceis de predizer e para elas entra o sistema de real-time, para você recuperar a capacidade operacional”, exemplifica o médico.
É possível imaginar um cenário ainda mais sofisticado. A tecnologia baseada na lógica de tempo real poderá auxiliar um médico cirurgião, por exemplo, geralmente cercado por microinformações durante o ato cirúrgico, a ter maior clareza cognitiva por meio da intervenção de um assistente virtual.
“Você está operando alguém e você precisa de um sistema que entenda o que está acontecendo e que te permita naquela hora, rapidamente, se ajustar. São tantas informações no centro cirúrgico que é preciso aplicar tecnologia para tornar isso mais simples. Quem faz cirurgia robótica não fica sabendo qual é a pressão da pinça do robô. Ele simplesmente sente, na ponta do dedo. É algo muito intuitivo. Teria que ser algo parecido para o cognitivo do médico e equipe multidisciplinar”, descreve Edson Amaro.
Esse tipo de aplicabilidade, no entanto, está ainda mais distante do momento atual. No Einstein, referência no uso de dados e de IA no segmento hospitalar, existe uma Central de Monitoramento Assistencial (CMOA) que acompanha cirurgias através de câmeras instaladas em algumas salas do centro cirúrgico, mas há necessidade de medicação humana para se fazer alertas sobre riscos identificados.
“É muito difícil. Além da tecnologia, exige adaptação e coaprendizado. A máquina está aprendendo com o médico, e o médico está aprendendo com a máquina. Esse tipo de uso requer ainda muito trabalho”, explica.
Trade-off
Todas essas possibilidades dentro do que se entende como arquitetura do sistema em tempo real são discutidas quando se pensa no planejamento para o futuro, mas estão no campo da estratégia institucional de longo prazo. O desenvolvimento de um sistema interno de localização em tempo real, aparentemente mais simples, enfrenta obstáculos em vários níveis.
“Será que o sistema de identificação da posição do paciente, como no exemplo do ponto de ouvido, está otimizado para a quantidade de energia que ele consome? Será que temos pontos cegos no hospital? Será que o esforço para implementar isso, que é muito grande, compensa? Às vezes, você tem concierges, pessoas que trazem um componente humano, que tranquilizam. Você não vai conseguir fazer isso tão fácil com um ponto no ouvido. Então, temos que pensar no equilíbrio para o uso da tecnologia. Mas, do ponto de vista de escala, é inacreditável”, pondera Amaro.
Outro aspecto importante, na avaliação do especialista, é a necessidade de reforço da segurança para a proteção de dados pessoais, principalmente os biológicos.
“Eu colocaria vários componentes a mais nesse cenário de real-time. Seria preciso utilizar sensores de ambiente, sensores eletromagnéticos, por exemplo. De repente, tem alguém fazendo tethering, acessando dados por bluetooth. O sistema de segurança do hospital passa a ter uma característica diferente, precisaríamos de algo mais seguro. Quando você vai a um restaurante que tem o wi-fi grátis, recomenda-se não usar porque não é seguro. Imagina se você está no hospital e o seu ‘wi-fi grátis’ está passando informações sobre a sua biologia?”, exemplifica.
Diante dos desafios, no caminho para arquitetar esse sistema, o hospital deve priorizar soluções tecnológicas que garantam desfechos clínicos mais satisfatórios. “Essa vantagem de corrigir em tempo real é realmente o mais importante. Estamos investindo tanto em predição e no olhar para o futuro, mas o que fazer quando isso não dá certo?”, destaca o médico.
Experiência do paciente
A gerente médica de Experiência do Cliente de Medicina Diagnóstica e Ambulatorial do HIAE, Flávia Camargo, avalia que soluções mais simples podem ser aplicadas para otimizar a jornada do paciente enquanto o hospital ainda não está pronto para executar alternativas tecnológicas mais complexas. Atualmente, o monitoramento está focado no momento de entrada do paciente no sistema, a partir da retirada de uma senha, até o momento em que ele é atendido na recepção.
“Chegamos a prospectar algumas possibilidades de indoor navigation, mas entendemos que para chegar lá precisamos de uma base estruturante. Estamos pilotando e trabalhando com dashboards mais simples. Tais ferramentas favorecem a percepção de gargalos facilitando o entendimento de como está aquela operação. A próxima etapa é começar desde o cadastro na recepção até a hora do exame, por exemplo. O momento é de entender como estão essas dinâmicas e a partir daí gerar um modelo ideal”, afirma.
A adoção de inovações mais disruptivas também precisa considerar o perfil dos usuários, por isso antes de implementar esse tipo de solução o Einstein utiliza uma dinâmica de cocriação com a participação de grupos heterogêneos de pacientes. Há aqueles que possuem pouca ou nenhuma afinidade com a tecnologia, mas há também aqueles que, justamente por fazerem uso excessivo de aparatos tecnológicos, desejam contato pessoal quando buscam um serviço de saúde.
“Ser exclusivamente digital é muito pouco provável porque o cuidado com a saúde é extremamente humano, e a tecnologia será um meio para facilitar esse contato. Tem gente que ainda prefere ligar, tem gente que prefere agendar algo por WhatsApp e tem gente que prefere fazê-lo através de autosserviço. O interessante é conseguir criar estratégias que atendam às expectativas e os desejos diferentes que as pessoas têm”, avalia Flávia Camargo.
O que mais se aproxima do conceito de arquitetura do sistema em tempo real dentro do Einstein é o quarto automatizado, em fase final de implementação. Nele, o paciente pode utilizar um dispositivo como um tablet para controlar as luzes, as janelas, a televisão e a inclinação da cama, além de manter contato direto com a equipe assistencial. Em breve, também haverá integração com o prontuário médico eletrônico.
Esse cômodo, arquitetado dessa maneira, proporciona maior comodidade e bem-estar ao usuário, mas também tem o objetivo de otimizar a gestão de recursos humanos e de aumentar a segurança hospitalar. A partir da análise de dados relacionados ao número de chamados por pacientes internados, registros sobre quadros clínicos e tipos de internação, por exemplo, será possível identificar qual perfil demanda mais atenção e planejar uma alocação mais assertiva dos profissionais de saúde em expediente.
“Temos a chance de experimentar essas tecnologias com responsabilidade e não deixar de fazer uma troca para o melhor, que nem sempre será o que parece ser mais eficiente. O quarto automatizado é um ótimo exemplo de real-time. O paciente começa a entender o hospital, começa a entender que ele faz parte desse ecossistema, começa a perceber como ele está inserido e o que ele recebe do hospital”, finaliza Edson Amaro.