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Aos olhos do paciente, o projeto arquitetônico de um hospital segue um padrão há décadas, seja em construções tombadas como patrimônio histórico ou em prédios mais modernos. O branco e os tons pastéis são protagonistas na iluminação, paredes, pisos e móveis, demarcando características como tranquilidade e limpeza, mandatórias nesse tipo de espaço. Contudo, a arquitetura hospitalar passa por um movimento de transformação em busca do bem-estar. Se, por um lado, os aparatos tecnológicos estão cada vez mais presentes nesses ambientes, a incorporação de elementos da natureza tem sido uma preocupação dos hospitais de vanguarda.
A mudança pode até passar despercebida, mas, nos bastidores da construção e da manutenção diária desses espaços, a arquitetura vai além de uma ferramenta pensada para a garantia da segurança e da qualidade do serviço assistencial. Por enquanto, a integração com a natureza é um aspecto observado de maneira opcional, mas pode ser que, no futuro, a “arquitetura do bem-estar” se torne um padrão.
Da cadeira de espera até o atendimento individualizado pelo profissional de saúde, a concepção do espaço hospitalar segue, primordialmente, um projeto de ergonomia que valoriza as exigências da prática do atendimento e a experiência de todos os indivíduos envolvidos. Tudo é intencional.
A arquitetura do bem-estar busca a humanização de um ambiente que abriga, ao longo da jornada do paciente, familiares, amigos, profissionais de saúde e outros colaboradores. O professor do Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) Daniel Braatz, estudioso da área de ergonomia, explica que cada espaço exige uma análise que leva em consideração quanto tempo as pessoas permanecem ali, quem são elas e o que mais as aflige.
“Seja em uma sala de espera, maca ou consultório, a análise técnica faz uma avaliação de como trazer benefícios para todos que têm interação com aquele ambiente, seguindo as premissas regulatórias de segurança, conforto e bem-estar”, explica.
De acordo com Braatz, essa análise permite uma série de proposições tanto tecnológicas quanto de ajuste de layout. As intervenções que podem gerar uma maior sensação de bem-estar estão transformando o ambiente hospitalar apoiadas no conceito de design biofílico.
Foi essa busca por bem-estar para além da assistência que fez o Hospital Israelita Albert Einstein investir de forma contínua em suas edificações e no design biofílico. De acordo com Junia Gontijo, diretora de Patrimônio, Engenharia e Infraestrutura do Einstein, o foco é beneficiar todo o ecossistema do hospital — pacientes e familiares, mas também visitantes, colaboradores e fornecedores.
“O ambiente hospitalar, pela característica de ser um local onde as pessoas passam por experiências de dor, normalmente gera manifestações de estresse físico e emocional nos usuários, incluindo profissionais de saúde, que lidam com as diferentes nuances do cuidado”, afirma Gontijo.
A origem da busca pela natureza dentro dos hospitais
O abandono das cores brancas nos hospitais foi iniciado em 1964. Estudos do psicólogo e filósofo Erich Fromm originaram o termo biofilia, trazendo a ideia do ser humano como amigo da natureza ou do amor às coisas vivas para propagar os benefícios de se conectar com outras formas de vida, como a redução do estresse.
O tema se popularizou com a divulgação feita pelo biólogo Edward Osborne Wilson, responsável por trazer o assunto à tona em meados de 1980, com base em evidências de que os ambientes urbanos construídos prejudicam a qualidade física e mental dos indivíduos.
Sendo assim, a solução para aumentar a produtividade e mudar o cenário da saúde mental era a promoção, por meio da própria arquitetura, das interações com o ambiente natural nas grandes metrópoles. Foi uma provocação que transformou a arquitetura em um precursor do bem-estar na sociedade e, inevitavelmente, também no ambiente dos hospitais.
A aplicação da biofilia na rede hospitalar obteve os primeiros resultados a partir da década de 1990, quando vários estudos e pesquisas buscaram respostas, na prática, para entender se a natureza poderia auxiliar no tratamento de pacientes. Os resultados foram positivos. Centros assistenciais apontaram que pacientes que tinham contato com a natureza durante a recuperação na internação tinham melhores desfechos clínicos.
Roger Ulrich, professor de Arquitetura no Centre for Healthcare Building Research da Chalmers University of Technology na Suécia, foi um dos precursores dos estudos arquitetônicos voltados para o bem-estar hospitalar. Em suas pesquisas, Ulrich concluiu que bastava uma vista da janela para a natureza para que pacientes tivessem recuperações mais rápidas, com menos analgésicos e menos complicações pós-operatórias.
A análise de Ulrich ampliou o horizonte também para profissionais que atuam nesses ambientes. No caso dos colaboradores, foi possível reduzir o estresse e aumentar a produtividade. As primeiras respostas demonstraram que só o uso de cores e iluminação adequadas, vistas para o ambiente exterior, como jardins e áreas vegetadas, já era suficiente para a melhoria da qualidade no trabalho.
No caso do Hospital Israelita Albert Einstein, as intervenções de arquitetura humanizada são voltadas para estratégias de conforto ambiental, biofilia, espaços de suporte social, distrações positivas do ambiente, como texturas e cores, acessibilidade e ferramentas para autonomia dos pacientes.
“Além de impactar a experiência de pacientes e visitantes, a estratégia da instituição é a de disponibilizar espaços de descanso e descompressão com conforto e outros atributos do design humanizado para diminuir a pressão da rotina exaustiva de seus colaboradores”, detalha Gontijo.
Ambiente humanizado e personalizado
O Einstein tem uma equipe própria de arquitetura que avalia referências internacionais e busca, a partir de estudos, a criação de um padrão próprio de excelência para diferentes tipos de espaços, públicos e comportamentos. O objetivo é que os ambientes estejam preparados para a rotina do hospital, seja para atenuar o nível de estresse dos pacientes e profissionais que atuam na assistência, seja para facilitar a concentração em espaços de ensino e pesquisa.
O mais recente projeto da instituição concebido dentro do conceito de arquitetura do bem-estar é o Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein. A construção apresenta diversos elementos de biofilia e estratégias de design humanizado, aproveitando a iluminação natural e a conexão entre ambientes internos e externos.
“Buscamos uma integração para que iluminação natural, ventilação e mobília em madeira sejam precursoras de estímulos sensoriais positivos, que é uma das premissas essenciais do design biofílico”, explica a diretora do Einstein.
O edifício de 44 mil m² de área construída, inaugurado em 2022, tem uma cúpula formada por 1.854 placas duplas de vidro. Os jardins, que ligam as salas de aula de cursos como medicina e enfermagem aos laboratórios de pesquisa da instituição, possuem mais de 50 árvores, centenas de palmeiras, arbustos e folhagens. É uma realidade à frente dos tons pastéis e iluminação artificial dos modelos de centros de pesquisa das décadas passadas.
Atender demandas da sociedade
Sheila Walbe Ornstein, professora titular da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), tem concentrado suas atividades acadêmicas nos últimos 10 anos, principalmente, a espaços voltados à saúde. A pesquisadora avalia que há benefícios mesmo que os elementos incorporados nos projetos sejam de paisagens simuladas do ambiente externo, com o uso de imagens fotográficas ampliadas, por exemplo.
“Pacientes e familiares percebem a diferença quando vivenciam atividades em ambientes que proporcionam acessos externos para contemplação, descanso, socialização, lanches e banhos de sol, em locais tratados paisagisticamente, que fogem do estereótipo da edificação hospitalar ‘enclausurada’”, explica.
Além das evidências científicas relacionadas ao bem-estar, esse tipo de projeto demonstrara potencial para o atendimento de demandas sociais, como foi o caso do Centro de Reabilitação de Sarah Kubitschek, projetado pelo arquiteto João Filgueiras Lima, em Brasília. O edifício é considerado referência por proporcionar a união entre espaços internos e externos conectados por jardins em sua construção, além de privilegiar a ventilação natural. O centro foi desenhado com uma proposta de reintegração da pessoa com deficiência, com o intuito de amenizar um problema de exclusão dessa população dos espaços urbanos.
“O fato de esses espaços reforçarem os sentimentos positivos, inclusive o de inclusão, e a reabilitação social, pode impactar no tratamento e no ambiente assistencial concedido ao paciente”, afirma.
De acordo com Sheila Walbe Ornstein, esse é apenas o começo da transformação na área da saúde. Atualmente, a arquitetura do bem-estar busca associações com a neurociência e a psicologia ambiental para fornecer ao arquiteto diretrizes de humanização para os ambientes hospitalares.
“No futuro, a arquitetura do bem-estar, no caso dos hospitais, deverá ser um requisito obrigatório de quaisquer projetos e não apenas uma tendência”, avalia a pesquisadora.