Mesmo os negócios mais bem-sucedidos do mundo gradualmente declinam com o tempo se não forem cuidadosamente gerenciados e constantemente renovados.
A Hitachi, que até a década de 1980 disputava o mercado de eletrônicos com gigantes como Sony, Panasonic e Sharp, é um caso emblemático de como a falta de adaptação tecnológica pode levar uma empresa a sair dos holofotes. Seus processos burocráticos e hierárquicos sufocaram a inovação e a agilidade, impossibilitando a companhia de se reinventar diante das mudanças e tornando-a refém de um modelo de gestão lento e ineficiente que atrasava a tomada de decisão.
De fato, o princípio de qualquer negócio é a decadência. Mas, desafiando estruturas tradicionais e libertando o potencial criativo de maneira mais veloz, flexível e democrática, os princípios da gestão libertária podem ajudar a combater esse cenário e impulsionar o crescimento sustentável de uma empresa.
Essa abordagem, baseada nos princípios do libertarianismo e do objetivismo de Ayn Rand (escritora e filósofa autora de obras como “A Revolta de Atlas”, um dos meus livros favoritos; e A Nascente), faz parte de uma corrente que defende a liberdade individual e a responsabilidade pelas consequências das próprias ações.
Quando Elon Musk assumiu o Twitter (hoje “X”) no final de outubro de 2022, seu viés libertário, como o da maioria dos CEOs do Vale do Silício, foi uma das justificativas para o novo empreendimento, objetivando torná-lo “a plataforma para a liberdade de expressão em todo o mundo”.
Tudo começa quando o indivíduo passa a ter o poder de ser protagonista de sua própria história.
O que é gestão libertária e por que ela é o combustível da inovação disruptiva
A palavra libertário (do francês libertaire) foi utilizada pela primeira vez em 1857 pelo anarquista Joseph Déjacque a partir de correspondência com Proudhon para se referir a si mesmo e aos seus companheiros que defendiam a liberdade individual e social, sem a interferência de qualquer autoridade ou governo.
No entanto, o termo adquiriu o seu atual significado nas décadas de 1950 e 1960. Nesse período, diversos movimentos sociais e políticos surgiram para reivindicar uma menor intervenção do Estado, como os movimentos pelos direitos civis, pelo feminismo, pelo pacifismo e pela contracultura, além do movimento hippie.
Na prática, a gestão libertária defende que as organizações sejam descentralizadas, com trabalhadores autônomos exercendo controle máximo sobre seus papéis e tarefas. Nesse contexto, a liderança se baseia no mérito e na competência ao invés de status e poder formal.
Entre as suas principais premissas, estão:
- Liberdade individual: cada pessoa deve ter “carta branca” para determinar os rumos de sua própria vida, contanto que não coaja ou prejudique outra.
- Razão: a racionalidade é a ferramenta suprema para alcançar o conhecimento e a prosperidade. Decisões racionais baseadas em fatos e lógica levam a melhores resultados.
- Direito à propriedade: a propriedade privada deve ser um direito inviolável, incentivando a produção, o empreendedorismo e a criação de riqueza.
- Capitalismo laissez-faire: um sistema econômico baseado na liberdade de contrato e troca voluntária, sem interferência governamental, é moral e eficiente.
- Meritocracia: cargos e recompensas devem ser alcançados por mérito e habilidade, não por privilégios ou conexões.
- Objetivismo: conhecimento e valores existem e são determinados pela natureza da realidade e não de maneira abstrata pelo mundo das ideias.
Em uma organização libertária típica, a estrutura hierárquica é plana, com poucos níveis gerenciais. Há ênfase na descentralização, empoderamento dos funcionários e mínima supervisão.
Cada pessoa é vista como um intraempreendedor responsável por seu próprio sucesso dentro da companhia. Não há garantia de emprego, mas vastas oportunidades que podem ser aproveitadas por quem buscar destaque pelo seu próprio esforço.
Não há salário-mínimo, remuneração igualitária ou limites externos para compensação. Salários e promoções são determinados pelo livre mercado, com base na oferta, demanda e no valor real que cada funcionário gera.
A gestão libertária é radicalmente diferente dos modelos coletivistas, igualitários e altruístas. Aqui, quanto maior o lucro, maior o benefício entregue a todos os envolvidos na cadeia, de ponta a ponta.
Além disso, a cooperação só acontece quando é do autointeresse de cada parte, pois é justamente onde indivíduos talentosos têm liberdade para buscar a sua própria excelência e se sentem motivados na realização de seus anseios pessoais.
A ambição, inclusive, é uma de suas principais virtudes. Todas as grandes inovações da humanidade nasceram de homens e mulheres ambiciosos, aqueles que não se contentaram com a média e, por consequência, trabalharam e se dedicaram mais do que a maioria.
Dessa maneira, valores como inovação, criatividade e iniciativa pessoal – elementos essenciais para a disrupção de modelos tradicionais e o alcance do máximo potencial humano – fazem com que os gestores libertários se tornem pioneiros naturais.
Como as novas tecnologias podem fomentar a formação de novos líderes
Os ideais presentes na gestão libertária oferecem novas maneiras de desafiar e reescrever estruturas tradicionais e, por isso, estão intimamente ligados ao avanço e adoção de tecnologias disruptivas como a Web3.
A Web3 é uma visão descentralizada da internet baseada em tecnologias blockchain, que permitem que usuários possuam e controlem seus próprios dados, desafiando modelos clássicos de hierarquia de poder.
Nesse sentido, novos modelos de negócios exigem novos modelos de gestão. Por exemplo, governanças baseadas em DAOs (Decentralized Autonomous Organizations, as organizações autônomas descentralizadas) não necessitam de um framework convencional com papéis e responsabilidades prescritas.
No entanto, para que essas tecnologias sejam adotadas de uma maneira compatível com uma visão libertária abrangente, é papel do líder utilizá-las com o propósito de conduzir suas organizações em direção a negócios mais flexíveis e voltados para a geração de valor real.
Isso porque, em sua essência, a gestão libertária tem como base a ideia de que as pessoas são agentes morais capazes de conduzir suas próprias atividades, cabendo à liderança atuar como facilitadora para o surgimento de novos líderes ao invés de impor ordem por meio de uma autoridade central, dando confiança para que cada um defina os melhores caminhos para alcançar os objetivos da empresa.
Assim, por ser horizontalizada e tirar o colaborador do backstage, ela permite que os negócios se adaptem melhor às mudanças rápidas e disruptivas que ocorrem no mercado.
No entanto, gestão libertária não é libertinagem ou hedonismo. Importante ressaltar que ela implica tanto em direitos quanto em responsabilidades para os envolvidos.
Dito isso, a tecnologia pode ajudar a fomentar novos líderes ao simplificar a comunicação, a colaboração, a inovação e a aprendizagem dentro das organizações.
Potencializando o impacto humano e aproveitando princípios da psicologia, antropologia, sociologia e ciência comportamental, ela contribui para tornar o trabalho melhor para os seres humanos e os seres humanos melhores no trabalho, remodelando os limites do desempenho humano.
De fato, alguns estudos publicados pela Deloitte estimam que apenas a Inteligência Artificial e o aprendizado de máquina contribuirão para um aumento de 37% na produtividade do trabalho até 2025, sem contar as outras ferramentas e recursos digitais.
Alguns exemplos que podem apoiar esse mindset e o desenvolvimento de novas lideranças são:
- Plataformas de aprendizagem online: permitem aos colaboradores acessarem conteúdos relevantes e personalizados para suas necessidades e interesses, no seu próprio ritmo e lugar.
- Redes sociais corporativas: facilitam o compartilhamento de conhecimento e experiências entre os colaboradores, bem como a criação de comunidades de prática e de interesse.
- Aplicativos móveis: possibilitam aos colaboradores receberem feedbacks instantâneos e contínuos sobre seu desempenho e comportamento, bem como dicas e sugestões para melhorar.
- Jogos sérios e simulações: proporcionam aos colaboradores experiências imersivas e interativas que simulam situações reais e desafiam suas habilidades de liderança.
- Realidade virtual e aumentada: oferece cenários realistas e envolventes que estimulam a criatividade e a resolução de problemas.
- Inteligência Artificial e análise de dados: conduz a insights sobre seus pontos fortes e fracos, bem como recomendações personalizadas para seu próprio desenvolvimento.
De acordo com o relatório State of Leadership divulgado pela Harvard Business Publishing, as gerações mais jovens esperam que suas companhias tragam a tecnologia para o desenvolvimento de lideranças, tornando o aprendizado mais envolvente, mais acessível e mais personalizado.
Além disso, as organizações que vinculam mais diretamente esse ensino aos objetivos estratégicos de seus negócios são normalmente as empresas de melhor desempenho em seus setores.
De igual modo, essa nova realidade pode ajudar líderes que se veem sobrecarregados com tarefas rotineiras e operacionais, que consomem seu tempo e energia, a se concentrarem no que realmente importa: incentivar o protagonismo, dando aos seus colaboradores acesso direto às informações e recursos necessários para tomarem suas próprias decisões.
Além disso, a tecnologia pode ajudar a lidar com alguns desafios da gestão libertária. Por exemplo, a natureza anônima da blockchain pode ajudar a reduzir vieses humanos nas avaliações de desempenho, promovendo maior equidade.
No entanto, implementá-las corretamente requer que os gestores e founders tenham uma visão clara de como esses recursos podem melhor facilitar os valores fundamentais desse modelo de gestão. Orientados ao propósito certo, líderes libertários podem realmente transformar o potencial humano dentro de suas organizações.
Afinal, como bem colocado por Ayn Rand, “o homem que não usa sua mente é um parasita daqueles que a usam”.