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Numa época de tantas incertezas, uma coisa é certa: no mercado de trabalho tudo mudou, e nada será como antes. Mesmo quando a pandemia passar, quando as pessoas voltarem a se relacionar socialmente como antes, quando voltarem a participar sem medo de multidões, quando o longo período de confinamento for uma lembrança distante. Mas, se é certo que nada será como antes, como será esse futuro? Como será o ambiente de trabalho a partir de agora? Como serão os processos de seleção de talentos?
O trabalho remoto, adotado às pressas por organizações de todo o mundo, gerou resultados melhores do que o esperado, e as pesquisas mostram que muitos profissionais já não querem se deslocar para o escritório da empresa todos os dias apenas para ficarem sentados diante de um computador, realizando tarefas que poderiam muito bem ser desempenhadas de outros lugares. Nas grandes cidades brasileiras, com sua conhecida dificuldade de mobilidade e longas distâncias entre trabalho e moradia, muitos perceberam que o tempo perdido no trânsito pode ser usado de outra maneira.
Na prática, apesar das dificuldades de muitas famílias em equilibrar todos os pratinhos da vida profissional, doméstica e familiar durante o período em que a economia esteve fechada, pode-se afirmar, com certeza, que uma mudança profunda, definitiva, está em curso.
Pesquisa recente realizada pelo site de empregos Indeed no Brasil mostra que 46% das pessoas ouvidas sentem que são mais produtivas trabalhando de forma remota. Apenas 33% dizem que gostariam de voltar ao escritório em tempo integral, enquanto 44% preferem um regime híbrido, combinando jornadas presenciais e remotas.
Como juntar as expectativas de todos, mantendo a coesão das equipes e a cultura organizacional mesmo sem a presença física, é algo que as empresas ainda estão experimentando. “Assim como aprendemos a lidar com a pandemia, agora temos que reaprender e nos readaptarmos para a volta”, diz Beatriz Saifari, diretora de RH para Brasil e América Latina da Accenture. “Não vai ser como antes. Primeiro, porque ninguém quer. E também porque já não é possível”, afirma.
De fato. Questionados sobre o modelo de trabalho ideal, 83% dos 17 mil colaboradores (8 mil deles contratados em processos 100% digital durante a pandemia) da Accenture no Brasil disseram preferir o sistema híbrido, com divisão entre casa e escritório. Eles também buscam o contato presencial, trocar experiências com os colegas. Mas não querem perder tempo e nem se deslocar até o escritório para fazer calls que poderiam realizar de casa. “As pessoas estão mais conscientes do que querem e do que não querem. E o que elas querem é ter mais flexibilidade e autonomia”, diz Saifari.
De qualquer lugar
Uma pesquisa da NTT DATA Company com sua equipe no Brasil também mostrou a preferência por trabalhar remotamente. O estudo registra que 61% querem continuar em casa, de forma definitiva, e 32% desejam ir ao escritório no máximo duas vezes por semana. “O trabalho remoto de qualquer lugar é uma tendência que veio para ficar. Hoje, muitos profissionais rejeitam oportunidades se for pra trabalhar de forma presencial”, diz Tatiana Barrocal Porto, diretora de Pessoas da NTT DATA Company.
Se o home office é um lado da nova dinâmica do mercado de trabalho, o movimento de demissão em massa que vem ocorrendo nos Estados Unidos, onde, desde abril, cerca de quatro milhões de pessoas por mês vem deixando seus empregos, escancara um outro aspecto: as pessoas estão mais criteriosas sobre onde e para quem trabalhar. Para as equipes de RH, isso traz um desafio adicional: depois de escolher os melhores profissionais, é preciso convencê-los de que essa é a melhor empresa e de que ele será capaz, ali, de atingir o seu propósito. Um propósito que não é apenas de ascensão profissional, mas de vida. O colaborador precisa ser convencido de que ele e a organização estão unidos pelo mesmo propósito.
Uma pesquisa global encomendada pela Microsoft – Work Trend Index 2021 – no início do ano mostra que 41% dos profissionais ouvidos planejavam mudar de emprego nos próximos 12 meses e 46% queriam mudar de área, agora que podem trabalhar remotamente. Entre as pessoas mais jovens, da geração Z, a intenção de mudar de emprego chega a 54%.
O mercado brasileiro não reproduz a situação dos Estados Unidos por causa da taxa de desemprego muito elevada, de 14,6%, mas a análise mais criteriosa sobre onde trabalhar já é uma realidade.
“O mercado já está bem competitivo para quem tem opções”, diz Weliton Roberto Shalabi, head global de Talento, Aquisições e Transformação Digital do RH da BRF. Ele acredita que o modo como a organização se comportou durante a pandemia é levado em conta pelos candidatos na hora de buscar ou aceitar uma vaga e diz que é muito importante a companhia praticar, dentro de casa, o que diz no discurso. “Você tem que praticar o que prega. As pessoas querem ter orgulho de trabalhar numa empresa que pratica o que vende para fora”, diz Shalabi. “As pessoas buscam empresas socialmente e ambiental responsáveis, com ESG muito forte.”
Gerenciando adaptabilidades
Uma das maiores empregadoras do Brasil, com 96 mil funcionários diretos, a BRF tem uma base diversa, desde a administração, que ficou em trabalho remoto na pandemia, até as fábricas e lojas, que não pararam em nenhum momento, já que trabalham com alimentos, uma atividade essencial em qualquer momento.
Na avaliação de Shalabi, o departamento de RH ganhou força nesse período de intensas transformações. “No RH a gente gerenciava produtividade. Agora, gerenciamos adaptabilidade”, afirma. Ele lembra que as empresas que trabalham na base da pirâmide convivem com alto turnover, e que os melhores profissionais já têm opções, mesmo num mercado de trabalho difícil como o atual. “Quando você entra nos knowledge workers, esses talentos vão precisar de uma nova forma de atuar e de serem gerenciados”, diz Shalabi.
Nesse cenário, autonomia é a palavra-chave. Uma pesquisa recente do Indeed mostra que CEOs e outros profissionais no C-Level estão cada vez mais buscando colaboradores capazes de se autogerir. “Quando pensamos em flexibilidade e trabalho menos centralizado, os funcionários precisam ter mais autodisciplina”, diz Felipe Calbucci, diretor de vendas da Indeed Brasil. Outra pesquisa da companhia mostra que 68% dos CEOs acreditam que os profissionais que podem trabalhar de forma transversal em projetos de diferentes áreas serão essenciais e dois terços dizem que a habilidade de adquirir novos conhecimentos e capacidades pode ser mais importante do que treinamento numa área específica.
Em alguns setores, como o de tecnologia, já faltam profissionais no mercado brasileiro. A forte demanda das empresas por transformação digital acelerou ainda mais o crescimento desse mercado e a disputa por profissionais se intensificou. Com o trabalho remoto e o real desvalorizado, agora a área sofre a concorrência também das empresas de fora, que pagam em dólar. “Temos um gap significativo, e hoje as pessoas escolhem onde querem trabalhar, o que inflacionou os salários”, diz Tatiana Barrocal. Existem profissionais de tecnologia, conta ela, que recebem até cinco abordagens de recrutadores por dia para se transferir para a concorrência.
Na Accenture, Beatriz Saifari vive o mesmo desafio de selecionar talentos num mercado que forma menos gente do que as vagas de emprego disponíveis. A empresa tem uma academia para capacitar pessoas com base de tecnologia e acordos com ongs que preparam novos profissionais de TI.
“O talento hoje ocupou um outro lugar na agenda das organizações”, diz Beatriz. “As pessoas estão olhando para as empresas pensando em que ambiente elas querem trabalhar, como vão usar o tempo delas”, completa. E esse novo comportamento não se limita aos mais jovens. Também profissionais mais experientes estão se questionando se querem continuar fazendo o que faziam antes.
Felipe Calbucci, do Indeed, diz que, embora o trabalho remoto não seja uma unanimidade no Brasil, cabe aos líderes das empresas pensar em como levar flexibilidade para a política de RH e implementar novos modelos que fazem sentido para cada companhia e seus colaboradores. “O trabalho remoto vai continuar, por isso os líderes deveriam olhar para o impacto desse modelo nos funcionários e na produtividade, além da infraestrutura e dos benefícios para manter esse sistema”, diz Felipe. A dica aos gestores: ofereça flexibilidade quando for possível para reter os funcionários e atrair novos talentos. “A pandemia teve um impacto na vida de muitos de nós, e companhias que compreendem isso e oferecem modelos flexíveis vão se destacar na competição pelos talentos”, diz Felipe.
Recrutamento
Se a forma de trabalhar mudou, também não ficou igual a forma de atrair, selecionar e reter os talentos. As ferramentas inteligentes ficaram ainda mais úteis, sem dispensar o contato pessoal – mesmo que através das telas, num primeiro momento.
Seleção automatizada de currículos, machine learning, aplicativos com bots para facilitar a comunicação são algumas das ferramentas cada vez mais adotadas nos departamentos de RH. “A tecnologia pode ajudar a dar escalabilidade e sustentabilidade aos processos de RH”, diz Shalabi, da BRF. A empresa recorre à Inteligência Artificial para fazer a avaliação do perfil do candidato e não usa mais elementos tradicionais do currículo para analisar a adequação à vaga. “Usamos uma grande quantidade de dados para saber se aquele candidato se encaixa no perfil de sucesso da vaga. Se ele não encaixar, podemos reaproveitar, encaminhar para outras oportunidades”, diz Shalabi.
Nas empresas de tecnologia, acordos com ongs e escolas de formação em TI são importantes para aumentar o número de profissionais do setor, especialmente entre setores da sociedade com menor acesso à educação. Tanto a NTT DATA Company quanto a Accenture usam esses recursos para ampliar o leque de candidatos e chegar a uma base mais diversa, tanto em termos raciais quanto de idade, capacitando pessoas mais velhas que têm dificuldade em conseguir emprego.
Como se vê, as transformações no mundo do trabalho aceleradas pela pandemia são diversas e com impactos que passam pela forma de operar e gerir equipes aos processos de seleção de talentos. O cenário que emerge para o pós-pandemia é certamente muito mais desafiador e complexo para a área de gestão de pessoas do que há dois anos, dada a intensidade das mudanças e à necessidade de rápida adaptação. Ao mesmo tempo, a pandemia propiciou, ainda que por vias tortas, um ambiente favorável a uma transformação cultural nas organizações, rumo a ambientes mais flexíveis, abertos e com foco nas pessoas.