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Um buquê denso ocupa praticamente toda a dimensão de uma fotografia. Quando os olhos focam os detalhes, é possível notar que a estrutura esférica é composta por uma gama de pequenas flores em formato de estrela. As pétalas são majoritariamente lilases, mas possuem um centro verde, pouco vívido, cuja tonalidade permite um contraste sofisticado de cores. Percorrendo o olhar pelas hastes até um miolo, pequenas gotículas de água acumuladas se fazem presentes no quadro. A natureza exibe sua complexidade e delicadeza em poucos segundos, gerando uma sensação de bem-estar.
A planta descrita é uma Allium Giganteum, uma bulbosa nativa da Ásia Central captada pelas lentes de Eliseth Leão, pesquisadora em Eco Health, líder do grupo de pesquisa “e-Natureza estudos interdisciplinares sobre conexão com a natureza, saúde e bem-estar” (CNPq) do Centro de Ensino e Pesquisa Albert Einstein, e fotógrafa de natureza e vida selvagem.
Ao investigar sobre os efeitos do uso de imagens como essa durante o tratamento oncológico de pacientes no Hospital Israelita Albert Einstein, a equipe liderada por Eliseth encontrou algumas respostas. Afinal, a felicidade pode ser tão singela quanto cantaram Tom Jobim e Vinícius de Moraes? Os resultados do estudo clínico foram publicados em agosto na revista científica International Jounal of Environmental Research and Public Health.
“Queríamos muito saber se teria alguma influência em sintomas clínicos e percebemos que sim, que diminuiu dor, fadiga, tristeza, ansiedade”, comenta a especialista.
Seleção de imagens e pesquisa
Tudo começou com a escolha do material. Eliseth conta que recorreu a bancos de imagens internacionais, porém, como eles tendem a ser voltados para tratar pacientes com fobias relacionadas à fauna, não contemplaram a ideia do estudo, focado em bem-estar. Foi então que a pesquisadora lançou mão de fotografias do próprio acervo e de outros fotógrafos da sua equipe. Em um primeiro momento, foi desenvolvido um estudo para validar cientificamente as imagens como promotoras de emoções positivas. São 403 fotografias de natureza, que retratam flores, plantas, paisagens e aves. A pesquisa de validação foi feita por cientistas do Einstein, do Instituto Butantan e da Universidade Tecnológica Federal do Paraná. Nessa etapa, as fotografias foram estratificadas em quatro grupos: tranquilidade; beleza; emoções positivas; e miscelânea.
Em um segundo momento, então, veio a utilização das imagens com pacientes oncológicos atendidos pelo hospital. As fotografias foram agrupadas em quatro vídeos com 60 imagens cada. “Durante o procedimento, fomos oferecendo esses vídeos e ficamos observando se algum grupo de fotografias gerava um comportamento diferente. Por exemplo, o grupo de paz e tranquilidade é o que tem mais imagens de água e mar; o de beleza tem flores e pássaros coloridos. A nossa hipótese era a de que, no caso dos pacientes em quimioterapia, que são pessoas que estão ansiosas e preocupadas, o grupo de paz e tranquilidade funcionaria melhor, mas não foi. O grupo que melhor teve desempenho foi o de beleza”, conta Eliseth.
O estudo randomizado contou ao todo com 173 pacientes divididos em dois grupos para comparação: o de intervenção (que fez uso das imagens durante a sessão de quimioterapia) e o de controle (que não fez uso). Para avaliar os resultados, foram aplicados questionários utilizando dois métodos internacionais: um deles é a Escala de Avaliação de Sintomas de Edmonton (ESAS), que avalia nove sintomas físicos e psicológicos encontrados em pacientes com câncer: dor, cansaço, náusea, tristeza, ansiedade, sonolência, apetite, falta de ar e sensação de bem-estar; o outro é a Escala de Afetos Positivos e Afetos Negativos (PANAS), o instrumento mais utilizado na investigação de estados afetivos, tanto em adultos quanto em crianças.
O quesito dor, por exemplo, identificado com índice de 0,97 antes da intervenção do vídeo, caiu para 0,66 após a intervenção. Cansaço passou de 2,82 para 2,26. Ainda de acordo com o estudo, o grupo de imagens “Beleza” teve melhor desempenho, pois impactou positivamente cinco sintomas: dor, tristeza, ansiedade, bem-estar e falta de ar; seguido do grupo “Emoções positivas”, que impactou positivamente quatro sintomas: dor, cansaço, ansiedade e apetite.
Para a pesquisadora, os resultados têm um potencial ainda maior em serviços de saúde que atendem pessoas socialmente vulneráveis: “O que a gente queria era demonstrar que tem um potencial, que esse potencial pode ser mensurado em outras populações, mais vulneráveis, onde o nível de ansiedade pela literatura é potencialmente maior e os resultados podem ser ainda mais significativos”, diz Eliseth.
Da pesquisa para a prática terapêutica
As imagens também têm sido trabalhadas em outra aplicação: a fisioterapeuta Wilma Andrade, especialista em Saúde Integrativa e aluna de pós-graduação do Einstein, levou a prática para o dia a dia de idosos que vivem no abrigo Irmão Gabriel, em Salvador, Bahia. Com autorização de Eliseth e do centro de ensino, Wilma teve acesso ao banco de imagens para usar com um grupo de 45 pessoas. A instituição existe desde 1999 e realiza um trabalho social com idosos carentes, principalmente aqueles sem familiares.
“Eu imprimi as imagens em um tamanho maior, para que eles pudessem pegar e segurar, e ficamos um tempo mínimo semanal trabalhando com elas. Como há estudos que apontam para a conexão das emoções positivas com o sistema límbico [cuja função psíquica é de avaliar afetivamente as circunstâncias da vida e realizar a integração dos sistemas nervoso, endócrino e imunológico para oferecer uma reação adequada], você pode melhorar o sistema imunológico, o sistema de defesa. A gente acredita que eles possam adoecer menos e possam ter respostas melhores do quadro de recuperação do adoecimento”, explica a fisioterapeuta.
O resultado esperado, no curto prazo, é a melhora do humor dos idosos. No entanto, os efeitos da terapia ainda serão avaliados ao final de oito meses, conforme pactuado com a equipe multidisciplinar da instituição. De imediato, a especialista afirma que a mudança das emoções negativas ou neutras para as emoções positivas, com o chamado “banho de natureza” feito de forma indireta, já é perceptível.
Wilma recorda um caso que se passou no abrigo recentemente. Em recuperação de um quadro de infecção intestinal, uma idosa se recusou a participar da atividade por se sentir indisposta, mas a fisioterapeuta conseguiu se aproximar aos poucos e recebeu um retorno positivo da paciente.
“A imagem só estava lá exposta. Logo depois, ela olhou para a fotografia e disse: ‘Mesmo a gente não estando muito bem, ainda é bonito, não é?’. E assim foi alterando o estado de humor na enfermaria. Em seguida, ela já quis ver outras imagens e, no final, já estava rindo. Mesmo desidratada, ela estava rindo”, relata.
“Cada vez que você sorri, você altera o estado de humor. Dentro da saúde integrativa, falamos que 20 minutos de raiva equivalem a duas horas de toxinas nos tecidos, de radicais livres. Quando você sorri, mesmo forçando inicialmente o sorriso, o cérebro entende que você está alegre e acaba produzindo endorfina, serotonina. Então, isso é um ganho”, reforça a especialista.