Fazendas verticais e energias renováveis
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Fazendas verticais e energias renováveis

A convergência necessária entre o futuro da energia e as alternativas à agricultura tradicional.

Nossas necessidades e demandas têm crescido exponencialmente, enquanto nos esforçamos para criar soluções viáveis e que alcancem o maior número de pessoas possível. Esta série de artigos sobre fazendas verticais urbanas demonstra a urgência em darmos a atenção necessária aos nossos recursos essenciais, e o papel da energia como nossa principal commodity na sociedade.

Fazendas verticais são estruturas localizadas nos centros urbanos destinadas ao plantio em camadas verticais, sendo uma alternativa para a produção de hortaliças, frutas e verduras. Cultivados em ambientes controlados, estes alimentos possuem um método de produção mais sustentável, no qual, por meio da tecnologia, utiliza-se de maneira muito mais eficiente os recursos naturais da cadeia produtiva.

Economizando até 95% de água, evitando o desmatamento e a erosão do solo, a diminuição do desperdício de comida e produzindo um alimento mais limpo, essas estruturas se candidatam a serem grandes produtoras de alimento nas próximas décadas.

Entretanto, no mundo da inovação, nem tudo são flores. Apesar de apresentarem enormes vantagens e impactos diretos ambientais, essas estruturas ainda precisam evoluir em diversos pontos antes de se tornarem realmente escaláveis e globais. Um dos principais pontos de divergência frente a essa inovação é o consumo energético

Fazendas verticais consomem uma altíssima quantidade de energia e não há como fugir do questionamento: como lidar com a demanda energética proveniente da produção de alimentos indoor? Como alinhar o desenvolvimento de energias renováveis com a necessidade de darmos alternativas à nossa agricultura?

Para entendermos um pouco melhor a combinação desses setores, antes de mais nada, precisamos nos contextualizar sobre a real situação energética que enfrentamos e enfrentaremos nas próximas décadas.

Consumo mundial

O mundo precisará de um suprimento de energia significativamente maior no futuro, especialmente a eletricidade gerada de forma limpa. A demanda de eletricidade está aumentando cerca de duas vezes mais rápido que o uso geral de energia e há uma expectativa de aumento de mais de 50% até 2040, tendo como fatores principais o crescimento populacional e a necessidade cada vez maior de aparelhos eletrônicos no mundo digital.

Em termos de demanda atual, os combustíveis fósseis representam cerca de 80,2% do consumo de energia mundial — sendo a indústria (32%), o transporte (25%) e o consumo residencial (24%) os principais responsáveis por esse número.

O desenvolvimento das fontes energéticas e seu compartilhamento tem sido pauta, tanto na condição de suprir a demanda, quanto na ajuda contra o aquecimento global, sendo este um dos principais contribuintes para a desastrosa situação atual climática.

Neste cenário de expansão da demanda, medir a proporção de pessoas com acesso à eletricidade é um importante indicador social e econômico. Apesar de não existir uma definição universalmente adotada do que significa o termo “acesso à eletricidade”. No entanto, a maioria das definições está alinhada com o fornecimento de energia, instalações de cozinha seguras e um nível mínimo exigido de consumo.

Gráfico do consumo e dos continentes-países que consomem mais e países com menos acesso

Fonte: https://ourworldindata.org/grapher/share-of-the-population-with-access-to-electricity

Levando-se em consideração essas premissas, os dados demonstram 750 milhões de pessoas sem acesso à eletricidade em todo o mundo. E, a menos que os esforços sejam amplamente intensificados, o mundo não conseguirá garantir o acesso universal à energia. Cerca de 660 milhões de pessoas não terão acesso à eletricidade até 2030 — um número completamente absurdo se pensarmos no acesso democrático à maior fonte de energia do sistema solar.

Esses valores nos trazem um outro grande desafio: a qualidade do serviço de energia. Não basta garantir o acesso, é necessário que o fornecimento seja contínuo, uma vez que as interrupções de energia elétrica produzem impacto na qualidade de vida das pessoas e no desenvolvimento socioeconômico do país. Neste desafio evolutivo, vivenciamos o surgimento de uma nova matriz energética mundial, traduzida pelos 4 D’s das Energias Renováveis: Descentralizada, Democratizada, Descarbonizada e Digitalizada.

Descentralização

A redução das emissões de gases de efeito estufa também envolve uma produção de energia mais eficiente, flexível e resiliente. Na prática, esse ponto consiste em construir pequenos polos independentes geradores de energia limpa que possam ser usados para abastecer pequenas regiões ou mesmo casas, diminuindo a dependência de agentes públicos e privados.

Democratização

Baseado nos dados de acesso à energia, podemos ver a necessidade de termos formas isonômicas na geração e distribuição energética. Afinal, é necessário que o acesso às novas formas sustentáveis seja de todos, trazendo junto a possibilidade de desenvolvimento local e de outros setores dependentes.

Descarbonização

Retardar o aumento da temperatura global significa trazer as emissões de gases de efeito estufa (principalmente dióxido de carbono) para perto de zero. Trata-se da busca por fontes com o menor impacto ambiental possível. É sem dúvidas o ponto de virada de como consumimos e produzimos nossa commodity.

Digitalização

A digitalização passa por conceitos como a Internet das Coisas (IOT), Big Data, Data Analysis, Blockchain e Inteligência Artificial (IA). Termos os mecanismos necessários e o entendimento de como consumimos nosso bem, nos dará a possibilidade de um consumo mais racional e eficiente.

O mercado de energia renovável

Para a geração de energia a partir de fontes renováveis, o desafio é econômico. Investir em matrizes energéticas a partir de fontes renováveis ainda tem um custo elevado e, embora ainda estejamos longe de atingir o ponto de virada necessário para garantir segurança climática e energética para o futuro, grandes avanços ocorreram durante a última década.

Nos últimos dez anos, a capacidade de produção de energias renováveis quadruplicou no mundo. A queda nos custos de fabricação foi o principal motivador para os investimentos em energia eólica, biomassa, hidrelétrica e, sobretudo, solar atingirem nesta década mais de US$ 2,5 trilhões em investimento. Destaque para esta última, que teve mais gigawatts instalados em todo mundo do que qualquer outra tecnologia de geração energética.

Gráfico de crescimento da produção de energia renovável e previsão
(quanto foi investido nos últimos anos e previsão de produção mundial futura)

Fonte: https://www.ren21.net/five-takeaways-from-ren21s-renewables-2021-global-status-report/

A evolução é visível, mas está longe de ser suficiente. Apesar de o setor de energia renovável ter empregado direta ou indiretamente 12 milhões de pessoas em 2020, a proporção de consumo de energias fósseis ainda representa apenas um décimo abaixo do que era uma década atrás.

Os grandes centros de inovação tecnológica, como China e Estados Unidos, estão seriamente engajados a realizar mudanças na tecnologia e no uso de energia renovável, sendo esses também os grandes emissores de gases poluentes. Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), o mercado total de energias renováveis deve atingir ao menos US$ 5 trilhões até 2050, na expectativa de alcançar as metas e acordos estipulados entre os países nos últimos anos

Entre a discordância da sustentabilidade de algumas fontes de energia como a hídrica, o medo histórico de acidentes nucleares e a necessidade de produção energética renovável em alta escala, novos mecanismos de produção vem surgindo. Diferentes elementos como o hidrogênio e o grafeno estão sendo testados como novas fontes, tanto na geração como na distribuição mais eficiente. E a corrida por novos mecanismos e fontes para suprir nossa demanda futura está apenas começando.

Sem dúvida, o setor mundial de energia está enfrentando desafios sem precedentes e agora está claro que a pandemia recente teve e terá um impacto fundamental no ritmo e na direção da transição energética global.

Gastos Fazendas Verticais

Com o avanço dessas fontes e o desenvolvimento de novas vertentes, as fazendas verticais ganham uma grande aliada no combate dos efeitos climáticos e auxílio à demanda alimentícia de forma mais limpa. Apesar de apresentarem diversos benefícios ambientais e sociais, essas estruturas altamente tecnológicas consomem inúmeras vezes a quantidade de energia frente ao modelo tradicional.

Tais gastos durante anos inviabilizavam os negócios e transformavam essa possível alternativa à agricultura tradicional em uma opção ambiental e financeiramente inviável. Porém, com o auxílio de novas tecnologias capazes de ampliar a eficiência energética e processos de produção otimizados, esse modelo de negócio vem ganhando adesão por todas as partes do globo.

Toda essa demanda energética é distribuída basicamente nos aparelhos necessários para construção e manutenção dessas estruturas: lâmpadas de led, climatização de ambiente, hardwares, softwares entre outros. Esse custo é sem dúvida o calcanhar de Aquiles das fazendas indoor. Há de se imaginar, porém, que como todo problema proveniente de inovações disruptivas, logo se tornam foco de críticas, mas também de holofotes para possíveis soluções inovadoras.

Algumas soluções já adotadas, como a utilização de painéis solares e turbinas eólicas, podem reduzir significativamente o seu consumo. Fontes alternativas como turbinas de hidrogênio e energia por biomassa também já são discutidas em algumas empresas pelo mundo. Além disso, em alguns lugares as taxas de energia são mais baratas à noite, propiciando a possibilidade de ligar as luzes em horários alternativos para redução de custos.

As greenhouses, como são conhecidas, são como estufas automatizadas, permitindo a entrada de luz solar durante o dia, em uma proposta de redução dessa demanda contínua de energia. Em um conceito parecido com o das fazendas verticais, essas estufas produzem em menor volume e contam com investimento significativamente menor, dada sua baixa demanda por tecnologia. E essas são apenas algumas das possíveis derivações de como as fazendas urbanas vêm se adaptando ao modelo de agricultura futuro.

Sem dúvidas, os desafios e possibilidades são diversos e é (ou ao menos deveria ser) cada vez maior a preocupação em evitar uma catástrofe global derivada dos níveis de aquecimento global. A combinação entre desenvolvimento tecnológico para o fornecimento de energia limpa e a eficiência operacional da produção indoor ditarão o rumo e a velocidade de convergência entre os setores.

Nosso Futuro

A urgência de transformação do nosso sistema energético é compatível com o potencial de criar vantagens significativas à agricultura tradicional, não só para o mercado, mas para todas as pessoas.

A energia e o alimento são os alicerces da nossa existência como humanidade, e como produzi-los e usá-los está se transformando rapidamente. Nós não sabemos como o futuro será, mas certamente estamos dentro de uma revolução dos métodos atuais, em busca de um mundo onde ambos sejam sustentáveis e abundantes.


Este artigo foi produzido por Fabio Bessa, especialista em inovação, tecnologia e sustentabilidade.

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