Oferecido por
O acidente vascular cerebral, conhecido popularmente como AVC, foi a doença que mais matou no Brasil em 2022, segundo dados do Ministério da Saúde. Ele pode ocorrer de duas formas: por hemorragia, quando há o rompimento de um vaso sanguíneo cerebral; e por isquemia, decorrente de uma obstrução de um vaso sanguíneo cerebral que leva à falta de sangue em uma região do cérebro. O principal fator de risco para a doença é a hipertensão.
Das pessoas afetadas pelo AVC, cerca de 70% têm algum prejuízo funcional e 30% encontram dificuldades de locomoção. No país, são registrados cerca de 400 mil casos por ano — destes, 80% são atendidos no Sistema Único de Saúde (SUS). Além disso, calcula-se que uma em cada quatro pessoas, no mundo, terá um AVC ao longo da vida.
Um estudo brasileiro inédito tem como objetivo comparar dois níveis de pressão arterial em pacientes hipertensos e com histórico de AVC isquêmico. O objetivo é avaliar se o nível de pressão mais baixo reduz o número de eventos cardiovasculares se comparado ao que é atualmente recomendado. A pesquisa tem mais de 4,3 mil pacientes sendo acompanhados em todo o Brasil.
Na prática, é feito um monitoramento da pressão arterial dos voluntários com a intenção de descobrir qual é o patamar mais seguro para evitar a ocorrência de um segundo AVC. Metade dos pacientes são mantidos com a pressão arterial abaixo de 140 mmHg (ou 14) e a outra, a 120 mmHg (ou 12).
O estudo Optimal AVC é um projeto do Hospital Israelita Albert Einstein, em parceria com o Ministério da Saúde, por meio do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Institucional do Sistema Único de Saúde (Proadi-SUS).
A neurologista do Einstein (head de Estudos Clínicos em Neurologia na Academic Research Organization) e professora do Departamento de Neurologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Gisele Sampaio explica que alguns estudos anteriores sugerem um patamar, mas ainda não se sabe com propriedade o nível ideal da pressão arterial para essa finalidade.
“Nos pacientes que tiveram AVC, é uma prioridade o tratamento adequado dos fatores de risco para evitar um segundo AVC, o que pode ter consequências graves para o paciente e sua família. A questão é: devemos deixar a pressão abaixo de 140 mmHg ou é melhor reduzir para níveis menores, como 120 mmHg? Essa é a ideia do estudo”, explica.
Embora a pandemia da Covid-19 tenha dificultado o recrutamento de voluntários, a etapa de inclusão de pacientes foi concluída com sucesso e o projeto pôde seguir a partir de uma adaptação: o Ministério da Saúde autorizou a compra de aparelhos para medir a pressão dos pacientes em casa, por meio de um acompanhamento virtual durante o auge da pandemia.
“No período crítico da pandemia de Covid-19 muitos estudos internacionais foram interrompidos. O estudo é muito importante para o Brasil e para o mundo. Fizemos muito esforço para mantê-lo durante a pandemia”, relata a médica.
Um relatório da American Heart Association (AHA) destaca a necessidade mundial de realização de novas pesquisa para a identificação do nível adequado de pressão arterial para a prevenção de eventos cardiovasculares em pacientes hipertensos com histórico de AVC.
A expectativa é que os resultados do estudo Optimal AVC possam fornecer evidências do impacto do tratamento a nível global. “Os indicadores podem mudar as diretrizes internacionais”, afirma a médica.
Os primeiros resultados da pesquisa serão possivelmente divulgados a partir de 2024. Por enquanto, apenas um comitê de segurança tem acesso à integra dos dados coletados.
Monitoramento dos pacientes
Atualmente, para pacientes já hipertensos, é recomendado manter a pressão arterial abaixo de 140 mmHg. Porém, estudos recentes demonstram que, para aqueles que não têm histórico de alto risco cardiovascular, manter níveis reduzidos (abaixo de 120 mmHg), pode ser benéfico.
Ainda há dúvidas, no entanto, sobre o benefício de se manter um nível mais baixo de pressão para pacientes que tiveram AVC isquêmico.
“Deixar a pressão arterial abaixo de 120 mmHg não é fácil. Alguns participantes chegam a tomar três, quatro medicamentos. O paciente tem que ser um membro ativo do próprio tratamento, tem que tomar medicações, precisa ter um estilo de vida saudável, comer pouco sal e praticar exercícios físicos rotineiramente. É um comprometimento do paciente com a pesquisa e com sua própria saúde”, pondera Gisele.
A pesquisa envolve 30 centros de referência em todas as regiões do Brasil. Cada centro tem um investigador principal e mais um ou até dois coinvestigadores para o monitoramento.
Cada voluntário do estudo Optimal AVC deve ir ao centro de referência a cada três ou quatro meses. Em alguns casos, pode haver uma visita extra mensalmente. As medicações usadas são doadas pelo estudo ou disponíveis no SUS, a critério do investigador. Atualmente, a aferição da pressão é feita em consultório e os dados são consolidados em uma plataforma.
O AVC no Brasil
No Brasil, a cada cinco minutos, uma pessoa morre após ter um AVC, de acordo com o Ministério da Saúde. Diversos fatores, sendo a maior parte evitáveis, aumentam a probabilidade de ocorrência de um AVC: hipertensão; diabetes tipo 2; colesterol alto; obesidade; tabagismo; uso excessivo de álcool; idade avançada; sedentarismo; uso de drogas ilícitas; histórico familiar; e ser do sexo masculino.
Segundo os dados mais recentes divulgados no portal da transparência da Associação de Registradores de Pessoas Naturais (Arpen Brasil), 105.755 pessoas morreram vítimas da doença em 2021. O número é maior que o registrado em 2020, quando se chegou a 103.073 óbitos.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), um inquérito epidemiológico de base domiciliar, indica que o AVC tem altas taxas de prevalência em indivíduos idosos, sem educação formal e moradores de centros urbanos.
Um levantamento feito pelo Ministério da Saúde divulgado em 2022 indica que o número de adultos com diagnóstico médico de hipertensão aumentou 3,7 pontos percentuais em 15 anos no país. Os índices saíram de 22,6%, em 2006, para 26,3%, em 2021.
Esse panorama, já muito crítico, ficou ainda mais delicado durante a pandemia de Covid-19. O fato de as pessoas terem ficado mais tempo sem ir ao médico, deixando de tomar medicamentos preventivos, pode ter contribuído para o aumento de casos mais graves.
A neurologista do Einstein afirma que é possível evitar novos casos e ter uma vida mais saudável mesmo após a ocorrência de um AVC. “O principal é manter um estilo de vida saudável e equilibrado, com alimentação adequada e prática de exercícios”, frisa.
A médica destaca quais sintomas devem ser observados em casos de AVC: fraqueza ou formigamento na face, no braço ou na perna, especialmente em um lado do corpo; confusão mental; alteração da fala ou compreensão; alteração na visão (em um ou ambos os olhos); alteração do equilíbrio, coordenação, tontura ou alteração no andar; e dor de cabeça súbita, intensa e sem causa aparente.
Alerta para os jovens
O consumo excessivo de álcool entre os jovens é uma preocupação crescente em relação ao risco de AVC, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Embora culturalmente o AVC seja associado à população idosa (acima dos 60 anos) a incidência entre adultos tem aumentado e preocupado especialistas: até 15% dos casos acontecem em pessoas entre 45 e 50 anos.
Um estudo divulgado pela revista médica The Lancet também levantou a suspeita de que o excesso de trabalho como causador de estresse pode estar relacionado a um maior risco de AVC em jovens. Uma das possibilidades é que o excesso de trabalho faça com que a pessoa tenda a se alimentar mal, a fazer menos exercícios físicos e a ter menos tempo para cuidar de sua saúde. Além disso, o estresse pode também aumentar a incidência dos fatores de risco.