Futuro perfeito: em meio à pandemia, “algo aconteceu com nosso senso de tempo”, diz Roman Krznaric. KATE RAWORTH
Poucos dias depois do confinamento da Covid-19 em Oxford, Reino Unido, a rua onde o filósofo Roman Krznaric vive se transformou. Um grupo de e-mails rapidamente se deslocou para WhatsApp com mais de 100 vizinhos. Os pais trocaram dicas de ensino doméstico e compararam receitas de pão. Pacotes de comida, coordenados por telefone celular, eram entregues aos mais vulneráveis, e quando Krznaric quis ensinar caligrafia chinesa a seus gêmeos de 11 anos, dois conjuntos de pincéis apareceram em sua porta.
Krznaric vê nesse apoio mútuo o impacto da empatia, a capacidade de se colocar no lugar de outras pessoas no mundo de hoje e compreender seus sentimentos e necessidades emocionais. Tendo pesquisado empatia por anos, ele tem um olho treinado para isso. Mas enquanto a pandemia da Covid-19 fazia estragos na Europa e seu grupo do WhatsApp continuava agitado, ele ponderava outra questão: os humanos podem fazer conexões pessoais e empáticas com pessoas que nunca serão capazes de encontrar e ver?
“Se queremos ser bons antepassados, devemos mostrar às gerações futuras como enfrentamos uma época de grandes mudanças e crises”.
Jonas Salk
“Há muitos anos tenho escrito livros, feito palestras e falado sobre empatia”, diz Krznaric, um autoproclamado filósofo público. “Mas o que eu não tinha pensado tanto é o seguinte: como nos colocamos no lugar das gerações futuras, não por meio do espaço, mas através do tempo?”
Esta questão orienta o livro de Krznaric “The Good Ancestor: How to Think Long Term in a Short–Term World”. É um volume repleto de ideias sobre como combater “nosso curto prazo patológico”, como ele o chama. Na era do botão “compre agora”, coletivamente não reconhecemos como as mudanças climáticas, o consumo excessivo de recursos e a perda de biodiversidade estão condenando as gerações futuras a viver em um planeta caótico.
Empatia com as gerações futuras é uma forma de pensar a longo prazo. Não se pode oferecer um bolo, um abraço ou palavras de apoio a quem nasceu no século 23. Mas presentes e palavras não são os únicos meios de transmitir carinho por outra pessoa e, como Krznaric escreve, ser um bom samaritano não é mais suficiente. O século 21 exige que nos tornemos bons ancestrais.
The Good Ancestor: How to Think Long Term in a Short–Term World Por Roman Krznaric; The Experiment, 2020, R$ 106,47 na Amazon
O livro foi concebido e escrito antes da pandemia, e Krznaric só conseguiu inserir um prefácio relacionado ao coronavírus antes de enviá-lo para impressão e ter que dedicar-se, como muitos outros, a ensinar crianças em casa e reorganizar as rotinas. Ao longo do ano chegaram notícias de despejos, trabalhadores da saúde exaustos, protestos contra a brutalidade policial e falências de pequenas empresas. “Em meio a uma ameaça tão imediata, que ideias oferece o pensamento de longo prazo?” ele escreveu em seu prefácio.
A primeira lição, diz Krznaric, vem da maneira como países com planos de pandemia de longo prazo, como Taiwan ou Coreia do Sul, lidaram com o vírus de forma mais eficaz do que aqueles sem nenhum, como os EUA.
No entanto, uma dica mais profunda pode vir de Jonas Salk, o virologista de meados do século 20 que cunhou a pergunta que virou máxima “Estamos sendo bons ancestrais?”. Salk pode ter reconhecido nossa busca frenética por uma vacina contra a Covid-19 e as notícias quase em tempo real de testes de laboratório, tendo alcançado fama global por desenvolver (e se recusar a patentear) a primeira vacina eficaz contra a poliomielite em 1955. Ainda assim, Salk sempre manteve a visão de longo prazo. “Se quisermos ser bons ancestrais”, disse ele em um discurso de 1967, “devemos mostrar às gerações futuras como enfrentamos uma época de grandes mudanças e crises”.
Krznaric chama isso de paradoxo da urgência. “No momento mais imediato, precisamos pensar no longo prazo devido à urgência da crise climática”, diz ele. Do nosso ponto de vista de 2020, é impossível ver o quão bem vamos lidar com as múltiplas crises de mudança climática, pandemia de coronavírus e autoritarismo. Krznaric é o primeiro a admitir que pode acontecer de qualquer maneira: regimes autoritários podem tentar se agarrar a poderes de emergência que eles próprios concederam, enquanto cidades progressistas como Amsterdã estão reformulando ativamente suas economias em direção à sustentabilidade. No entanto, em meio à dor e ao sofrimento econômico da Covid-19, “algo aconteceu com nosso senso de tempo”, diz ele. “Nos permitiu um momento para fazermos um balanço“.