Digital Twin rejuvenesce uma indústria mais que centenária
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Digital Twin rejuvenesce uma indústria mais que centenária

Do “poço ao posto”, o setor de óleo e gás espera dar um novo salto tecnológico, ainda que em meio à transição energética

“A idade da pedra terminou não porque faltavam pedras; a era do petróleo chegará igualmente ao fim, mas não por falta de petróleo.” À primeira vista, a frase oracular proferida por Zaki Yamani, ex-ministro do Petróleo da Arábia Saudita, em 1973, parece sentenciar prematuramente o fim da era dos combustíveis fósseis. Mas, na verdade, trata-se de uma ironia à crença dominante à época de que a indústria do petróleo e gás estaria fadada ao inevitável esgotamento das reservas — ou, ao pico de produção. 

Se outrora, uma extensa rede de inovações — da sísmica reflexiva à perfilagem de poços, da broca tricone aos compressores de cimentação, da lama de perfuração à mesa rotativa de sonda — viabilizou a contínua redução dos custos da lavra e aumento da disponibilidade de óleo, a integração avançada de tecnologias digitais e físicas faz ressurgir uma indústria de O&G inteiramente renovada na terceira década do século XXI, ainda que em meio à transição energética global. 

Dos poços marítimos às refinarias, as representações digitais das instalações operacionais ganham cada vez mais espaço nesta indústria que ainda se posiciona entre as maiores do mundo. Ao antecipar problemas, simular cenários e apoiar a tomada de decisão, o benefício dos “gêmeos digitais” se traduz em redução de riscos e, sobretudo, custos, em todos os elos da cadeia produtiva, além do aumento da segurança operacional dos ativos. 

Segundo o relatório “Digital Twin in Oil & Gas Market — Industry Dynamics, Market Size, and Opportunity Forecast to 2031”, produzido pela Astute Analytica, o digital twin movimentou, em 2022, US$ 88,4 milhões no setor petrolífero. A estimativa é que alcance US$ 735,3 milhões até 2031, o que indica um “crescimento anual projetado de cerca de 30% nos próximos cinco anos”, aponta o relatório. 

O grande desafio ou, pelo menos, o primeiro desafio, é a complexidade das operações”, disse Rodrigo Lemos, vice-presidente executivo de novas energias e serviços da Ocyan.  

Basta imaginar plataformas que operam a 200 km da costa, equipamentos submarinos instalados em grandes profundidades no piso oceânico ou mesmo refinarias que destilam diversos tipos de petróleo sob intenso poder calorífico. Seja em terra ou mar — ou do “poço ao posto” — o “espelhamento digital” surge como uma ferramenta útil para monitorar em tempo real a integridade das plantas de produção submetidas às condições hostis de temperatura, pressão e corrosão.  

Ao evitar uma parada não programada de uma refinaria ou plataforma, reduzindo seu tempo de inatividade ou mesmo intervindo na estrutura antes que a falha mecânica aconteça, os “gêmeos” mantêm o fluxo da operação sem onerar as despesas (opex). Mas a aplicação da ferramenta não se limita, a nível sistêmico, às atividades de inspeção, manutenção e reparo. 

A modelagem, se bem calibrada com dados precisos, pode, por exemplo, acelerar o primeiro óleo de um projeto — que, por vezes, leva cinco anos — ou otimizar o ciclo de vida de um reservatório para extrair maior valor, como faz a Petrobras em Mero, no Pré-Sal. Ou ainda, no refino, etapa posterior à produção, aprimorar o planejamento para maximizar a geração de receita, como também faz a petroleira brasileira. 

Após criar o Centro de Excelência Digital Twins em 2020, no Cenpes, unidade responsável por conduzir suas atividades de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), a Petrobras aumentou a margem de suas refinarias em R$ 200 milhões, privilegiando uma estratégia de processar mais produtos de valor agregado, como gasolina, diesel e nafta, utilizando a mesma quantidade de petróleo. Em suma, fez-se mais com menos. 

Estes são alguns exemplos de como o emprego do digital twin pode dar um salto de produtividade na indústria de óleo e gás. 

Outros desafios 

A despeito de ser intensiva em capital e inovação tecnológica, a mais que centenária indústria de petróleo e gás ainda detém uma postura conservadora frente à cultura digital. Isso remonta ao idos de 1859, quando o “coronel” Edwin Drake, que nunca tinha sido militar, comandou, na Pensilvânia (EUA), a campanha exploratória que deu início à corrida do “ouro negro” tal qual conhecemos hoje. De lá até a Primeira Guerra Mundial, a decisão de localizar o poço cabia aos “coronéis” de plantão. 

Levou muito tempo até a pesquisa geofísica — certamente o “primeiro digital twin do O&G” — se consolidar como principal método capaz de reduzir o risco de (não) achar petróleo. As etapas de aquisição de dados geofísicos das superfícies submersas, o processamento destes e sua interpretação tornaram-se a interface mais evidente entre o petróleo e a informática — dos 30 supercomputadores que existiam na década de 1970, mais de 90% da capacidade de processamento era ocupada pela geofísica petrolífera. 

“Outro desafio, que é um tema mais humano, é a resistência às mudanças. O setor de óleo e gás ainda é muito tradicional. Vamos precisar trabalhar muito a questão cultural da inovação digital”, complementou o VPE da Ocyan.  

Na visão do executivo, contudo, a incerteza provocada pela volatilidade dos preços do petróleo e a pressão exercida pela agenda ESG (Environmental, Social and Governance) estão impulsionando a transformação digital do setor petrolífero, que se vê impelido a ser mais eficiente em termos de custos e produção. Além disso há o fato de que a emissão de gases de efeito estufa tem potencial de agravar as mudanças climáticas, o que coloca uma pressão adicional da indústria de O&G 

A transformação digital da indústria de petróleo, avalia Lemos, está intrinsicamente ligada à transição energética. Cabe lembrar que o digital twin também pode ajudar a mitigar as emissões de CO₂. “Trata-se de produzir petróleo com menor custo e emissão de gases poluentes, mas com o máximo de segurança operacional. A mudança de paradigmas já está acontecendo […], não é que a digitalização não existia no óleo e gás, é que agora ela está com foco e perfil de atuação diferentes”, afirma. 

Nessa direção e com objetivo de aprimorar as operações da empresa, trazendo maior eficiência e segurança a seus colaboradores e clientes, além de impulsionar o ecossistema de startups, alinhando a sua capacidade criativa e disruptiva para acelerar o processo de inovação, a Ocyan criou, em 2019, o Ocyan Waves Challenge. Na segunda edição, em 2020, executou dois projetos-piloto com a Vidya Technology: o primeiro consistia na construção de um digital twin para BOP (Blowout Preventer) e outro na otimização da gestão de integridade e de corrosão de FPSOs — navios-plataforma que operam a produção de óleo e gás no Pré-Sal. 

Em ambos os pilotos, a plataforma de software da Vidya, que combina modelos 3D, captura de realidade, capacidades de visualização, processamento de dados, simulações e Inteligência Artificial, otimizou a performance dos ativos, reduziu o tempo de intervenção de equipamentos e a necessidade de pessoas a bordo.  

A Ocyan anunciou, em novembro de 2023, investimentos na forma de Venture Capital para se tornar sócia minoritária da startup. 

Segurança é inegociável 

Outro ponto crítico apontado pelo VPE da Ocyan é a segurança cibernética. À medida que cresce o volume de dados coletados, maior a vulnerabilidade dos sistemas digitais de controle industrial. Dito isto, está posta uma “contradição tecnológica”, por assim dizer: se uma das principais aplicações do digital twin é justamente proteger a integridade estrutural de instalações físicas, é preciso redobrar os esforços para resguardar a infraestrutura digital para que tudo não desmorone feito um ‘castelo de cartas’. 

Cabe destacar que o setor de energia é um dos mais visados pelos hackers por ser uma infraestrutura essencial à sociedade. A motivação dos ataques pode variar, desde razões ideológicas, passando por extorsões, até ações patrocinadas para desestabilizar um concorrente empresarial. Um caso emblemático foi o da operadora de oleodutos Colonial Pipeline, vítima de uma sabotagem que interrompeu o fornecimento de combustível na região Sudeste dos Estados Unidos em maio de 2021. 

Diante disso, a Mordor Intelligence prevê que a taxa de crescimento anual composta (CAGR) do mercado cybersecurity no óleo e gás será de 4,63% até 2028. 

O “smart twin” 

No futuro, espera-se que o digital twin possa evoluir para o “smart twin”. O “pulo do gato” ocorrerá com a Inteligência Artificial, que dotará os “gêmeos” num sistema capaz de tomar decisões autônomas, capaz de simular decisões com base em modelos e dados cada vez mais precisos. Some-se a isso a contribuição de outras soluções digitais associadas, como Internet das Coisas, Big Data, Ciência de Dados e Robótica. 

Segundo um ex-diretor da Petrobras que preferiu não ser identificado, a tendência é que o smart twin “passe a prescrever” o que o técnico deve fazer. “Nesse estágio, a máquina digital e a inteligência humana irão se retroalimentar de forma incessante. A aceleração de resultados será estrondosa”, explicou à reportagem. 

O executivo avalia que os custos do sensoriamento estão em queda, o que favorece a disseminação do digital twin no óleo e gás. Pela sua análise, os transdutores e a conectividade do 5G são fatores responsáveis pela economia de escala, embora a ‘energização’ dos sensores ainda se constitua como barreira a ser vencida. 

“Apesar disso, inovações como o Edge Computing, a narrow band (banda estreita) e novas baterias já vêm derrubando progressivamente os custos”, concluiu. 

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