Qual é o trabalho mais estressante do mundo? Se uma pesquisa sobre esse assunto fosse feita entre todos os leitores desse texto, provavelmente a maioria teria um impulso rápido de responder: “o meu”. Temos uma relação muito intensa com a nossa profissão, cheia de amores e ódios. Uma rotina diária estafante, demandante, quase “sanguessugante”.
Mas será mesmo que o seu trabalho é o mais desgastante que existe? Imagine como deve ser a rotina de uma professora que precisa garantir que 50 crianças agitadas aprendam um conteúdo que é muito menos divertido que o parquinho que pode ser visto pela janela, todos os dias. Ou como deve ser a vida de um bombeiro que coloca a sua vida em risco para salvar pessoas acidentadas, em um calor infernal, sem a mínima possibilidade de errar. Como deve se sentir pressionada uma cirurgiã, que vai fazer uma operação extremamente delicada que pode trazer consequências seríssimas ao seu paciente. Ou ainda como é o estado mental de um motorista de aplicativo, que fica 14 horas diariamente no trânsito de uma metrópole levando pessoas atrasadas e mal-humoradas para lá e para cá enquanto recebe constantes buzinadas de motoqueiros para conseguir ganhar apenas o suficiente para se sustentar.
Esses são alguns exemplos de profissões que foram destacados em rankings dos trabalhos mais estressantes do mundo, publicados nos últimos anos. Além dos casos acima, a lista divulgada pela CareerCast também inclui militares, pilotos de avião, policiais, jornalistas, coordenadores de eventos e… executivos de corporações. Um outro ranking publicado pela CareerAdict ainda inclui profissões mais específicas, como operadores de tráfego aéreo, enfermeiros que coletam sangue, atendentes de telefone de emergência, terapeutas familiares, assessores de relações públicas e… gerentes de TI.
Surpreendente? Possivelmente você já imaginava esse resultado. Porque sente, na própria pele, as dores de carregar nas costas esse piano pesado que você chama de “meu serviço”. Trabalho é “perrengue”. Uns são mais espinhentos, outros menos. Mas todos machucam, cansam, desgastam. Essas mesmas pesquisas apontam as principais razões de estresse nas profissões — quanto maior a quantidade de deslocamentos, prazos apertados, exposição pública, competitividade, esforço físico, risco de vida e atendimento a pessoas, maior o impacto negativo sobre quem trabalha.
Meses atrás, com a ajuda do instituto Provokers, perguntamos para quase mil trabalhadores brasileiros o que eles fariam se ganhassem R$100 milhões. As respostas foram estas:
– 56% sairiam do trabalho atual, sendo que, desses, 30% mudariam de trabalho enquanto 26% parariam de trabalhar e iriam apenas aproveitar o dinheiro que ganharam.
– 44% continuariam no trabalho atual.
E você, o que faria?
Acho curioso observar que a maioria das pessoas afirma que continuaria trabalhando, ainda que não planeje permanecer em seu trabalho atual. É isso: no fundo, a gente sabe que o trabalho é uma benção. Talvez não exatamente o trabalho atual, com esse ambiente, esse gestor, esses investidores, essas tarefas e esses clientes. Mas a nossa profissão é uma bênção. Por meio dela podemos conquistar sustento e conforto, nos sentirmos produtivos e sermos úteis aos outros — o que dá um sentido muito maior a tudo que fazemos nesse compromisso que ocupa a maior parte das nossas agendas durante a semana.
Trabalhar com inovação tem um tempero especial. É um mundo onde experimentamos o futuro “em primeira mão”. É uma área onde criamos novidades que realmente são capazes de facilitar a vida das pessoas. É um jogo que desperta em nós as mesmas sensações que tínhamos quando crianças e fazíamos as coisas pela primeira vez. Também é um mercado com amplas oportunidades e portas que se abrem todos os dias — inclusive onde nem havia porta. Mas, ao mesmo tempo, é uma selva competitiva, um ambiente onde você nunca consegue saber o suficiente e todos os prazos estão sempre atrasados. Um contexto de eterna insatisfação e de listas de tarefas que nunca terminam.
Qual é a sua relação com o seu trabalho? O que você falaria para os seus filhos se eles quisessem seguir os seus passos profissionais?
Estudos demonstram que temos duas vezes mais probabilidade de seguir a mesma carreira de nossos pais. A maneira como você se relaciona com o que você faz no horário comercial impacta diretamente a próxima geração que está o tempo todo lhe observando.
Aqui está uma grande oportunidade. Não apenas de causar algo positivo nas crianças, mas de tentar colocar mais satisfação na sua própria vida. Tem gente que tenta resolver esse dilema fazendo algo interessante nas horas vagas – mas isso não é suficiente e deixa a segunda-feira ainda mais torturante. Também há os que se esforçam para acumular uma grande poupança ainda jovem, pensando em um dia sair do modo “não tenho opção” e finalmente conseguir “aproveitar a vida sem ter que trabalhar”, mas a verdade é que fazer isso é admitir que o tempo que passamos trabalhando não serve para nada além de ganhar dinheiro. Finalmente ainda há os que tentam mudar infinitamente de emprego, até encontrarem a vaga dos sonhos – o que todos sabemos que não existe.
A melhor solução para esse desafio está em mudar a sua relação com o seu trabalho atual. Se você for capaz de colocar um significado maior no que faz no dia a dia, conseguirá encher as suas horas pagas com a mesma sensação que está buscando nas horas vagas. Em outras palavras, é possível mudar de trabalho sem mudar de emprego. Seguem aqui algumas dicas sobre como fazer isso:
1.Trabalhe com a intenção certa. Você pode ser um uma enfermeira muito preparada tecnicamente, mas é a intenção de cuidado que traz segurança para os pacientes antes mesmo de você falar “bom dia” para eles. O mesmo vale para nós. As pessoas ao seu redor percebem a sua intenção quando você está trabalhando. Como você trata um funcionário que trouxe uma situação pessoal de problema para você? Como lida com a sua chefe? Se o seu gestor pediu para fazer uma coisa que você não gosta, como você reage? Como responde aos erros dos outros? Sua intenção é fazer todo mundo crescer, ou simplesmente garantir o seu resultado? Com a intenção certa ao longo do dia, você vai deixar suas melhores raízes à mostra. E isso tem impacto direto em como você vai se sentir ao final do dia.
2. Lembre-se que as pessoas precisam do que você faz. Perceba: as nossas vidas seriam muito mais difíceis, caras, feias ou chatas se não tivéssemos o trabalho dos caminhoneiros, cabeleireiros, agricultores, motoboys, garçons, policiais, juízes, operários, pilotos, pintores, jogadores de futebol, analistas de sistemas, bancários, governantes, filósofos, cientistas e farmacêuticos. Pode até parecer que um trabalho é mais essencial que outro, mas, na verdade, todos têm o seu valor. Inclusive o seu. O que você vai fazer hoje em seu trabalho é muito útil para alguém. E lembrar disso muda tudo.
3. Excelência é uma prova de amor. Quando abordamos temas como trabalhar com maestria, expertise ou uma habilidade avançada, normalmente estamos falando sobre produtividade e eficiência. Isso também é positivo, mas estou indo além. Estou falando da busca pelo contexto no qual você pode dar o seu melhor em favor do outro. Talvez não exista forma mais prática de amar o próximo do que fazer o que você sabe fazer, bem-feito, com a intenção de servi-lo. Excelência não é fazer “meia boca”. Nem é fazer “o que dá”. Excelência é quando você faz alguma coisa e os outros falam “uau”. Capriche! As pessoas merecem o seu melhor. Isso não vai deixar a sua rotina mais fácil, o seu chefe mais bonzinho e nem o seu concorrente mais amigável. Mas vai mudar o mais importante: você.
Quando você consegue combinar uma atividade profissional que tem tudo a ver com as suas melhores habilidades e as coloca em prática com excelência fazendo algo que é muito útil para muita gente com a intenção de fazer isso como um gesto de serviço ao próximo, você preenche a maior parte da sua vida com algo que tem um propósito mais elevado.
Como diria a escritora inglesa Dorothy Sayers: “o trabalho não é o que se faz para viver, mas o que se vive para fazer”. O seu trabalho ocupa um espaço tão grande em sua agenda que não pode ficar de fora dos seus propósitos de vida. A sua profissão não é uma barreira para eles, talvez ela seja justamente o meio.
Leve o seu coração para o trabalho. Ele pode ser parte da sua missão, se você trabalhar com essa intenção.
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Este artigo foi produzido por João Branco, CMO Brasil / VP de Marketing do McDonald’s – Arcos Dourados, TEDx speaker, e colunista da MIT Technology Review Brasil, Forbes, UOL e M&M.