O módulo de aterrissagem robótico InSight da NASA acaba de nos dar nossa primeira espiada dentro das profundezas de um planeta diferente da Terra.
Mais de dois anos após o seu lançamento, os dados sísmicos coletados pelo InSight deram aos pesquisadores dicas sobre como Marte foi formado, como ele evoluiu ao longo de 4,6 bilhões de anos e como ele difere da Terra. Um conjunto de três novos estudos, publicado na Science no dia 23 de julho, sugere que Marte tem uma crosta mais espessa do que o esperado, bem como um núcleo líquido derretido que é maior do que pensávamos.
Nos primeiros dias do sistema solar, Marte e a Terra eram muito parecidos, cada um com um manto de oceano cobrindo a superfície. Mas nos 4 bilhões de anos seguintes, a Terra tornou-se temperada e perfeita para a vida, enquanto Marte perdeu sua atmosfera e água e se tornou o deserto árido que conhecemos hoje. Descobrir mais sobre como é Marte por dentro pode nos ajudar a descobrir por que os dois planetas tiveram destinos tão diferentes.
“Ao passar da compreensão de [alguns] desenhos de como é o interior de Marte para valores reais, podemos realmente expandir a árvore genealógica do entendimento de como os planetas rochosos se formam, como se parecem e como se diferenciam”, disse Mark Panning, cientista do projeto da missão InSight , durante uma coletiva de imprensa da NASA.
Desde que o InSight pousou em Marte em 2018, seu sismômetro, que fica na superfície do planeta, detectou mais de mil terremotos distintos. A maioria é tão pequena que seria imperceptível para alguém na superfície de Marte. Mas alguns eram fortes o suficiente para ajudar a equipe a ter o primeiro vislumbre do que está acontecendo por baixo do astro.
Os terremotos de Marte (conhecidos como “Marsquakes”) criam ondas sísmicas que o sismômetro detecta. Os pesquisadores criaram um mapa 3D de Marte usando dados de dois tipos diferentes de ondas sísmicas: ondas de cisalhamento (ou transversais) e de pressão. Ondas de cisalhamento, que só podem propagar-se em corpos sólidos, são refletidas na superfície do planeta.
As ondas de pressão são mais rápidas e podem propagar-se por corpos sólidos, líquidos e gasosos. Medir as diferenças entre as horas em que essas ondas foram sentidas permitiu aos pesquisadores localizar os terremotos e dar-lhes pistas sobre a composição do interior.
Uma equipe, liderada por Simon Stähler, um sismólogo da ETH Zurich, usou dados gerados por 11 dos maiores terremotos para estudar o núcleo do planeta. Pela forma como as ondas sísmicas refletiram no núcleo, eles concluíram que é feito de níquel e ferro líquido e que é muito maior do que foi estimado anteriormente (entre 3.589 e 3.734 quilômetros de largura) e provavelmente menos denso.
Outra equipe, liderada por Amir Khan, cientista do Instituto de Geofísica da ETH Zurich e do Instituto de Física da Universidade de Zurique, examinou o manto marciano, a camada que fica entre a crosta e o núcleo. Eles usaram os dados para determinar que a litosfera de Marte — embora semelhante em composição química à da Terra — carece de placas tectônicas. Também é mais espesso que o da Terra em cerca de 90 quilômetros.
Essa espessura extra foi provavelmente “o resultado da cristalização e solidificação do oceano de magma”, o que significa que Marte pode ter sido congelado rapidamente em um ponto crucial de seus anos de formação, sugere a equipe.
Uma terceira equipe, liderada por Brigitte Knapmeyer-Endrun, uma sismóloga planetária da Universidade de Colônia, analisou a crosta marciana, a camada de rochas em sua superfície. Eles descobriram que, embora sua crosta seja provavelmente muito profunda, também é mais fina do que sua equipe esperava.
“Isso é intrigante porque aponta para diferenças no interior da Terra e de Marte, e talvez eles não sejam feitos exatamente do mesmo material, então não foram construídos exatamente com os mesmos alicerces”, diz Knapmeyer-Endrun.
A missão InSight chegará ao fim no próximo ano, depois que suas células solares forem incapazes de produzir mais energia, mas, até lá, é possível que ainda mais segredos internos de Marte sejam revelados.
“Com relação à sismologia e ao InSight, ainda há muitas questões em aberto para a missão estendida”, destaca Knapmeyer-Endrun.