No último domingo de junho (31), não houve um blecaute nas comunicações em Washington, DC, mas o #dcblackout foi um Assunto do Momento (também conhecido como Trend Topic) no Twitter de qualquer forma, graças a alguns tweets extremamente perturbadores que diziam às pessoas que, misteriosamente, nenhuma mensagem estava saindo da capital do país. Os tweets, posts do Reddit, e mensagens do Facebook sobre o “blecaute” conseguiram milhares de compartilhamentos, alimentados por pedidos para que a informação fosse espalhada amplamente e avisos ameaçadores sobre o que aconteceria perto dos manifestantes.
Mas posso lhes dizer que não houve um blecaute porque eu moro em DC e tive que garantir a amigos preocupados que minha internet estava funcionando normalmente. Apesar disso, a hashtag continuou nos Trends Topics por horas na primeira segunda-feira de junho (1), com algumas pessoas questionando suas afirmações, outras rejeitando tentativas de desacreditá-la, e ninguém esclarecendo exatamente como esse boato se espalhou até agora.
A resposta lógica quando vemos uma desinformação potencialmente prejudicial espalhada pela internet é desbancá-la e informar aos outros sobre como eles podem evitar cair nela. Mas é difícil avaliar um rio de informações quando você está passando por algo traumático – em meio a uma pandemia global e com a polícia aumentando o uso da força contra pessoas que protestam contra a brutalidade policial.
“Nada está bem, e nós seguimos os mesmos movimentos toda vez que há uma crise”, diz Whitney Phillips, professora assistente de comunicação e estudos retóricos na Universidade de Syracuse. “Temos uma memória muscular de apertar o botão de retweet”, para compartilhar algo que fala de uma experiência pessoal ou para amplificar as vozes de outras pessoas durante uma crise. “Parece que está ajudando”. Mas esse mesmo impulso também pode causar danos, especialmente quando o conteúdo que você está compartilhando é enganoso ou falso.
Pedi a Phillips, que escreveu sobre a interseção de desinformação online tóxica e saúde mental, e Shireen Mitchell, fundadora da Stop Online Violence Against Women, para dar conselhos sobre como navegar por águas repletas de desinformação online quando tudo é horrível.
Dê a si mesmo algum crédito
“As pessoas geralmente pensam que, por não serem influenciadores, não são políticas, não são jornalistas, que o que fazem [online] não importa”, diz Phillips. Mas as hashtags de tendências são um bom exemplo de como o volume, de grandes e pequenas contas, podem atrair atenção para informações incorretas. Tratar sua presença online como se você fosse irrelevante, não importa quantos seguidores você tenha, pode ser perigoso.
“Não importa o quão bem-intencionado você seja”, diz Phillips. “Ao retweetar algo que tem #dcblackout, pessoas suficientes podem torná-la relevante e deixar outras em pânico”.
A boa notícia é que seu ímpeto de compartilhar injustiça na internet, a fim de melhorar o mundo, pode ter um impacto muito além da sua contagem imediata de seguidores. Mas também significa que, se você compartilhar algo que não é verdade, poderá causar mais danos do que imagina.
Aperte o botão de pausa
A desinformação sobre a violência racista pode ser particularmente difícil de ser examinada à medida que passa na sua frente, porque o conteúdo em si é re-traumatizante, principalmente para os americanos negros.
“Para mim, é isso que acontece com a nossa comunidade. As pessoas não acreditam em nós. Então, quando algo de ruim acontece, você quer que as pessoas compartilhem isso,” diz Mitchell. A desinformação visa esse mesmo impulso. O objetivo é “provocar uma emoção,” afirma Mitchell. “No instante que isso provoca uma emoção, você tem de fazer uma pausa”.
O perigo é ainda mais acentuado durante um protesto, diz Mitchell. Se um boato enganoso ou falso está se espalhando nas mídias sociais, os manifestantes têm meios limitados para examinar essas informações de forma rápida, principalmente em um ambiente que pode ser perigoso.
Mitchell recomenda se afastar do centro de um protesto, se possível, para procurar a fonte quando confrontado com um boato angustiante. “Se você descobrir que ele não é verdade, volte para a multidão,” diz ela. Deixe que os outros saibam o que você descobriu.
Pense lateralmente
Mitchell, como muitos especialistas experientes em desinformação, aprendeu a lidar com possíveis informações equivocadas ao longo de anos de prática. Mas existem maneiras de melhorar rapidamente. Uma delas é aprender a pensar lateralmente sobre um conteúdo – ou seja, abrir algumas guias e fazer sua pesquisa antes de compartilhar algo.
Mike Caulfield, especialista em alfabetização digital, desenvolveu o que chama de abordagem SIFT (sigla em inglês) para analisar as informações: “Pare, Investigue a fonte, Encontre reportagens melhores e Localize as alegações, citações e mídia para o contexto original”. Caulfield disse que seu método foi adaptado de um estudo de 2017 da Stanford sobre como checadores de fatos profissionais avaliam informações digitais. Muitos dos estudantes e historiadores que participaram do estudo caíram na armadilha de tentar avaliar possíveis desinformações, principalmente procurando por pistas de confiabilidade. Os verificadores de fatos – inclusive eu – fizeram pesquisas no Google, leram coberturas de notícias e pesquisaram.
O método de Mitchell é semelhante. “Toda vez que uso uma hashtag de tendências, não estou tentando ter uma conversa de alto nível”, diz Mitchell. “Estou cavando para descobrir mais sobre o assunto”. E, crucialmente, ela ainda está em pausa.
Por exemplo, Mitchell viu alguns vídeos que mostravam manifestantes agindo violentamente contra os transeuntes. Primeiro, Mitchell olhou para a fonte dos vídeos: quem os postou? Este é o vídeo original ou um pedaço editado de outra coisa? Essa fonte é quem eles dizem que são?
Então ela checou de onde eles estavam sendo compartilhados; procurou outros vídeos com ângulos da cena; analisou se o texto que acompanhava o vídeo retratava com precisão o que estava acontecendo. O The Intercept fez um bom resumo de como um desses vídeos foi editado para ser enganoso.
Entenda que a desinformação ainda pode ser “real”
Muitos dos especialistas em desinformação mais citados são brancos. Ao verificar informações sobre comunidades de cor, esses especialistas correm o risco de causar danos, independentemente de suas intenções.
“A maior parte das pessoas brancas não acreditam em nossas experiências de vida,” diz Mitchell. Ao cair de paraquedas em uma conversa para dizer a alguém que ela acabou de compartilhar um vídeo enganoso, você também pode implicitamente “dizer aos negros que a experiência vivida por eles não é verdadeira”. Isso é particularmente problemático quando você está lidando com informações equivocadas que estão sendo compartilhadas justamente com a intenção de tornarem mais visíveis essas experiências vivenciadas pelos negros americanos.
Também é problemático não dizer nada, argumenta Mitchell. No entanto, se você estiver envolvido com informações erradas virais, não presuma que seus conhecimentos devam ser imediatamente acreditados e respeitados, ou fique na defensiva quando suas intenções forem contestadas. Todo mundo está preocupado com as motivações das pessoas, especialmente quando instituições dotadas de autoridade divulgam informações imprecisas ou ajudam a espalhar informações erradas sobre protestos.
Phillips diz que tenta pensar sobre isso em termos de informações “verdadeiras” versus “reais”. Algo pode ser empiricamente falso e ainda ter alguma relação com o real. “Existe uma maneira de afirmar ‘Essa é uma realidade que as pessoas vivenciam’, mesmo que esse vídeo específico não tenha sido gravado ontem”, diz Phillips. Essa compreensão deve indicar sua abordagem para lidar com informações incorretas no meio de um trauma, seja tentando desmascarar algo que foi compartilhado milhões de vezes ou apenas para conversar com sua mãe sobre uma das postagens dela no Facebook.
Considere deslogar ou se afastar
Examinar desinformação pode ser um trabalho árduo, e o trabalho é mais difícil quando o conteúdo em si é traumatizante.
Isso é verdade mesmo para especialistas e veteranos. “Não acho que isso possa ser enfatizado de maneira mais explícita ou firme: estamos sendo forçados a navegar em um território absolutamente desconhecido”, diz Phillips. “Alguns de nós fazem isso há anos.” Mas mesmo se você tiver as ferramentas de alfabetização de mídia e reservas emocionais profundas, isso nem sempre é suficiente.
“Talvez, no papel, alguns de nós tenhamos recursos dos quais podemos extrair algo”, diz Phillips. “Mas o fato é que nenhum de nós está preparado para isso”.