O ano passado foi uma montanha russa para Aicha Evans. A Zoox, empresa de veículos autônomos que Evans lidera como CEO, foi adquirida pela Amazon , por US$ 1,2 bilhão. E quando a empresa revelou seu veículo em dezembro, o carro representou uma transformação significativa na indústria automotiva como a conhecemos.
Concebido para servir como um táxi autônomo, ele parece mais uma carruagem de alta tecnologia do que um carro. Portas de vidro deslizantes dão as boas-vindas aos passageiros de ambos os lados, e cada um dos cantos externos do veículo abriga um “dispositivo de monitoramento” com vários módulos LiDAR (Sistema de Varredura a Laser e Sistema de Perfilamento a Laser), módulos radar e câmeras para ajudar na navegação. Abaixo do assoalho, há um motor elétrico que pode levar os passageiros ao destino a uma velocidade de até 120 km/h.
O veículo da Zoox é uma das poucas plataformas autônomas construídas do zero, e Evans diz que ele também é um produto que ninguém poderá comprar para uso individual. A Zoox planeja lançar o veículo atrelado a um serviço de carona por aplicativo em cidades como São Francisco e Las Vegas, onde testes estão sendo feitos.
Falei com Evans sobre como é tentar mudar uma indústria e transformar a maneira como nos movemos em nossas cidades.
P: Como você define a Zoox? É uma empresa de Inteligência Artificial (IA)? Uma empresa de robótica?
R: É uma empresa de transporte que tira proveito da IA, da robótica — de todas as novas técnicas em torno de veículos elétricos e software — e une tudo isso para dar espaço a uma nova área de transporte.
Uma cidade como São Francisco, que tem problemas de habitação e está preocupada com voos comerciais, tem 30% de seu mercado imobiliário dedicado a estacionamentos. Portanto, se as pessoas estivessem usando o carro da Zoox para ir do ponto A ao ponto B, esses espaços poderiam ser substituídos, transformados em estabelecimentos, moradias e parques.
Outra coisa que é extremamente importante, do ponto de vista da Zoox, é aproveitar as vantagens dos sensores e da computação para fazer com que isso aconteça. Uma das perguntas que nos fazem o tempo todo é: Por que você está construindo um veículo? Bem, porque o carro de hoje foi arquitetado e projetado para motoristas humanos. Reestruturar e redesenhar o veículo para torná-lo mais fácil e seguro para que a IA o dirija é o nosso objetivo.
P: Como os veículos autônomos podem afetar nossas vidas quando não estamos na estrada?
“Atualmente, acho que há muitas coisas que precisamos nos deslocar fisicamente para consumi-las e que, no futuro, essas mesmas coisas virão a nós de forma autônoma”.
R: O mundo daqui a 30, 40 anos será muito diferente. Quando falamos sobre autonomia, entendemos que ela é, em definitivo, uma nova onda de transformações. Mais ou menos como o que aconteceu com a internet, depois com o PC, depois com as redes sem fio, e depois com os smartphones.
Quer dizer, o smartphone não é assim tão antigo, certo? Às vezes eu me pergunto como é que vivíamos sem essas coisas. Bem, mas vivíamos. E eu acho que a autonomia vai permitir muitas possibilidades nesse mesmo sentido — em torno de bens e serviços. Atualmente, acho que há muitas coisas que precisamos nos deslocar fisicamente para consumi-las e que, no futuro, essas mesmas coisas virão a nós de forma autônoma.
P: Muitos carros sem motorista são treinados principalmente em ambientes urbanos ocidentais. Esses sistemas irão funcionar bem em outros lugares?
R: Os algoritmos matemáticos não são tendenciosos. No entanto, os dados podem ser. Não porque os dados sejam ruins, mas por causa do lugar em que são coletados. Em termos de Zoox, o que posso dizer é que não iremos a lugar nenhum sem treinar em bases de dados locais. Se você não fizer isso e fazer suposições, a vida pode ficar bem complicada.
Acho que, como indústria, entendemos a ciência, e é importante entendê-la do ponto de vista da introdução dos dados o que pode ser problemático. Também é mais provável que você tenha essa percepção se houver pessoas no processo de decisão que não pareçam todas iguais e pensem da mesma forma.
P: Qual é a sua abordagem para liderança?
R: Ela mudou ao longo dos anos. Primeiro, você é uma engenheira e é notada porque é uma das melhores na sala de projeto. E você tenta melhorar e aprender mais e ter mais impacto, mas muito rapidamente entende a matemática em torno de um contra muitos. E como uma única pessoa, você não pode fazer muito.
Liderança não é comando e controle. É simplesmente sobre: Como você une as pessoas? Como criar engajamento em direção a uma missão? E então como vocês trabalham juntos para cumpri-la?
P: Quando se trata de formar equipes, qual é a sua abordagem para a diversidade?
R: Estamos construindo um produto de consumo no final das contas, e os consumidores existem em todas as formas, todas as raças, todos os gêneros, todos … tudo. Portanto, seria ruim construir um produto de consumo sem ter pessoas que se pareçam e pensem como os consumidores.
Outro elemento é o acesso e a equidade. Tipo, para uma mulher afro-americana de cabelo curto, cortar meu cabelo é muito importante. Muitas pessoas não conseguem cortar meu cabelo — permita-me que o diga desse modo. Você começa a notar sempre que se muda para uma nova cidade: “Ah, eu só preciso saber onde fica a rua Martin Luther King (MLK). E em ambos os lados dessa rua, todos os barbeiros saberão cortar meu cabelo”. E foi assim em Washington D.C. O mesmo ocorreu em Austin. E na rua MLK em Portland. Portanto, espero que nosso veículo busque as pessoas em qualquer bairro que elas estejam e, basicamente, dê a elas a oportunidade de serem transportadas para onde houver comércio.
P: Você é uma mulher negra no poder, na tecnologia. Isso não é comum. Como você lida com isso?
R: Na verdade, eu não acordo todos os dias pensando que sou uma mulher negra com poder em tecnologia. Ocasionalmente, quando estou sendo parada pela polícia ou quando alguém está agindo de maneira discriminatória, sou lembrada que sou uma mulher negra, mas não quero ser uma pessoa revoltada o tempo todo. Não acho isso muito produtivo.
O que penso é que eu represento oportunidades. Eu represento que é possível. Passei muito tempo me perguntando: O que é que estruturalmente assimilamos que torna o meu caso raro, e como podemos acabar com isso?
Lembro-me de ter ido a uma competição de robótica da Lego com meu filho pela primeira vez na Baía de São Francisco. E meu filho me disse: “Uau, só tem um de mim aqui”. Eu disse, “Não, não, não, você está confuso”. E eu olhei em volta, e, sim, havia apenas um dele e havia muito poucos times femininos. E a falta de oportunidade já está bem escancarada na sua frente.
E então você traz isso para a Zoox e diz: “Ei, equipe, vamos patrocinar a robótica Lego. Alguns de vocês estariam interessados em ser mentores?” Eu vejo uma oportunidade. Eu vejo: como você pode fazer a diferença de maneira significativa e positiva?
Este é o nosso problema como nação. São problemas que não são resolvidos há séculos. Nossa nação foi construída e começou de uma certa maneira. Não é com vinagre que se apanham moscas: porém, ao usarmos mais mel e menos vinagre, pode ser que este seja o caminho certo a seguir.
Esta entrevista foi condensada e editada para maior clareza.