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Existem 86 bilhões de neurônios no cérebro humano, cada um com milhares de conexões, dando origem a centenas de trilhões de sinapses. As sinapses, os pontos de conexão entre os neurônios, armazenam memórias. O número esmagador de neurônios e sinapses em nossos cérebros faz com que encontrar a localização precisa de uma memória específica seja um desafio científico formidável.
Descobrir como as memórias se formam pode nos ajudar a aprender mais sobre nós mesmos e a manter nossa acuidade mental intacta. A memória influencia a criação de nossas identidades e sua deterioração pode indicar um distúrbio cerebral. O mal de Alzheimer rouba a memória das pessoas ao destruir sinapses; o vício e a dependência interceptam os centros de aprendizagem e memória do cérebro; e algumas condições de saúde mental, como a depressão, estão associadas ao comprometimento da memória.
De muitas maneiras, a neurociência revelou a natureza das memórias, mas também virou de ponta-cabeça a própria noção do que são elas. As próximas cinco perguntas falam sobre o quanto aprendemos e quais mistérios ainda precisam ser resolvidos.
Podemos ver as memórias no cérebro?
Os neurocientistas vêm observando o esquema básico da memória no cérebro há décadas, mas recentemente foram capazes de ver a representação física duradoura de uma memória, que é chamada de engrama de memória. Um engrama é armazenado dentro de uma rede de neurônios conectados, e os neurônios com o engrama podem brilhar de forma que sejam visíveis por microscópios especiais.
Atualmente, os neurocientistas podem manipular engramas de memória ativando artificialmente suas redes subjacentes e inserindo novas informações. Essas técnicas também lançam luz sobre como funcionam os diferentes tipos de memória e onde cada um está registrado no cérebro.
A memória episódica autobiográfica lida com o que aconteceu, onde e quando. Ela se baseia no hipocampo, uma estrutura em forma de cavalo-marinho. As memórias procedimentais, apoiadas nos gânglios da base, permitem-nos lembrar como realizar comportamentos habituais, como andar de bicicleta. Esta região funciona mal em pessoas com dependência. Nossa capacidade de recordar fatos, como capitais de estado, deve-se à memória semântica, que é armazenada no córtex cerebral.
Quais ferramentas nos permitem ver as memórias?
No final do século 19, os microscópios de mesa tornaram possível identificar neurônios individuais, permitindo aos cientistas desenhar representações incrivelmente detalhadas do cérebro. Em meados do século 20, microscópios eletrônicos poderosos podiam mostrar estruturas sinápticas com apenas dezenas de nanômetros de largura (aproximadamente a largura de uma partícula de vírus). Na virada do século 21, os neurocientistas usaram microscópios de dois fótons para observar a formação de sinapses em tempo real enquanto os camundongos aprendiam.
Avanços incríveis na genética também tornaram possível trocar genes dentro e fora do cérebro para vinculá-los à função de memória. Cientistas usaram vírus para inserir uma proteína fluorescente verde, encontrada em águas-vivas, no cérebro de camundongos, fazendo com que os neurônios se iluminassem durante o aprendizado. Eles também usaram uma proteína de algas chamada channelrodopsina (ChR2) para ativar artificialmente os neurônios. A proteína é sensível à luz azul, então, quando é inserida nos neurônios, eles podem ser ligados e desligados com um laser azul, uma técnica conhecida como optogenética. Com essa tecnologia, que foi iniciada por pesquisadores de Stanford quase duas décadas atrás, os neurocientistas podem ativar artificialmente células de engramas de memória em animais de laboratório.
Novas técnicas também possibilitam estudar como os impulsos nervosos traduzem informações externas para nosso mundo interno. Para observar esse processo no cérebro, os neurocientistas usam eletrodos minúsculos para registrar os impulsos, que duram apenas alguns milissegundos. Ferramentas analíticas, como algoritmos de decodificação neural, podem eliminar o ruído para revelar padrões que indicam um centro de memória no cérebro. Os kits de software de código aberto permitem que mais laboratórios de neurociência conduzam tais pesquisas.
O que essas ferramentas nos dizem sobre como as memórias são criadas e armazenadas?
Até recentemente, era um mistério como os neurônios se tornavam parte de um engrama de memória. Quando os neurocientistas olharam mais de perto, ficaram surpresos ao ver que os neurônios competem entre si para armazenar memórias. Ao inserir genes no cérebro para aumentar ou diminuir a excitabilidade dos neurônios, os pesquisadores descobriram que aqueles que reagiam mais na área se tornaram parte do engrama. Esses neurônios também inibirão ativamente seus vizinhos de se tornarem parte de outro engrama por um curto período de tempo. Essa competição provavelmente ajuda a formar as memórias e mostra que o local onde elas são alocadas no cérebro não é feito de forma aleatória.
Em outros experimentos, os pesquisadores descobriram que as redes neurais retinham memórias esquecidas. Camundongos injetados com um coquetel de inibidores de proteína desenvolvem amnésia, provavelmente esquecendo informações porque suas sinapses desaparecem. Mas os pesquisadores descobriram que essas memórias não foram perdidas para sempre, os neurônios ainda mantinham a informação, porém sem sinapses ela não pôde ser recuperada (pelo menos não sem estimulação optogenética). Camundongos com doença de Alzheimer mostraram perda de memória semelhante.
Outra descoberta feita é de como sonhar fortalece nossas memórias. Os neurocientistas há muito pensavam que, à medida que as experiências do dia se repetiam, na forma de impulsos nervosos durante o sono, essas memórias eram lentamente transferidas para fora do hipocampo e para o córtex, para que o cérebro pudesse extrair informações para criar regras sobre o mundo. Eles também sabiam que algumas regras eram sintetizadas pelo córtex com mais rapidez, mas os modelos existentes não conseguiam explicar como isso acontecia. Porém, recentemente, os pesquisadores usaram ferramentas optogenéticas em estudos com animais para mostrar que o hipocampo também funciona para estabelecer essas memórias corticais de formação rápida.
“O hipocampo ajuda a criar rapidamente engramas imaturos de memória no córtex”, diz Takashi Kitamura, professor assistente do University of Texas Southwestern Medical Center (EUA). “O hipocampo ainda ensina o córtex, mas sem as ferramentas optogenéticas poderíamos não ter observado os engramas imaturos”.
As memórias podem ser manipuladas?
As memórias não são tão estáveis quanto parecem. Por sua própria natureza, elas devem ser receptivas a mudanças, ou o aprendizado seria impossível.
Quase uma década atrás, os pesquisadores da MIT alteraram geneticamente camundongos para que, quando seus neurônios estivessem ativos durante o aprendizado, essa atividade ativasse o gene ChR2, que estava ligado a uma proteína verde fluorescente. Ao ver quais neurônios tinham fluorescência, os neurocientistas puderam identificar quais estavam envolvidos na aprendizagem. E eles poderiam reativar memórias específicas ao iluminar os genes ChR2 associados a esses neurônios.
Com essa possibilidade, os pesquisadores do MIT inseriram uma falsa memória no cérebro dos camundongos. Primeiro, eles colocaram os roedores em uma caixa triangular, que ativou genes e neurônios específicos de ChR2. Em seguida, eles colocaram os animais em uma caixa quadrada e administraram choques em seus pés enquanto iluminavam os neurônios ChR2 associados ao primeiro ambiente.
Por fim, os camundongos associaram a memória da caixa triangular aos choques, embora tenham recebido o choque apenas enquanto estavam na caixa quadrada. “Os animais temiam um ambiente que, tecnicamente falando, nunca teve nada de ‘ruim’ acontecendo”, diz Steve Ramirez, co-autor do estudo que agora é professor assistente de neurociência na Universidade de Boston (EUA).
Não é viável usar tais técnicas envolvendo cabos de fibra óptica e lasers para fazer experimentos no cérebro humano, mas os resultados nos cérebros de ratos sugerem a facilidade com que as memórias podem ser manipuladas.
Podemos ver memórias fora do cérebro?
Memórias humanas podem ser reconstruídas visualmente usando imagens cerebrais. Em uma investigação de Brice Kuhl, professor assistente de neurociência cognitiva da Universidade de Oregon (EUA), os participantes receberam imagens para observar enquanto seus cérebros foram escaneados com uma máquina de ressonância magnética para detectar quais regiões foram ativadas nesses momentos. Um algoritmo foi então treinado para adivinhar o que a pessoa estava vendo e reconstruir uma imagem com base nessa atividade cerebral. O algoritmo também reconstruiu imagens que foram solicitadas aos participantes de manterem em suas mentes.
Há muito espaço para melhorias nessas imagens reconstruídas, mas este trabalho mostrou que os algoritmos de neuroimagem e reconstrução podem exibir o conteúdo das memórias humanas para que outras pessoas vejam também.
A tecnologia permitiu que os neurocientistas examinassem o cérebro e vissem os minúsculos traços brilhantes de memória. No entanto, a descoberta de que experiências e conhecimentos podem ser implantados ou externalizados também deu à memória um significado diferente. O que isso significa para o nosso senso de quem somos?