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Por sustentabilidade entendemos que o principal fator é o longo prazo, ou seja, sistemas que miram maximizar seus lucros no curto prazo não são sustentáveis, por que eles irão trocar o futuro pelo presente. Uma visão ESG, portanto, deve sempre começar do futuro para o presente.
Outro ponto importante é que o impacto central, que por coincidência está no centro do termo ESG, é o social, as pessoas, o cidadão, o ser humano. Qualquer direção tomada fora da direção ESG provavelmente sacrificará pessoas no futuro, através da fome, do desconforto e do sofrimento.
ESG vem do inglês, Environmental, Social and Governance, que traduzido para o português aponta para os fatores Ambiente, Social e de Governança (ASG). Palavras que dizem respeito às preocupações com o Meio Ambiente, Impacto Social e Governança Corporativa.
A rodovia que leva a cada uma delas é a economia, através de planos estratégicos que ditam para onde vai o dinheiro. Financeiramente falando, as bolhas econômicas fazem parte do que chamamos também de ciclo econômico. Alternâncias de inflação e juros para tentar achatar a curva. Ambas capazes de incinerar absolutamente o poder de compra da moeda do cidadão e as disparidades da sociedade, respectivamente. Um modelo que, consideramos aqui, nada sustentável.
A relação da moeda com a inflação deu origem, inclusive, a uma escola de pensamento econômico, o monetarismo, alavancado por Milton Friedman, que já levou tantas e tantas nações a conduzir políticas econômicas que causam prejuízos ao meio ambiente, à sociedade e à governança corporativa, componentes hoje consensualmente aceitos como essenciais para uma economia sustentável.
A inflação deve ser sempre um risco a ser evitado quando se está diante de um cenário de oportunidades. No entanto, cada vez mais a dívida ambiental e social da história da humanidade tem entrado na balança na hora da tomada de decisão sobre em que, quando e quanto investir.
Assim, a abordagem ESG nos ajuda a pautar novas melhorias a serem forjadas. Ela tem sido vista como uma evolução do arcabouço teórico do “tripé da sustentabilidade” concebido por John Elkington, em 1994. Daremos luz à abordagem ESG, reforçando a premência na disseminação das criptomoedas (principalmente, Bitcoin) no cotidiano da sociedade econômica.
Bitcoin e o E do ESG
A vida humana afeta o meio ambiente. E é verdade. Ao mesmo tempo, a vida humana pode e deve usufruir das oportunidades a ela ofertadas pelo meio ambiente; os chamados recursos naturais. A forma de utilização desses recursos é que se traduz no X do problema.
Durante muito tempo perdurou a noção da busca pelo desenvolvimento a qualquer custo, negligenciando totalmente as preocupações com impactos ambientais. Àquela noção se contrapôs, desde os anos 1970, a perspectiva (bem mais coerente) da busca pelo desenvolvimento de forma conjunta à preservação dos recursos e do meio ambiente. Assim foi ensejado o conceito de “ecodesenvolvimento”, inicialmente por Mauricie Strong e, depois, ampliado e refinado por Ignacy Sachs.
Exatamente no sentido, então comparativo, e onde se busca reduzir os efeitos dos impactos, há que se por um ponto final de vez nessa discussão de que o Bitcoin afeta o meio ambiente. Do mesmo modo que assinalamos acima, sim, afeta. Porém, menos do que a produção de carros, menos que a operação de usinas de energia e fábricas. No campo dos ativos, a mineração de Bitcoin afeta menos do que a do ouro. Ela também usa metade da energia do sistema bancário, sem falar nas emissões de suas próprias operações e cadeias de abastecimento, e dos usuários de seus produtos e outras externalizadas não explicadas; por isso vem recebendo paulatina atenção do sistema bancário em compromissos internacionais de ajustamento de conduta. Estas constatações estão presentes em recente pesquisa realizada pela Universidade de Cambridge.
Por mais que pareça paradoxal, estudos daquela mesma universidade estimam em mais de 121 terawatts-hora (TWh) o consumo anual de energia do Bitcoin, o que significa estar no top 30 dos maiores consumidores de eletricidade do mundo. Isso gera algumas críticas da parte tanto de acadêmicos teóricos, como de lideranças da própria comunidade de criptomoedas.
Há, no entanto, contra-argumentos consistentes, reforçados recentemente pelos resultados apresentados em “Bitcoin: Cryptopaments Energy Efficiency”, publicado pela empresa de consultoria de pagamentos Valuechain, após esforço de mais de quatro anos de pesquisa e tratamento dos dados.
Apontando o conteúdo das críticas como “incompletas, imprecisas e injustamente tendenciosas contra a criptomoeda”, embora transcenda ao escopo deste artigo esmiuçar os aspectos técnicos da pesquisa, a transcrição da seguinte passagem do artigo da Value Chain bem sintetiza o principal resultado obtido e a constatação subjacente: “Demonstramos que o Bitcoin consome 56 vezes menos energia do que o sistema clássico e que, mesmo no nível de transação única, uma transação PoW prova ser de 1 a 5 vezes mais eficiente em termos de energia. Esquema de pagamento instantâneo, o Bitcoin ganha exponencialmente em escalabilidade e eficiência, provando ser até um milhão de vezes mais eficiente em energia por transação do que os pagamentos instantâneos”.
Outra importante abordagem, ainda na pegada ambiental, consta no artigo da Br.finanças, que destaca a utilização atual de 58% de energia sustentável pela a indústria global de mineração da criptomoeda no seu trabalho e captura da moeda. Esse dado – proveniente de pesquisa realizada junto a 44 empresas de mineração de bitcoin, presente no relatório do Bitcoin Mining Council (BMC) , representa uma alta de 59% se comparado ao primeiro trimestre de 2021.
Além de um consumo de energia inferior aos de bancos tradicionais, da franca expansão na utilização de energias renováveis, os rebatimentos são inequívocos também no tocante ao estímulo ao aumento da eficiência energética. A pesquisa do BMC destaca a relevância da indústria de mineração de Bitcoin no impulso a avanços tecnológicos de componentes utilizados pelos mineradores, como os semicondutores, que passam por uma crise de oferta após a pandemia da Covid-19, instaurada em 2020.
De toda sorte, como argumenta Carlo Cauti, na Revista Exame, há quem aposte na assertividade da “prova de participação”, em substituição da “prova de trabalho” sachochiano que baseia Bitcoin. Também aumentam as iniciativas como a Crypto Climate Agreement ou a Energy Web Foundation cujos “Bitcoin verdes” têm impactado positivamente mudanças de cenários futuros.
E como são os jovens os que mais investem em criptomoedas, são eles também que mais têm perfil de consumo consciente, e não faltam evidências de pesquisas nacionais e internacionais; ainda que tenham que trabalhar a questão de gênero neste segmento, já que são as mulheres as mais conscientes do seu poder de consumo, mas são minoritárias na prática de investimentos.
Bitcoin e o S do ESG
O advento do Bitcoin fez com que pessoas em vulnerabilidade socioeconômica consigam economizar dinheiro se passarem a guardar sua renda em carteira BTC em vez de ativar contas bancárias tradicionais. Assim, podem ter autonomia e verem suas economias crescerem ao se proteger da inflação e não terem seus recursos (escassos) suscetíveis a eventuais intervenções governamentais em tempos de crise financeira.
Ainda no aspecto social, temos o exemplo de um país vizinho, Argentina, parceiro comercial fundamental do Brasil e que já teve indicadores socioeconômicos bem melhores aos vigentes naquele País. Em grande parte, isso está relacionado à moeda, a convencional e de curso forçado, o peso e suas sucessivas crises que levaram, inclusive, à dolarização da economia.
Um estudo de 2021 revelou que cerca de 3% da população argentina utiliza criptomoedas cotidianamente, o que corresponde a mais de 1,3 milhões de pessoas. Relacionado a esse crescimento, em meados de 2021, teve início a tramitação de um projeto de lei para permitir o pagamento de salários em Bitcoin ou outros criptoativos, segundo reportagem da Exame. Contexto em que o presidente, Alberto Fernández enfatizou: “a vantagem do uso das criptomoedas é que o efeito inflacionário é anulado”.
Por sua vez, a Nigéria tem sido um ícone quando se pensa em Bitcoin (e mais recentemente de stablecoins) e sua capacidade de apoiar a sociedade em tempos adversos. O governo tomou medidas que terminaram gerando controle monetário e inflação galopante, chegando a 20%. Desde 2017, os nigerianos caíram nas graças do Bitcoin, tanto como investimento, quanto como reserva de valor. Em 2020, o país passou a ser o oitavo em nível mundial (de 154 países estudados), quando se fala em adoção de criptomoedas pelo relatório da Chainalysis.
O governo nigeriano já tentou inúmeras formas de conter esse hype. Oficialmente, desde fevereiro de 2021, a rede bancária e demais instituições financeiras são proibidas de negociar criptomoedas no país, mas essa classe de ativos financeiros não é considerada ilegal. No entanto, um mês depois, os cidadãos criaram condições para continuar forte na descentralização em detrimento do cerco governamental. Eles tanto fizeram que, um mês depois, o país ganhou seu primeiro caixa eletrônico de Bitcoin. Posteriormente, o Banco Central da Nigéria criou a forma digital de sua moeda oficial, a Naira Digital, “eNaira”, visando aprimorar o seu sistema de pagamentos.
Bitcoin e o G do ESG
A própria existência do Bitcoin já funciona como pressão para que governos atuem e regulem o setor de modo mais sustentável por elevar o sarrafo da consciência da população diante da ampliação dos ativos colocados na balança na hora da tomada de decisão em investir.
A imposição de limite à circulação de meios de pagamento, por sua vez, demonstra a fragilidade não só da economia, como das próprias instituições, dos processos, costumes, práticas e regulamentos comprometendo o terceiro elo do tripé aqui enfocado; a governança corporativa.
Em relatório publicado em março pelo Departamento do Tesouro dos EUA é destacado que: “O uso de ativos virtuais para lavagem de dinheiro permanece muito abaixo do das moedas fiduciárias e dos métodos mais tradicionais”. Assim, em que pese ser justificada a preocupação em se prevenir e que sejam adotadas medidas visando a reduzir o uso do Bitcoin para sua utilização em atividades criminosas, na opinião de Michael Morell ao site Livecoins, ex-diretor da CIA, “a ligação da maior criptomoeda do mundo com os crimes é bem menor do que o afirmado anteriormente”.
Em sentido oposto, Morell realça em documento do Crypto for Information intitulado “Uma análise do uso do Bitcoin em finanças ilícitas” a característica da Análise de Blockchain consistir em uma ferramenta importante no combate a crimes e para reunir informações. Trata-se de clara divergência com a visão da Secretaria de Tesouro dos EUA, Janet Yellen, que chegou a “declarar guerra contra o Bitcoin”. Evidencia-se, pois, o quanto há que se avançar ainda, em face a tanto desconhecimento sobre o tema.
O principal fator a ser realçado quando se pensa sobre como o uso de criptomoedas pode fortalecer a governança corporativa deveria partir do atributo que o Bitcoin possui de ser descentralizado e de código aberto, não havendo uma autoridade centralizada que determine atualizações de protocolo, havendo sim a possibilidade do livre acesso no uso e mesmo na alteração do código.
As atualizações do protocolo do Bitcoin, por sua vez, são propostas e executadas por meio de Propostas de Melhoria do Bitcoin. De acordo com as informações que constam na página da sFOX, isso não significa que o Bitcoin seja governado de forma anárquica, muito pelo contrário. Os BIPs fornecem um processo padronizado para que potenciais contribuidores possam propor novas sugestões ao protocolo, fazer testes e submeter à revisão por pares.
Não se trata de algo que tenha partido do zero. O processo BIP se baseou fortemente na Proposta de Aprimoramento do Python (PEP 0001), tendo parte do seu texto diretamente copiado. Não há problema nisso. O Bitcoin segue um modelo de governança de colaboração fundamentado na tradição de software de código aberto, garantindo a inovação contínua no processo, de forma concomitante a que as melhorias sejam implementadas por meio de consenso e colaboração.
Já passou, e muito, da hora de se perceber que o Bitcoin é tanto uma tecnologia quanto uma moeda e, ao mesmo tempo, uma comunidade de interação, aprendizado e melhoria contínua. Seu impacto sobre as ESG é inegável, como procuramos mostrar aqui. E o custo de oportunidade a ser pago, por esta e pelas próximas gerações, em termos da uma eventual subutilização dessa poderosa ferramenta pode se tornar tão insustentável quanto o combate cego à inflação já fez, e permanece fazendo, com importantes economias pelo globo terrestre.
Estabilidade e previsibilidade na tomada de decisão individual em favor da humanidade e do planeta
O tripé da sustentabilidade e sua evolução à abordagem corporativa ESG estão impactando positivamente o mercado de criptomoedas, especialmente Bitcoin, de modo a prover mais estabilidade e previsibilidade às tomadas de decisão individuais e em favor de melhores normais à coletividade.
Devemos intensificar a conscientização social sobre o tema e aumentar os esforços de cooperação para o enfrentamento planetário diante de um dos maiores desafios da contemporaneidade.
Apesar do consumo energético elevado, que é intrínseco ao aumento da complexidade necessária para mineração, ela pode e deve buscar sempre o uso das energias renováveis já que está também por trás a busca por energias baratas, normalmente as mais poluentes.
Este artigo foi produzido por Christian Aranha, Empreendedor e pesquisador na área de Inteligência Artificial, Big Data e Blockchain, autor do livro Bitcoin, Blockchain e Muito Dinheiro e colunista da MIT Technology Review Brasil.