Trabalhar com estratégia de customer centric, ou seja, ter o cliente em primeiro lugar, é clichê. Mas 2020 nos trouxe uma nova relevância ao ditado, e as empresas estão descobrindo o que significa colocar o cliente no centro de tudo. Uma consequência importante dessa mudança? Poderíamos estar evoluindo além da necessidade de cotas de vendas como única medida de desempenho.
Se analisarmos o ambiente de vendas nos dias atuais, veremos que hoje as empresas querem — e devem — aprimorar a relação com seus clientes e ter a confiança e a certeza de que irá melhor atendê-los. Mas podem coexistir a estratégia de colocar os clientes em primeiro lugar e a mentalidade de “cotas acima de tudo”?
As empresas estão percebendo os conflitos sobre a mentalidade gerada por cotas de vendas sobre resultados de curto prazo, notando um impacto negativo na relação com os clientes e até sobre os próprios lucros. Esse cenário fica evidente em um estudo realizado pela Universidade de Stanford. Depois que uma grande empresa listada na Fortune 500 eliminou as cotas de vendas, o faturamento cresceu mais de US$ 1 milhão por mês.
Os vendedores do futuro podem não estar tão focados em acertar números, porque estarão focados demais em criar experiências de compras que priorizem o cliente. É preciso haver novas definições de sucesso para apoiar esse comportamento, em vez de posições em uma tabela de classificação.
O mais relevante na caminhada de uma empresa é estar sempre revisitando sua visão de estratégia de médio e longo prazo, agindo fortemente no momento presente. O futuro não pode e não irá esperar. Logo, os vendedores de hoje precisam de habilidades que serão a cada dia mais importantes, sejam elas de conhecimento ou de foco no cliente.
Sim, já deveríamos estar operando em um mundo em que servir melhor os clientes é o tema mais relevante na balança do que as metas e os números. Pois, em um breve futuro, não haverá espaço para um mundo diferente deste.
Segundo o relatório State of Sales, da Salesforce, 86% dos representantes de vendas afirmam que as condições econômicas priorizam a geração de relacionamento de longo prazo com os clientes. Longo prazo é a palavra-chave aqui, significa que o relacionamento deve e deverá mais e mais ir além da data de fechamento do negócio. Os compradores desejam que os vendedores se conectem a eles em um nível humano, proporcionando uma experiência de serviço superior. A persuasão performativa tornou-se talvez menos sofisticada para o novo mercado.
“E se pudéssemos nos concentrar menos nas cotas do próximo trimestre e mais na entrega de melhores resultados e valor para o cliente? Imagine se, em cinco anos, os profissionais de alto desempenho não trabalhem para cumprir as cotas, mas sim para usar modelos de incentivos baseados em resultados ou adoção”, afirma Karen Semone, diretora sênior de inovação da Salesforce.
Alguns representantes de vendas estão tão focados em alcançar os números e não figurar entre os 10% da parte inferior da equipe que a experiência do cliente se perde na confusão, o que vai contra os objetivos da organização. Mesmo quando as metas de vendas são atingidas, a retenção e renovação de clientes podem ser prejudicadas. Sem mencionar que há mais desgaste e rotatividade dos representantes de vendas.
“Definitivamente, estamos vendo um renascimento das habilidades pessoais, um retorno à arte de vender”, analisa Harry Datwani, diretor da Deloitte Digital, onde lidera esforços de transformação digital para organizações voltadas para o cliente. “Como você cria um vendedor empático, um vendedor que sabe como construir relacionamento, especialmente em vendas B2B complexas?”
Alguns líderes de vendas estão até adotando uma abordagem mais rígida, querendo abolir, não apenas reformar, o sistema de cotas de vendas. Eles acham que, em última análise, não vale a pena o esforço que causa nos representantes.
“A pressão negativa exercida sobre os representantes de vendas para atingir sua cota mensal é tão imensa que faz com que os representantes de vendas façam algumas coisas pouco naturais. Se eu fosse o vice-presidente de vendas de uma organização maior, removeria as cotas mensais assim que possível”, afirma John Barrows, CEO da JB Sales, uma empresa de treinamento de vendas dos USA. “Eu tiraria tudo isso da mesa. Se você estiver ficando para trás, teremos mais treinamento, mas não vou sentar aí e dizer, se você não atingir esse número todos os meses, você será demitido”, completa.
Quais são as melhores maneiras de medir o sucesso? Insira as métricas do cliente, por exemplo.
Se tirarmos a cenoura das cotas de vendas, o que resta? Acontece muito mais do que aquilo com que começamos. Algumas métricas que podem revelar o desempenho de um vendedor melhor do que apenas o número de negócios fechados:
- Taxas de renovação/retenção: os clientes renovam ou a fidelidade diminuiu?
- Taxas de engajamento: pontos significativos de engajamento podem ser uma métrica importante para a construção de relacionamentos de longo prazo. Durante a pandemia, a Salesforce rastreou seu painel “5 milhões de conversas virtuais com clientes” para garantir uma cadência regular de engajamento em todas as contas.
- Taxas de adoção: quanto tempo um cliente gasta usando seu produto?
- LTV (valor do cliente na vida de relação com a empresa): você avalia o lucro líquido que pode ganhar com o futuro desse relacionamento? Ou você só olha o que pode ganhar neste trimestre?
- Pontuação de satisfação do cliente: as pessoas têm muitas opções no que diz respeito às pessoas com quem fazem negócios. Então, seus clientes gostam do seu produto e de você?
É assim que você mede com base nos resultados. Mas requer uma redefinição radical do trabalho do vendedor. 79% dos vendedores disseram que tiveram que se adaptar a novas formas de venda durante a pandemia, e 58% esperam que suas funções mudem permanentemente, de acordo com a pesquisa da Salesforce. Para acompanhar essa mudança, os campeões de vendas agora estão personalizando o processo de vendas para cada comprador. Eles sabem que cada comprador tem necessidades ligeiramente diferentes e não podem abordá-los com uma estratégia genérica.
Em vez de um relacionamento como adversário, os vendedores precisam se tornar consultores de confiança — chegando à mesa com percepções, pesquisas e recomendações valiosas que terão um impacto mensurável nos negócios do cliente. O foco do vendedor deverá ser cada dia mais focado em servir primeiro, entregar algo nas relações. A cada dia vendedores deverão ser mais consultores direcionados do que negociadores.
Isso significa construir confiança por meio da transparência e da estratégia. Você pode não se encontrar na churrascaria ou sentar-se ao lado de uma mesa com eles como faria em um típico “jantar e vinho”, mas a expectativa de personalização não mudou. “Os clientes não querem ouvir sobre recursos, benefícios ou mesmo soluções de produtos”, avalia Simon Mulcahy, diretor de inovação da Salesforce. “Eles só querem resultados. Eles querem que o trabalho seja feito.”
Os melhores vendedores analisam o problema do comprador e descobrem quais insights específicos os ajudarão a se aproximar de seus resultados desejados. Isso mostra que você dedicou tempo para entender a situação única e desenvolver uma estratégia em resposta a ela. Em vez de repetir o mesmo discurso para todos, ouça com atenção e adapte sua abordagem. Para se sentir relevante para cada cliente, são necessárias perguntas direcionadas, histórias relevantes e os melhores próximos passos.
A venda passa a ser apenas a consequência natural do seu investimento na relação com o comprador. Vender evolui para algo que acontece em vez de algo que você faz. Embora haja basicamente uma métrica hoje, haverá mais no futuro — uma combinação de cotas, números de engajamento, satisfação do cliente e entrega de valor.
Acredito obviamente que que as cotas jamais serão completamente substituídas. Entendo que o cenário mudará mais para as métricas e cotas do cliente, e não para as métricas do cliente, em vez de cotas. Embora haja basicamente uma métrica hoje, haverá mais no futuro — uma combinação de cotas, números de engajamento, satisfação do cliente e entrega de valor. Portanto, a dependência de hoje em cotas será compensada por um modelo baseado em resultados do cliente, para equilibrar seu valor.
Então, como podemos nos livrar de nossas cotas e investir mais tempo na construção de relacionamentos com compradores? Reuniões e jantares eram muitas vezes o caminho a percorrer. Você tira as pessoas da sala de conferências e elas começam a se conectar. A pandemia colocou isso em espera e eles provavelmente não voltarão tão cedo.
Os líderes de vendas devem permitir que os vendedores tenham largura de banda para priorizar o cliente, em vez de lutar para atingir os números. Dois terços do dia de um vendedor são gastos em atividades não comerciais, segundo a Salesforce. Os representantes ficam “atolados” em processos internos e tarefas administrativas e não podem fazer o que fazem melhor: resolver os problemas dos clientes. Para permitir que os vendedores de hoje se concentrem nos compradores, as empresas estão procurando maneiras de liberar seu precioso tempo.
Ser vendedor significa estar constantemente se adaptando a novos cenários. As equipes de vendas precisarão estar abertas para a experimentação e para novas maneiras de medir o sucesso. Ter um modelo equilibrado com diferentes métricas de desempenho irá evoluir os vendedores em uma mistura perfeita de habilidades técnicas e emocionais (hard e soft skills): agilidade, estratégia e experiência, sim, mas também empatia, curiosidade e comunicação.
As mudanças iniciadas em 2020 forneceram mais evidências de que os vendedores precisarão escolher os clientes em vez do fechamento. Alcançar isso significa olhar além das cotas e trimestres de vendas e rever as metas que nos motivam. As empresas que aproveitarem isso prosperarão em 2021, 2025 e depois.
Logo, você deve adaptar sua empresa para o futuro, pois o futuro não espera. Você deve fugir da média e inovar inclusive na forma de se relacionar com os clientes, mas principalmente pela mensagem que compartilha e se relacionada com seus times de vendas.
Este artigo foi produzido por Carlos Busch, TEDx palestrante, Executivo do Grupo Primo e Mentor / Palestrante para Business UpScaling, e colunista da MIT Technology Review Brasil.