Em 2019, estranhos adesivos pixelados foram espalhados pelo sistema de trânsito de Barcelona. Cada um possui uma grade de quadrados coloridos de 5×5 em uma base preta, como um jogo Space Invaders desintegrado.
Em toda a rede de ônibus, trens, bondes e teleféricos da cidade que sobem a encosta íngreme de Montjuïc, os adesivos estão grudados perto de saídas, plataformas, escadas rolantes, bilheterias, interfones e passagens.
No entanto, este não é o trabalho de algum robô aspirante a grafiteiro, mas sim de um programa do Transportes Metropolitanos de Barcelona (TMB), o serviço de transporte público espanhol, que visa facilitar o acesso e a navegação na cidade para seus milhares de cidadãos com deficiência visual.
O sistema foi desenvolvido pelo Mobile Vision Research Lab da Universidade de Alicante, em parceria com a startup espanhola NaviLens. Usando uma câmera de smartphone e um aplicativo gratuito, as pessoas com deficiência visual podem escanear os códigos e ouvir as informações armazenadas neles.
Podem ser dados sobre qualquer coisa, desde o cronograma de horários de transporte público, obstáculos que eles devem estar cientes ou descrições físicas do ambiente ao redor. Os usuários também podem baixar tags simples e personalizá-las para adicionar o que quiserem, talvez para rotular caixas de alimentos ou documentos pessoais, por exemplo.
Esta não é uma ideia nova: o muito criticado código QR existe desde 1994. Mas, para fazer o sistema funcionar, a NaviLens precisou recriar o código bidirecional do zero. Tudo isso para que um adesivo NaviLens de 5 polegadas de largura pudesse ser lido por um telefone a 12 metros de distância, em um trigésimo de segundo – o tempo que uma câmera de smartphone leva para capturar um único quadro.
Não há necessidade de focar o QR Code inteiro e, além disso, os adesivos podem ser digitalizados em um ângulo de até 160 graus, mesmo em movimento. O aplicativo pode registrar mais de 200 tags em um único quadro. “Parece realmente mágica quando você lê um rótulo a vários metros de distância”, diz Juan Nuñez, morador de Barcelona, com deficiência visual. “Até agora não havia alternativa a não ser aprender a estrutura das estações memorizando as rotas a seguir”.
À medida que os usuários varrem seu ambiente com um smartphone, sinais de áudio permitem que eles encontrem e centralizem a tag no campo de visão do telefone. Uma sacudida no pulso faz com que os detalhes contidos nela sejam lidos (as pessoas com deficiência visual costumam segurar um cão-guia ou bengala com a outra mão).
As informações podem variar dependendo da posição do usuário em relação ao adesivo e podem ser programadas em vários idiomas, com o telefone selecionando automaticamente sua língua nativa – importante para uma cidade que recebe quase 10 milhões de visitantes por ano. Após um piloto bem-sucedido ao longo de uma única linha de metrô e rota de ônibus, o sistema NaviLens está sendo expandido para todas as 159 estações de metrô e 2.400 pontos de ônibus, totalizando dezenas de milhares de tags que formarão uma infraestrutura de realidade aumentada. NaviLens espera expandir para outras cidades europeias em breve.
A Neosistec, empresa matriz da NaviLens, também desenvolveu um aplicativo separado para pessoas com visão que usa as tags para gerar sinalizações de realidade aumentada que direcionam os usuários para o seu destino.
A empresa se junta a um mercado lotado de aplicativos de navegação voltados para os deficientes visuais: Be My Eyes, BlindSquare, DigitEyes e Moovit, para citar alguns. A NaviLens se destaca dos demais porque esses outros usam, principalmente, GPS e os sinalizadores de Bluetooth precisam ser instalados em ambientes fechados, diz Raül Casas do escritório técnico de acessibilidade universal do TMB.
Outros usuários cegos e com deficiências visuais fora de Barcelona também ficaram impressionados. Marc Powell, atleta de judô cego que disputou os Jogos Paraolímpicos de 2012, ajuda a liderar o departamento de inovação do Real Instituto Nacional de Cegos (RNIB, sigla em Inglês) do Reino Unido, que também está testando o sistema.
“Há um pouco de ceticismo no início”, diz ele, “mas logo se transforma em uma risadinha e um momento de surpresa tipo “wow” – eu realmente acabei de detectar algo a 15 metros de distância? Sabendo o que está por aí: uma sala silenciosa, uma máquina de venda automática, todas essas coisas dão vida ao prédio”.