A receita para a autossuficiência na produção de chips
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A receita para a autossuficiência na produção de chips

A disputa geopolítica na indústria de semicondutores e os esforços dos EUA e da China para superar o monopólio japonês de um isolante químico crucial. 

A indústria global de semicondutores enfrenta uma intensa disputa geopolítica e econômica entre Estados Unidos e China, e esses dois países buscam superar o monopólio japonês no fornecimento de um isolante essencial para a fabricação de microchips. Trata-se do ABF (Ajinomoto Build-up Film), componente do qual a empresa japonesa Ajinomoto detém o controle desde a década de 1990.

Isso levanta algumas preocupações sobre a dependência tecnológica e econômica, a soberania dos países envolvidos e a necessidade de diversificar as cadeias de suprimentos para reduzir essa dependência destaca. Mas alterar os padrões de fabricação em um mercado altamente especializado é complexo e pode impactar as políticas governamentais e a inovação tecnológica no setor.

Neste episódio do podcast da MIT Technology Review Brasil, André Miceli, Carlos Aros e Rafael Coimbra falam sobre as implicações desse cenário e seus desafios.

Este podcast é oferecido pelo SAS.

[TRILHA SONORA – ABERTURA]

[ANDRÉ MICELI]

Olá, sou André Miceli e esse é mais um podcast da MIT Technology Review Brasil. Hoje, eu, Rafael Coimbra e Carlos Aros vamos falar sobre as batalhas da guerra de microchips. Os fabricantes dos Estados Unidos e da China estão buscando materiais para reduzir a dependência do monopólio de uma empresa japonesa. Mas essa história não vai ser fácil, a gente vai entender o que acontece, é surpreendente para quem não está ali inserido no contexto da construção dos microchips e o que pode acontecer se Estados Unidos e China conseguirem o que querem. Antes de a gente começar essa história toda, eu quero dizer que esse podcast é um oferecimento do SAS, líder em Analytics. Também, convido a você para entrar para a nossa comunidade lá em www.mittechreview.com.br/assine.

Rafael Coimbra, me dá um panorama dessa história que para mim foi surpreendente e me diz, até que ponto a globalização da cadeia de suprimento de semicondutores beneficia ou prejudica a soberania dos países envolvidos nessa briga?

[RAFAEL COIMBRA]

André, essa é uma história saborosa, picante, que acontece ali na cozinha do mundo da computação dos bastidores, que envolve uma empresa que nós aqui no Brasil devemos conhecer todos por um tempero, ou por alguns temperos, que é a Ajinomoto, empresa japonesa. E se você for agora no supermercado, provavelmente você vai encontrar algum tempero na Ajinomoto. Mas a gente não está falando aqui de tempero, apesar de ter relação aqui com o nosso mundo, com a receita global do microchip. Por quê? Essa mesma empresa que faz temperos, ela começou a desenvolver um composto químico lá nos anos 1970, foi desenvolvendo isso até que na década de 90 ela realmente conseguiu fazer chegar ali num composto químico que funciona como um isolante. Ela tinha a pretensão de fazer algum filme isolante e eles conseguiram fazer esse elemento. Esse elemento foi matizado de ABF, ou a Ajinomoto Build Up Film, é um filme que funciona ali, se a gente conseguir abrir um microchip, você vai ver que ali dentro tem uma camada fininha de isolante. E isso se tornou padrão mundial. A Ajinomoto conseguiu fazer isso de uma maneira tão bem-feita, e ali no início da revolução, estou falando do nível dos anos 90, ainda estava pegando o começo da internet com a produção crescente de computadores. Quando ela percebeu isso, que os fabricantes usaram esse elemento, isso passou a ser visto como base. A Ajinomoto, desde então, e hoje ela ainda é a monopolista nesse setor. Praticamente todos os chips que precisam desse tipo de componente usam o elemento da Ajinomoto.

Então, o que está acontecendo é que há muitos anos, mas principalmente agora, existem empresas, o André estava citando aqui, nos Estados Unidos, tem uma empresa que está tentando tirar, quebrasse o monopólio da prática da Ajinomoto, é a TicTronics. Mas também tem algumas empresas na China tentando fazer com que esse elemento seja produzido de uma maneira que não dependa exclusivamente da Ajinomoto. Claro que a gente está falando primeiro de uma descoberta de algum elemento químico, de algum processo, que realmente possa fazer com que esse material

seja substituído. E aí, todas as empresas não dependeriam dessa solução japonesa, mas a gente sabe também que dentro dessa cadeia global de montagem de um chip de computador, isso não, mesmo se alguém conseguir aqui, por exemplo, descobrir algo tão eficiente quanto a solução da Ajinomoto, essa revolução não seria feita de uma hora para outra. O que eu estou querendo dizer, você não consegue simplesmente trocar num chip, eu vou trocar o Ajinomoto, o ABF do Ajinomoto por uma outra solução, porque esses chips de uma maneira tão integrada com outros componentes, é um processo tão sofisticado, a gente está falando aqui de escala nanométricas, é tudo tão preciso que você, para conseguir fazer com que se mudasse esse padrão do Ajinomoto, precisaria convencer toda essa cadeia, ou pelo menos uma grande parte dela, a adotar essa outra solução.

Você não desmonta isso de uma hora para outra, essa é uma grande questão. Então, mesmo que a gente consiga ter alguma solução interessante no curto prazo, ainda levaremos alguns longos anos, até que o mercado se adapte de novo e consiga realmente não depender tanto da Ajinomoto.

[ANDRÉ MICELI]

Carlos Aros, como você enxerga a influência das políticas dos governos de Estados Unidos e China, no sentido de moldar o futuro da indústria de semicondutores, e o que você acha que isso diz sobre a relação entre tecnologia e geopolítica?

[CARLOS AROS]

Bom, primeiro que essa relação é íntima, e existe de alguma maneira hoje um movimento que não está restrito aos Estados Unidos e à China, mas todas aquelas nações que estão conseguindo perceber a movimentação dessas peças sobre o tabuleiro já entenderam, que é preciso recuar alguns passos e fortalecer as cadeias internas, eliminando, de certa maneira, essa dependência que se tem de outros fornecedores, de outros players de maneira geral. Os Estados Unidos vêm criando um movimento numa tentativa de blindar a chegada de produtos, de players chineses e aliados da China em um número de setores.

A indústria da tecnologia talvez seja aquela que mais evidentemente tem sido afetada por essa política. E havia uma visão de que isso seria interrompido, esse movimento seria interrompido, com a ascensão do Biden ao poder. E isso não aconteceu. Os Estados Unidos, como uma política de Estado, continuaram acelerando esse processo, talvez numa velocidade menor do que teria havido num evento ao segundo governo Trump, mas mantiveram a velocidade de mobilização em torno dessas questões. A pandemia com a quebra das cadeias de fornecimento mostrou também ao lado de outros fatores, esses muito mais políticos, que propriamente a questão econômica envolvendo, que aqui envolveu a pandemia, que era preciso romper com essa estrutura.

E aí no meio disso, em alguns setores como esse dos chips, a gente encontra situações em que há monopólios específicos dentro de cadeias de fornecimento, que precisam ser rompidos sobre a ótica de que essa interdependência sobre qualquer pretexto pode acabar gerando ruídos, gerando problema para essas nações, seja do ponto de vista de segurança, de ponto de vista econômico, não importa, há uma visão de um protecionismo cada vez maior.

E aí nesse ponto é que se tem um investimento gigantesco para quebra de monopólios, nesse caso específico envolvendo algumas empresas chinesas e no caso dos Estados Unidos, envolvendo essa companhia que o Rafa citou. Ocorre que a relação da Ajinomoto, nesse caso, e do mercado japonês de maneira restrita, da economia japonês de maneira restrita com os Estados Unidos, é muito mais próxima do que a relação com a China. E há várias razões para isso, desde o aspecto da reconstrução, pós -segunda guerra, enfim, há uma relação de dependência da economia japonesa com a economia norte-americana, e o papel que os Estados Unidos desempenharam nesse processo, que fez com que houvesse um fortalecimento e um estreitamento dessa relação. E isso tem pesado muito mais em benefício dos Estados Unidos agora do que na relação com a China.

E aí, claro, não é motivo para que, só porque os japoneses caminham e acenam numa direção de favorecer ou de privilegiar interesses norte-americanos nessa questão, de que os Estados Unidos vão romper com isso. Mas, globalmente, há um desafio enorme. Os estudos mostram, alguns estudos de mercado mostram que a tendência de crescimento na demanda por esse composto, por esse filme aí, o ABF, né? E isso indica que a corrida deverá ser acelerada, mas leva vantagem quem já está na pista, leva vantagem quem já está em uma rotação alta. E esse é o caso da Ajinomoto.

Ela tem em favor dela não só o peso do governo japonês, mas também as relações que foram construídas ao longo de décadas. E isso tem um peso, a gente sabe, na construção disso tudo. O grande aspecto aqui é esse é um composto. A gente está discutindo um elemento na composição dos chips. Algumas semanas nós falamos aqui sobre os chiplets, que são uma outra ponta dessa história, um outro lado desse prisma, um outro aspecto a ser considerado, um outro aspecto a ser observado, mas há inúmeros elementos nessa cadeia. A gente tem visto, por exemplo, a questão do fornecimento de silício, que também é um ponto, quando a gente olha no mapa mundi, vai entender quais são os players que estão fornecendo isso. Então, também entra na conta essa questão.

Se a gente for sair do aspecto dos chips e olhar para outro setor, o setor de energia, por exemplo, a gente tem uma disputa muito importante que, de novo, coloca Estados Unidos e China em lados opostos. A BYG, que é uma gigante chinesa, acabou de fazer uma oferta para comprar a maior produtora de lítio do mundo. O que ela está fazendo? Bom, ela está garantindo que ela vai ter fornecimento infinito, vamos colocar dessa maneira, entre aspas, aqui, o infinito, para um elemento que é fundamental dentro da cadeia de fornecimento de suprimento das baterias, no caso dos chips, a mesma questão aqui.

Então, a geopolítica entra como um fator preponderante, André, mas ela pressiona cenários e situações cujas estruturas já estão bem engendradas, já estão muito complicadas ali, num contexto maior. A questão econômica e as relações bilaterais, a questão de outros e pequenos players que entram, a garantia de que esses novos modelos alternativos, que esses produtos alternativos, são tão eficazes quanto se tem. Uma coisa é ter um produto que está há décadas rodando e colocar um novo agora que precisa ser explorado dentro de todas as possibilidades. Então, a geopolítica é um fator importante, mas ela isoladamente é refém de uma série de outros interesses. E até que se prove o contrário, nem o governo chinês, nem o governo norte-americano, nem o governo japonês, são loucos o suficiente para dar um chute na mesa, virar a mesa e romper com o que está funcionando.

Ninguém vai desmontar o castelo de cartas, você vai encontrar um caminho alternativo para tudo isso. Mas, de maneira muito objetiva, o que a gente tem hoje é uma celeuma causada por decisões

políticas, que não tem encontrado respostas em soluções efetivas apresentadas do ponto de vista econômico e tecnológico. Ainda há incertezas nesses dois aspectos e, por isso, a geopolítica pressiona, pressiona, pressiona, pressiona, faz muito barulho, vira manchete, vira sanção, vira discurso muito bonito, mas não se converte efetivamente, por exemplo, na quebra desse monopólio.

[ANDRÉ MICELI]

Rafa, falando da quebra desse monopólio, como você enxerga o impacto caso isso aconteça? Se os países forem eficientes em gerar empresas que consigam se encaixar nessa cadeia de suprimentos, o que acontece com a nossa querida Ajinomoto?

[RAFAEL COIMBRA]

Ela vai ficar aí com um gosto amargo nos seus lucros, provavelmente. Não vai ser nada umami. Explica aí o que é umami, Aros.

[CARLOS AROS]

Umami é o quinto sabor, é aquele que faz com que o gosto e com que algumas características principais do alimento permaneçam por mais tempo no nosso paladar. Então ele foi originalmente reconhecido só no final dos anos 1900, começo dos anos 2000, mas foi um pesquisador, um cientista japonês, cujo nome eu não vou ousar pronunciar, trabalhava na Universidade Imperial de Tóquio, que, sei lá, mais de 100 anos, conseguiu extrair o mame ali, de uma série de compostos e apresentou isso, por isso que a culinária japonesa é a que melhor trabalha com o umami.

A gente conhece umami como um pozinho que curiosamente é vendido também pela Ajinomoto e ele é o que dá esse sabor, que faz aquela vontade de você comer mais. É o umami.

[RAFAEL COIMBRA]

No caso aqui, voltando para os microprocessadores, se alguma empresa, obviamente, descobrir algo que faça frente à solução da Ajinomoto, a receita, receita financeira da Ajinomoto, vai azedar. Mas o fato é o seguinte, André, eu não acredito que algum país ou alguma empresa seja capaz de produzir 100 % uma solução, por exemplo, com um chip. Então quando a gente fala de um chip, tem tanta coisa para que se chegue à solução final, que é praticamente impossível que uma empresa consiga fazer isso dentro de um país.

Então esse é o grande debate atual, porque você, por um lado, tenta se fazer esse movimento, os Estados Unidos tem um projeto, tem um projeto chamado chip, inclusive, que o governo está despejando esses milhões de dólares, o Aros comentou sobre ele, o fato é que o que a gente está começando a ver são cadeias nacionais, o máximo que a gente está conseguindo ver. Então a China

está montando uma cadeia nacional, ela pega empresas que são chinesas e tenta fazer com que elas se integrem dentro daquele ambiente local, a mesma coisa nos Estados Unidos.

Mas, novamente, é praticamente impossível você não depender de um material específico de um país, de uma matéria prima de um determinado país. Mas, vendo para esse novo mundo de reengenharia, de logística local, mesmo que isso aconteça, vai ter um problema na frente que chama -se preço. Por quê? O que a gente vê até então nessa globalização, isso vale para todos os setores, é que, geralmente, uma vez que fica tudo azeitado, bonitinho, os preços tendem a cair. Você pega um pedaço aqui, onde é mais barato aqui, no outro país, monta-se uma solução, e essa solução acaba sendo mais barata. Se começa a se forçar a barra para fazer a produção local, cada país tem as suas especificidades, mas provavelmente esse preço aumentará para o consumidor. Então a questão é, o consumidor, no fim das contas, vai querer pagar essa conta ou não?

Então, pode haver um fator de equilíbrio que vai ser determinado por quem está consumindo, em que empresas estão comprando computadores, que pessoas estão comprando computadores, e se elas vão querer pagar mais caro para ter uma solução nacional, por exemplo. Eu acho que, na mente de muitos consumidores, o que vale é o preço, não importa de onde está vindo esse produto. Um outro fator que eu acho que pode mexer nesse jogo e tem que estar no nosso radar é, a gente está entrando em uma nova era da computação, já falamos um pouco aqui em alguns podcasts, que são chips voltados para a Inteligência Artificial. Também nos Estados Unidos tem uma líder mundial, que é a NVIDIA, mas outras empresas demandantes desses novos circuitos, chips específicos para treinamento de inteligência artificial, todas as Big Techs, Google, Meta, Microsoft, essas empresas estão precisando de novas fontes para alimentar esses modelos, e isso, obviamente, passa por circuitos que são feitos especificamente para a Inteligência Artificial.

Talvez novas startups com olhares focados mais nesse novo mundo que está se criando, talvez a gente possa ver uma solução diferente, um jeito novo de se fazer esse tipo de composto, para um novo mundo, vou chamar aqui, uma nova arquitetura global que vai estar por trás de tudo que a gente está consumindo em termos de informação, de soluções e aplicativos, e aí sim, eu acho que não vejo nada agora, mas vai que uma startup dessas consegue fazer alguma coisa disruptiva que mude completamente o mercado da mesma maneira como a Ajinomoto fez, a Ajinomoto fez isso, ela no determinado momento estava no momento certo, na hora certa, com o pozinho certo, e o filme certo, para fazer o isolamento químico, porque não agora alguém chegar no momento certo, na hora certa, para esse novo mundo que está se desdobrando na nossa frente.

[ANDRÉ MICELI]

Carlos Aros, falando no novo mundo que está se desdobrando na nossa frente, quero te perguntar como você vê o futuro da cadeira de suprimento, nesse contexto dos semicondutores, dá para mudar o eixo, a importância de cada país nesse processo, dá para ser independente, como essas questões vão se refletir na geopolítica nos próximos anos?

[CARLOS AROS]

Eu acho que a independência total, ela hoje, não é mais viável, até porque a gente caminhou ao longo de algumas décadas, fazendo com que cada país investisse, se posicionasse, construísse fortaleza, onde tinha um potencial maior, onde tinha a expertise, onde tinha condições mais favoráveis, certo? Então, refazer esse caminho levará seguramente, muitas décadas, se essa for a escolha desses países todos.

A grande questão é como reduzir essa dependência, e daí aqui é mais ou menos como montar o cardápio de um restaurante. O chefe vai escolher os pratos e vai entender de maneira lógica quais são os fornecedores que entregam os melhores produtos, com os melhores preços e com a garantia de que vai haver regularidade, porque esse cardápio não vai ser trocado todos os dias. Eu não posso oferecer um filé com fritas e simplesmente num dia seguinte não ter fritas para vender junto com o filé. Então, basicamente aqui a história é que no meio desse processo em que surgem novos players para tentar romper com o monopólio de algumas empresas, e a Ajinomoto é uma delas, vale lembrar, há vários outros players que se não representam um monopólio, tem uma dominação grande do mercado, na tentativa de romper com esses monopólios, esses novos players que vão surgir vão dar conta de uma capacidade ainda, pelo menos de início, limitada, e aí eles vão acabar compondo um grande quadro em que vão ser fornecedores para determinados segmentos, para determinadas regiões e etc. E como eles, vai ter que haver uma multiplicidade de possíveis fornecedores para essas cadeias.

Talvez elas sejam mais diversificadas no futuro, talvez a gente tenha uma questão em que a geopolítica e as relações entre alguns desses países vão ter um peso muito maior do que tem hoje, porque se a gente for pensar tem acordos bilaterais e negócios que são feitos entre países, privilegiando alguns segmentos, mas na hora que a coisa aperta, aquela história da farinha pouca, meu pirão primeiro. Eu esqueço a relação bilateral e vou procurar o produto de quem tem para vender. A gente assistiu isso na pandemia, não está conseguindo entregar, bom, sai correndo atrás de alguém que pode entregar, porque eu não vou parar aqui com o que eu preciso fazer. Então, o que vai acabar acontecendo é que a questão política terá um peso muito maior na definição desses parceiros, que é o que a gente está vendo hoje nos Estados Unidos acontecer.

As empresas americanas há um tempo atrás foram até o governo pedir, por favor, da maneira como está, você vai me quebrar. Eu preciso ter saídas, não dá para ser uma ruptura total, tem que haver uma transição. Esse aqui é o meu principal fornecedor. Então, o que vai acontecer muito provavelmente é que a gente vai ter uma diluição, vamos ter um processo em que aquilo que era uma relação de um para um vai se tornar de muitos para muitos e as cadeias vão se tornar mais diversas, mais complexas. E isso terá um impacto na questão de governança, que vai se tornar ainda mais preponderante. Isso vai ter um impacto, evidentemente, nas questões políticas entre esses países. Vai ter um impacto muito importante na necessidade de formação e de desenvolvimento de tecnologias e de capacidades dentro desses novos mercados. E as empresas vão ser as indutoras disso, porque no fim, por mais que a gente saiba que as definições políticas e esses acordos todos aconteçam em uma esfera acima, são as empresas que mantém a engrenagem rodando.

E elas, portanto, vão perceber onde o carro aperta para poder induzir, para poder fomentar a formatação desses mercados. Esses números todos que a gente estou aqui, que o Rafa trouxe sobre essas empresas estão investindo, etc., a formação dessas capacidades e a formação dessas… a busca por essas alternativas. Então, eu vejo esse como o grande futuro e, de alguma maneira, aquilo que a

gente gostou de ver durante muitos anos, a tal da globalização, etc., já de algum tempo vem se desconstruindo e a gente volta para dentro do cercadinho, olhando por cima da cerca e entendendo se tem alguma ameaça vindo do outro lado. Não é mais tão bonito esse mundo globalizado como se pensou, como se projetou há algumas décadas.

[ANDRÉ MICELI]

Bom, é isso. Agora é hora de virar a chave. Rafa Coimbra, no que você vai ficar de olho essa semana?

[RAFAEL COIMBRA]

Estou de olho, André, numa nova febre, num aplicativo chamado AirChat, que vou simplificar aqui, dizendo que ele é mais ou menos um Clubhouse 2.0. Para quem se lembra, aí no meio da pandemia, teve um aplicativo, o pessoal entrava, conversava ao vivo, como se fosse uma rádio, um grupo, e agora tem uma tentativa de recreação, mais ou menos desse espírito de conversa em forma de rede social.

Então, o que a gente vê quando abre esse aplicativo são conversas, conversas em áudio, você pode ver a transcrição, ela acontece automaticamente, mas a ideia dos criadores é que houvesse ali uma atmosfera de uma conversa natural. A gente hoje se comunica muito por meio de texto e dá para perceber que muitas vezes essas conversas acabam, ainda às vezes até para a briga, perde -se muita nuance do tom da voz, do jeito que a pessoa fala.

Então, a aposta desse novo aplicativo é que a gente voltasse a conversar de uma maneira mais natural, mais descontraída, como era no início das redes sociais. A gente foi voltar lá atrás, no Facebook, no próprio Twitter, o início ali, as pessoas entravam, falavam uma banda de besteira, era uma coisa mais descompromissada, não tinha cancelamento, não tinha polarização, era um ambiente muito mais tranquilo. E a ideia é que você ouvindo alguém, você consiga entender melhor o que essa pessoa está dizendo, sem agressividade, e percebendo nuances que um texto muitas vezes não entrega.

A gente percebe isso numa mensagem de WhatsApp, às vezes, dependendo do tema, se for um tema mais sério, mas delicado, é muito melhor você mandar uma mensagem para que a pessoa entenda em que tom você está transmitindo aquela mensagem, do que simplesmente você mandar um texto seco, curto, que pode ser entendido de uma maneira completamente diferente da que você está tentando transmitir uma mensagem.

O fato é que está bombando na loja de aplicativos, foi um dos mais baixados nos últimos dias, nos Estados Unidos, os ingressos já estão esgotados, porque você só entra com ingressos, então tem toda aquela coisa do FOMO, do fear of missing out, que o Clubhouse também gerou no início, mas ainda é muito cedo pra dizer que isso vai vingar, porque não está claro também, eu estava olhando aqui a entrevista com os investidores do aplicativo, eles não tem modelos de negócios definidos, não sabem como é que vão ganhar dinheiro, se vai ter propaganda, como é que monetiza, etc. Mas vamos ficar de olho, eu acho que pelo menos essa reflexão sobre conversas civilizadas, isso por si só já é algo interessante e que toda vez que surge um aplicativo novo, eu gosto de prestar atenção.

[ANDRÉ MICELI]

E você, Carlos Aros?

[CARLOS AROS]

De olho numa discussão no Congresso aqui brasileiro, André, que envolve de novo a política pesando a mão em questões que mereciam, antes de qualquer coisa, um olhar muito mais comedido, um olhar técnico. O PL2630, que ficou conhecido como o PL das fake news e que não necessariamente trata deste tema, ele passa por isso, mas não é a ênfase do texto, estagnou e a presidência da Câmara, o presidente Artur Lira, decidiu que vai criar um grupo de trabalho, que vai ser constituído por pessoas a definir, e esse grupo de trabalho vai repensar todo o caminho.

Nesse projeto, André, haviam sido apensados outros textos e outros encaminhamentos, direito autoral, remuneração de jornalismo, enfim, várias questões que foram incluídas no texto, ele virou um grande Frankenstein. Tive oportunidade nessa semana de conversar com o relator do projeto deputado Orlando Silva, que também relatou lá atrás, foi um dos responsáveis pelo encaminhamento com o Marco Civil da internet, que, aliás, neste dia 23 de abril de 2024, completa 10 anos. Foi um texto muito elogiado. Também nesta semana que passou, tive a oportunidade de conversar com um dos autores do Marco Civil da internet, um dos pais deste projeto, que manifestou algumas preocupações sobre esse encaminhamento que o Congresso está dando por um tema tão importante. Não é só sobre fake news, embora o tópico fake news seja um tópico importante, e não fake news em si, mas a desinformação e o impacto que a desinformação tem sobre a sociedade. Mas o que é preponderante aí? É um movimento global de construção de regulamentos, de processos regulatórios que envolvem as Big Techs.

Elas ganharam uma estrutura e uma estatura tão robusta que aprecia agora mecanismos para conseguir com base na viabilidade desses negócios e na preservação de uma série de outros itens, garantir que tudo isso se dê da maneira mais transparente possível. O mundo todo está fazendo isso. O texto brasileiro supostamente tem inspiração no que a Europa propôs. Há alguns anos os Estados Unidos também caminharam textos interessantes. E o Brasil agora dá dez passos atrás, propondo zerar uma discussão que não pode ser zerada porque ela é corrente, ela está acontecendo agora. Então há uma preocupação das empresas. Havia uma preocupação com o texto anterior. Há uma preocupação agora com a insegurança que se tem a partir dessa nova discussão que não se sabe onde vai chegar.

Há uma insegurança daqueles que operam o direito nesse campo porque entendem que há vácuos que estão sendo criados e que precisam ser alcançados. E no meio de tudo isso a gente tem Twitter Files, a gente tem Elon Musk, a gente tem uma disputa entre o judiciário e o congresso para entender quem vai arbitrar o que é um contexto muito, muito sensível. E os olhares daqueles que estão tomando decisões com base em investimentos aqui no Brasil, com base na construção e na consolidação de um mercado importante para esses pleitos digitais, daqueles que estão investindo e empreendendo nesse segmento de plataformas digitais, todo mundo fica atento e angustiado, tentando saber para onde vamos.

E essa é a resposta que o legislador precisa oferecer, mas parece que a gente ficou mais longe dela. Então é importante a gente acompanhar o longo desses próximos dias o que será feito para a formatação desse grupo de estudos e o que será feito com o projeto que já está em andamento, já tem voto relator inclusive manifestado. Em paralelo a isso temos a discussão que envolve a regulamentação de inteligência artificial, um projeto de lei também tramitando, que aventou -se como possibilidade, reunir o projeto de legislação de Inteligência Artificial com o PL2630.

Eu fico imaginando como seria uma audiência pública para tratar desses dois temas, ela ia ser interminável, reunião de condomínio. Mas de todo modo a gente precisa de resposta, a gente tem que acompanhar, porque há um impacto muito grave social, um impacto muito grave econômico e um impacto muito grave sobre o que a gente entende como inovação, se vai viabilizar ou inviabilizar esse processo todo aqui dentro. Então momentos de tensão enquanto a gente acompanha essa caminhada. E aí no meio de tudo isso a gente lembra que este é um ano de eleição e muito provavelmente no meio do ano, ou seja, daqui a dois, três meses a gente vai parar tudo para poder o Congresso apoiar os seus candidatos, os deputados e senadores vão apoiar seus candidatos nos municípios etc. E a gente tem uma desaceleração dos trabalhos legislativos. Ou seja, é tudo muito complexo, não tem nada umami nesta discussão, André Miceli. É isso.

[ANDRÉ MICELI]

Bom, está na hora, mas antes da gente ir, eu quero lembrar que esse podcast é um oferecimento do SAS. Rafa Coimbra, até semana que vem.

[RAFAEL COIMBRA]

Até semana que vem, André, Aros e a todos que nos ouvem, lembrando que já estão abertas as inscrições para o Innovators Under 35 Brasil, da MIT Tecnologia Review Brasil. Se você conhece alguém que é inovador ou se você foi inovador e tem até 35 anos, está na hora de você se apresentar ao mundo. Venha com a gente, se inscreva, esse é uma premiação muito importante para que a gente revele as mentes inovadoras do Brasil. Inscrições abertas é só aparecer. Até semana que vem.

[ANDRÉ MICELI]

Carlos Aros, até semana que vem.

[CARLOS AROS]

Até semana que vem, André Miceli e Rafa Coimbra. A gente se encontra aqui. Um abraço.

[ANDRÉ MICELI]

Semana que vem tem mais podcast da MIT Tecnologia Review Brasil. A gente falar sobre tecnologia, negócios e sociedade. Um grande abraço para você que nos ouve. Tchau, tchau.

[TRILHA SONORA – ENCERRAMENTO]

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